Capítulo 13
Durante o regime militar que dirigiu o Brasil de 1964 a 1985 havia o clamor pela volta de líderes forçados a buscar exílio no Exterior. Com a Lei da Anistia, finalmente sancionada em agosto de 1979, personagens que tiveram seus direitos políticos cassados pela Revolução puderam retornar ao País. Em Pernambuco, Miguel Arraes, que havia governado o Estado, cassado no golpe de 64, era um deles.
Leia maisFoi exilado na Argélia, depois de ser rejeitado na França e uma tentativa frustrada de ida ao Chile – que também viveria um golpe de Estado em 1973. Na Argélia, no norte da África, chegou em 1965 e ali permaneceu por 14 anos. Quando regressou ao País em 79, poucos dias após a anistia, encontrou o Estado sendo governado por Marco Maciel, nomeado por Ernesto Geisel, o antepenúltimo presidente da Ditadura Militar.
Fora do poder e antes de buscar asilo político, Arraes foi preso, primeiramente, em uma cela do IV Exército, em Recife. Depois, ficou confinado por onze meses na Ilha de Fernando de Noronha e, ainda, na Fortaleza de Santa Cruz, no Rio. Amparado por um habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal, conseguiu refúgio político. Acusado de subversão, foi condenado à revelia pela Justiça Militar pernambucana.
Durante o período de exílio, continuou sendo vítima dos abusos da ditadura no Brasil. Teve a casa invadida por civis armados à procura de seus documentos pessoais e, mesmo em outro continente, foi condenado à revelia, pela Justiça brasileira pelo crime de “subversão”, em março de 1967. A pena prevista era de 23 anos de prisão.
Miguel Arraes nasceu no dia 15 de dezembro de 1916, em Araripe, Ceará, onde frequentou os primeiros anos de escola. Em 1932, concluiu o curso secundário no Colégio Diocesano, no Crato, e em seguida mudou-se para o Recife. Em Recife, prestou concurso público para o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), onde conheceu Barbosa Lima Sobrinho, antigo presidente do IAA, que o levou para a vida pública.
Sua vida pública foi iniciada de fato em 1948 como secretário estadual da Fazenda na gestão do então governador de Pernambuco, Barbosa Lima Sobrinho. Disputou sua primeira eleição em 1950, quando se elegeu suplente de deputado estadual. Foi só em 1958 que conquistou uma vaga de titular na Assembléia Legislativa de Pernambuco. Foi secretário da Fazenda no Governo Cid Sampaio em 1959, mesmo ano em que se elegeu prefeito do Recife.
Em 1962, Arraes foi eleito pela primeira vez governador de Pernambuco com 47,98% dos votos, pelo Partido Social Trabalhista (PST), apoiado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e setores do Partido Social Democrático (PSD), derrotando João Cleofas (UDN) – representante das oligarquias canavieiras de Pernambuco.
“Nunca me preocupei com rótulos. O rótulo de radical, conciliador, não tem nenhum sentido para mim, como não tinha sentido me chamarem de comunista no passado. O que importa é a prática política; o que importa são os posicionamentos que se tomam ao lado de determinadas camadas sociais em defesa de teses que interessam à nação como um todo”, disse Arraes numa entrevista em 1983.
Seu governo foi considerado de esquerda, pois forçou usineiros e donos de engenho da Zona da Mata do Estado a estenderem o pagamento do salário mínimo aos trabalhadores rurais (o Acordo do campo) e deu forte apoio à criação de sindicatos, associações comunitárias e às ligas camponesas. Miguel Arraes desencadeou um programa nacionalista, com ações voltadas para os trabalhadores rurais. Seu governo foi marcado também pelo apoio à população mais pobre e enfrentamento aos abusos trabalhistas de usineiros na região.
