Marco Maciel, o conciliador que fez a transição sem derramamento de sangue

Marco Maciel

Capítulo 1 

A partir de hoje, este blog inicia uma série de reportagens sobre a trajetória de um dos homens mais importantes da vida pública nacional, o ex-tudo Marco Maciel. Tudo porque ocupou as funções mais relevantes que um político sonha em mais de 50 anos de atividades marcadas por uma disposição incrível para o trabalho. 

Virou uma lenda, muitos diziam que não dormia. De tão magro, porque quase não comia, ganhou o apelido de mapa do Chile. Do início da década de 60 a 2014, quando se afastou da vida pública, Marco Maciel, também conhecido como o “Marco de Pernambuco”, foi deputado estadual, deputado federal, presidente da Câmara dos Deputados, governador de Pernambuco, ministro de Estado, senador, vice-presidente e presidente da República em exercício por mais de 80 vezes. 

Político conciliador, natural vocação de bombeiro, apagou muitos incêndios não apenas no Governo FHC, de quem foi vice de 1995 a 2002. Marco Maciel usou a sua infinita capacidade de construir consensos, principalmente em 1984. Tornou-se peça-chave na criação de uma aliança com os oposicionistas ao regime militar e operou a transição sem que houvesse uma gota de derramamento de sangue. 

Teve papel tão importante que chegou a ter seu nome ventilado para vice de Tancredo, mas ele próprio abriu os caminhos para o senador José Sarney ser o escolhido. “Marco Maciel foi um dos artífices da chamada Nova República, abriu a janela do entendimento entre o regime militar e a oposição. É dele a frase “Se é para o bem do Brasil, estamos condenados a nos unir”, diz o jornalista Ângelo Castelo Branco.

Castelo foi secretário de Imprensa de Marco Maciel no Governo de Pernambuco, assessor no Ministério da Educação e escreveu um livro revelando bastidores em vários episódios em que a presença do chefe, com o tom conciliatório, foi imprescindível para o Brasil consolidar e amadurecer a democracia. Lembra Castelo que foi Maciel que escreveu o manifesto “Compromisso com a Nação” em apoio a Tancredo Neves, tendo como signatários Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves e o próprio Tancredo. 

Marco Maciel era um político republicano, fiel às lições clássicas da República, de não roubar. Nunca foi envolvido em nenhuma denúncia ou escândalo que viesse macular a sua imagem. “Ele se dedicou à vida pública como sacerdote. Achava que um político, para ser correto, deveria se dedicar exclusivamente à atividade política em defesa dos interesses da coletividade. A política, para ele, era um sacerdócio. Não admitia que um político estivesse preocupado com os lucros da sua empresa e com seus negócios”, observa Castelo.

“Marco foi um político que esteve no regime militar, na democracia, na construção da Nova República, sempre com convicção liberal, integridade e honestidade. Nunca esteve envolvido em qualquer coisa moralmente equivocada”, revela, por sua vez, o ex-ministro Cristovam Buarque, pernambucano, também ex-governador do Distrito Federal e ex-senador. 

Foi a Cristovam que Marco Maciel recorreu, tão logo tomou posse como ministro da Educação no Governo Sarney, para assumir a Reitoria da Universidade de Brasília (UNB) e sustar uma greve contra o reitor José Carlos Azevedo, no cargo há muito tempo. “Maciel saiu da posse e foi direto para o seu gabinete. Chegando lá, convenceu Azevedo a fazer uma carta de renúncia. Quando os estudantes chegaram com suas faixas para o protesto, em frente ao MEC, logo se dispersaram sabendo que Cristóvão era o novo reitor”, lembra Ângelo Castelo Branco. 

Como ministro da Educação, Maciel também quebrou paradigmas. Visto como figura tarimbada do regime militar, um dos fundadores do PDS, encarado como um político de direita e conservador, acabou entrando para a história como um dos principais responsáveis pela reabertura da UNE – a União dos Estudantes Universitários, vinculada aos partidos de esquerda. “Maciel liderou todo o movimento para reabertura da instituição e foi ao Rio discursar no primeiro congresso da UNE na Nova República, sendo aplaudido de pé”, conta Castelo. 

Nestes tempos de turbulência, de radicalismo e de agressões que o País vive, a figura de Marco Maciel faz muita falta. “Maciel foi um exemplo de homem público, um exemplo de que há formas mais fraternas, ainda que adversas, de se fazer política”, testemunha o ex-governador Esperidião Amin, de Santa Catarina, que conviveu muito de perto com o político pernambucano. 

Homem culto e devotado à leitura, Maciel foi eleito em 2003 para a Academia Brasileira de Letras, com sede no Rio de Janeiro. Em 2010, quando já tentava o quarto mandato de senador, sofreu sua primeira derrota nas eleições de Pernambuco, disputando, assim, sua última eleição. Em 2014, foi diagnosticado com mal de Alzheimer – doença progressiva que destrói a memória e outras funções mentais importantes, vindo a falecer no ano passado. 

Veja amanhã

Maciel, o inquieto, acordava auxiliares pela madrugada para fazer cobranças.