Por José Américo Silva*
O texto aprovado ontem pela Câmara dos Deputados para o chamado PL Antifacção — relatado pelo deputado Guilherme Derrite — deveria representar um avanço na luta institucional contra o crime organizado. Mas o que saiu do plenário está longe disso. O projeto original, elaborado pelo governo após diálogo com especialistas em segurança pública, tinha como objetivo fortalecer investigações, punir lideranças de facções e criar instrumentos modernos de combate ao crime. No entanto, ao passar pela Câmara, o texto ganhou contornos políticos e perdeu consistência técnica.
Foram várias versões apresentadas pelo relator, sempre ajustadas ao sabor das pressões partidárias. O resultado é um projeto marcado mais pela disputa política do que pelo compromisso com a segurança pública. Nem o governo venceu, já que viu seu texto ser descaracterizado; nem a oposição pode comemorar, porque produziu uma proposta frágil, cheia de lacunas e com potencial de gerar insegurança jurídica. O maior derrotado é a sociedade brasileira, que assistiu a um debate contaminado pela pressa, pelo uso eleitoral da pauta e pela vontade explícita de marcar posição.
Leia maisEntre os principais problemas do texto está a criação apressada de novos tipos penais sem amparo técnico adequado, como o enquadramento de condutas já previstas em outras legislações, gerando sobreposição e risco de interpretações contraditórias. Há também dispositivos que, em vez de fortalecer o Estado, podem enfraquecer mecanismos essenciais de investigação — como a necessidade de aguardar o trânsito em julgado para reverter bens de facções, atrasando o estrangulamento financeiro desses grupos. A falta de precisão em certas definições torna o texto vulnerável a decisões judiciais divergentes, prejudicando o objetivo central: combater o crime organizado com eficácia e segurança jurídica.
O texto aprovado tem forte apelo político, mas baixa capacidade prática. O enfrentamento às facções exige integração entre instituições, inteligência, rastreamento de fluxos financeiros, controle territorial e fortalecimento das forças policiais. Nada disso se resolve com legislação construída sob clima de polarização.
Agora, a atenção da sociedade se volta para o Senado, onde a relatoria já está definida: o senador Alessandro Vieira, reconhecido nacionalmente por sua postura técnica e por sua atuação firme em temas de segurança pública e combate ao crime organizado. Sua presença à frente da análise do PL reacende a esperança de que o texto seja depurado, equilibrado e reconstruído com base na realidade institucional — e não sob o calor das disputas partidárias.
Espera-se que o Senado retire excessos, corrija lacunas, recoloque o foco no fortalecimento do Estado e devolva ao projeto o caráter técnico perdido na Câmara. O Brasil não precisa de atos legislativos performáticos para alimentar narrativas políticas; precisa de um instrumento robusto, eficaz e responsável contra organizações criminosas.
Que o Senado, sob a relatoria de Alessandro Vieira, faça o que a Câmara não fez: priorizar a sociedade, a institucionalidade e a efetividade no combate ao crime organizado.
*Jornalista
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