Em agosto de 1979, o general João Figueiredo, que havia substituído Ernesto Geisel, assinou a Lei da Anistia. Abriram-se as portas para a volta de milhares de brasileiros que tiveram de buscar asilo em outros países durante o regime militar. Ao lado de Arraes figuravam na lista políticos renomados, como Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola e José Serra, além de muita gente conhecida, como o sociólogo Betinho, o irmão do Henfil, e o economista Celso Furtado, além do jornalista Fernando Gabeira.
Arraes foi recebido com uma grande festa. Em seu desembarque, uma multidão gritava “Arraes taí!”. Representava os novos tempos da democracia. Para retomar a vida pública, doutor Miguel Arraes de Alencar fez várias viagens pelo país, fixou novamente residência em Recife e, sobretudo, manteve contato com líderes da oposição. Embora tenha construído sua carreira política em Pernambuco e se tornado um dos maiores expoentes da esquerda brasileira, Arraes não constava na Galeria dos Governadores, exposição pública, no Palácio das Princesas.
Tão logo tomou posse como governador biônico, indicado por Geisel e aprovado pela Assembleia Legislativa, Marco Maciel percebeu um espaço em branco, sem retrato, na Galeria dos Ex-governadores, o de Miguel Arraes, cassado pela ditadura em 1964. Então secretária da Casa Civil, a professora Margarida Cantarelli recebeu de Maciel a missão de providenciar o quadro de Arraes, num gesto que ficou marcado como grandeza política e amplitude de um político que estava do outro lado do balcão de Arraes.
Pintado pelo holandês Roberto Ploeg, o quadro de Arraes fez o maior sucesso e corrigiu uma omissão daqueles que no passado travaram uma luta odienta entre direita x esquerda. “Marco decidiu: ponham o retrato de Miguel Arraes na sucessão histórica e vamos ver o que acontece amanhã. E não aconteceu nada, só uma grande aprovação da imprensa e da opinião pública”, relatou o acadêmico José Paulo Cavalcanti no discurso de posse na Academia Brasileira de Letras.
Para o ex-senador Cristovam Buarque, o pequeno e simbólico gesto revela o respeito de Marco Maciel à história, seu caráter e honra. “A vida de Marco foi marcada pela ética”, disse Buarque, que mais tarde foi eleito governador do Distrito Federal e depois escolhido ministro da Educação. Maciel via, na política, uma arte do entendimento. A partir das pessoas. Fosse pouco, não tinha nenhum preconceito.
“Como se vê quando, em 1979, Jorge Cavalcante convidou o economista Clemente Rosas Ribeiro para o cargo de secretário-adjunto de Planejamento. Levou o ato de nomeação, para ser assinado, e Maciel comentou: “Clemente é irmão de Nelson. É uma família de caráter”. Só depois vindo a saber, Cavalcante, que Maciel e Nelson haviam militado, na política estudantil, em lados opostos”, relembra o acadêmico José Paulo Cavalcanti.
Em 1986, ainda pelo PMDB, Miguel Arraes foi eleito pela segunda vez governador de Pernambuco. Em 1990, já pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), do qual foi fundador e presidente nacional, Arraes foi eleito, novamente, deputado federal. E em 1994 foi eleito pela terceira vez governador de Pernambuco, derrotando Gustavo Krause (PFL) por uma diferença de mais de 300 mil votos.
Em 1998, ainda no cargo de governador, Arraes decidiu disputar a reeleição contra Jarbas Vasconcelos, seu antigo aliado, mas foi derrotado. Em 2002, mais uma vez elegeu-se deputado federal. Arraes morreu em 2005, aos 88 anos, no exercício de seu último mandato político. Três anos depois, em 2008, sua viúva Magdalena Arraes criou o Instituto Miguel Arraes com o objetivo de preservar a memória do ex-governador.
Lá, há um quadro dele com a seguinte frase: “Minha vida todo mundo pode saber, pois nunca gostei de dinheiro pra ter muito dinheiro. Gosto de dinheiro pra gastar. Pra gastar, todo mundo gosta. Mas, pra ter dinheiro… Dinheiro é uma coisa perigosa. Na mão de um homem público é um desastre”.
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