Capítulo 3
É possível viver na política sem brigar com ninguém, sem responder desaforos? Para Marco Maciel, sim. Nem mesmo no fogo cruzado teve reações enérgicas, movido por sentimentos de ódio que escorrem pelo fígado. “Ele fazia da política uma arte no sentido de tratar as relações com estilo e paciência. Dizia que estilo é tudo e que em política não se fulaniza”, lembra o engenheiro Aloísio Sotero, ex-secretário de Agricultura no Governo marcado pelo slogan “Desenvolvimento com Participação”.
Leia maisAos seus auxiliares, o ex-governador orientava ter uma forte presença na mídia, para que a população viesse a ser informada de tudo sobre o seu Governo que teve um traço: alavancar o Estado. Foi na era macielista que o Porto de Suape recebeu o primeiro navio. Num momento de tamanhas dificuldades, entregou 100 mil casas populares, criou o projeto Asa Branca, para construir barragens e levar água para o Sertão.
Marco Maciel fez uma gestão inovadora e sem grandes turbulências políticas. Nas adversidades, recorreu ao que aprendeu na conhecida escola de Georges-Louis Leclerc, o Conde de Buffon: “Le style c’est l’homme même”, isto é, o estilo é o homem. Ensinava que “Escrever bem consiste em pensar, sentir e expressar bem, em clareza de mente, alma e gosto…estilo é o próprio homem”.
O estilo de Maciel de não agredir, não ferir, fez a diferença. Jovem secretário, Sotero ouviu do ex-chefe que era necessário ocupar os espaços nos jornais com notícias relevantes do governo sob o risco de esse mesmo espaço vir a ser preenchido pela oposição. Assim agiu. Deu uma longa entrevista ao Jornal do Commercio abordando as questões da sua área, mas, entusiasmado, próprio da juventude, fez duras críticas ao Ministério da Agricultura, cobrando mais apoio para as culturas de sequeiro, de irrigação e projetos que estava tocando com muitas dificuldades.
No mesmo dia, ao chegar no Palácio das Princesas, Sotero recebeu um puxão de orelha no estilo clássico de Marco Maciel. “Meu caro Sotero, a sua entrevista foi muito boa, mas você usou muito mais o sinal de menos do que o sinal de mais. Política se faz com o sinal de mais. Da próxima vez, use mais o sinal de mais”. Sotero guardou a lição para sempre. “Nunca mais saiu da minha memória”, diz.
Outra sábia lição dada por Maciel aos seus assessores mais próximos vem da campanha para o Senado em 1990, quando sofreu duros ataques no guia eleitoral por um dos adversários, o empresário Homero Lacerda. Num programa que teve as duas mãos, a cabeça e os pés do jornalista Fernando Veloso, Marco Maciel só não foi chamado de arroz doce. De tão contundente, sugou pontos nas pesquisas.
Mas quem tirou proveito não foi Homero. Os efeitos benéficos no crescimento nas pesquisas beneficiaram José Queiroz, candidato ao Senado na chapa de Jarbas Vasconcelos. Maciel acabou eleito com uma diferença mínima, o que levou Queiroz a pedir recontagem dos votos num processo interminável.
“No dia seguinte, procuramos Maciel e o advertimos quanto à necessidade de responder aos virulentos ataques. Não dá para ficar sem resposta”, bradou Aloisio Sotero, ao lado de Gustavo Krause, Margarida Cantarelli, Ângelo Castelo Branco, Bandeira de Melo e tantos outros envolvidos na campanha que comungavam da mesma ideia e o mesmo sentimento que a resposta a Homero tinha que ser, se não no mesmo diapasão, mas dura.
O sábio Maciel, que lia o Conde de Buffon, não se deixou levar pelo entusiasmo e assim reagiu: “Senhores, quem escolhe os meus inimigos sou eu. E eu não dou status de inimigo a qualquer um”. “Marco sempre se pautou nas lições clássicas da República”, destaca o jornalista Ângelo Castelo Branco, ao confirmar o episódio do qual vivenciou muito de perto dando pitacos.
Mesmo atacado fortemente no campo político e não moral, ao longo do guia de Homero – chegou a ser pinçado como “filhote da ditadura e lambedor de botas de militares” – Maciel não se nivelou ao adversário porque pertenceu a uma escola que teve elevada consideração as correntes antagônicas, as mais diversas. “Jamais Maciel agrediu adversários”, lembra Castelo, acrescentando: “Para ele, oposição não era agressão, como está sendo visto hoje no Brasil”.
“Maciel foi um homem decente e de espírito público, dignificou as melhores tradições pernambucanas na política brasileira”, diz o ex-ministro Ciro Gomes. Para Ronaldo Caiado, ex-governador de Goiás, Marco Maciel fez da política a arte da construção ao abrir infinitas portas para o diálogo e o ordenamento institucional.
Com uma trajetória política marcada pela integridade e compromisso com interesse público, Marco Maciel foi exemplo de diálogo e conciliação em todos os cargos que ocupou, segundo o senador Fernando Bezerra Coelho. “Como vice-presidente da República, soube a exata dimensão do cargo, que exerceu com ponderação sempre em busca do bem comum. Como governador de Pernambuco, trabalhou pelo desenvolvimento do semiárido, missão que ainda nos desafia. Seu legado inspira todos aqueles que acreditam que a política é um instrumento de transformação do País”, disse.
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