Por Marcelo Tognozzi
Colunista do Poder360
Um general veterano conta que no início do século 20 havia três tipos de militares: os que ainda acreditavam na volta do Império, os que só queriam o soldo no fim do mês e os jovens turcos que acreditavam poder refazer a República do zero e mudar o mundo. Em parte, eles conseguiram.
Eram oficiais enviados à Alemanha de 1906 a 1912 para receber treinamento militar de 1ª linha. O acordo foi costurado pelo Barão do Rio Branco e o então ministro da Guerra Hermes da Fonseca com o governo do imperador Guilherme 2º.
Leia maisRio Branco enxergava longe e sabia que o Brasil precisava de um Exército bem treinado e profissional. Naquele tempo as Forças Armadas eram a Marinha e o Exército, ambos influenciados por governadores que se achavam generais.
Os Estados tinham suas tropas e, muitas vezes, havia Exércitos particulares, como nas guerras civis do Sul. Aquilo era um furdúncio, com soldados marchando descalços e sem treinamento.
Entre os militares enviados à Alemanha estavam Euclides Figueiredo, Bertoldo Klinger, Estevão Leitão de Carvalho e Cesar Augusto Parga Rodrigues criador da revista Defesa Nacional, porta-voz dos jovens turcos.
Eram conhecidos assim por se identificarem com Mustafá Kermal Ataturk, fundador da República Turca, seguidor da doutrina militar prussiana. Queriam para o Brasil as reformas que Ataturk impulsionou na Turquia. E rezavam pela cartilha do positivismo de Benjamin Constant.
Mas a cooperação com a escola alemã durou pouco. Veio a 1ª Guerra e a França passou a ser a grande influenciadora do Exército brasileiro. Foi a partir da missão francesa que surgiram as escolas militares, doutrina, treinamento eficiente e unificação do Exército.
A França formou uma geração de militares que pegariam em armas em 1922, 1924 e 1930, quando finalmente tomam o poder com a revolução liderada por Getúlio Vargas.
Os jovens turcos foram ver o presidente e entregaram um gordo documento de centenas de páginas, com gráficos, esquemas geométricos e outras firulas. Getúlio olhou aquilo e perguntou: “Isso é governo ou geometria?”. Um deles respondeu: “É geometria aplicada ao governo”. Getúlio, raposa velha, arrematou: “Vocês são bons de quartel, mas na política se complicam”.
A França influiu na formação militar até 1940, quando suas defesas se mostraram um fiasco frente ao poderio bélico alemão. Com a 2ª Guerra, os Estados Unidos passaram a influir cada vez mais nas nossas Forças Armadas.
Isso perdurou até depois da redemocratização. Com o governo Fernando Henrique, começou a fase de submissão absoluta das Forças Armadas ao poder civil com a criação do Ministério da Defesa.
Os traumas do passado, especialmente do governo militar, fizeram com que esta submissão tivesse seus percalços, especialmente depois de 2003, com a posse de Lula. A esquerda vê com desconfiança as Forças Armadas, que vê a esquerda com desconfiança. Um sempre acha que o outro quer dar um golpe. E isso acabou influindo decisivamente na capacitação e nos investimentos em equipamentos, armas e munições.
Existem situações que precisam urgentemente ser revistas, principalmente num momento em que o mundo todo dá sinais de conflitos iminentes. O Brasil deixou sua indústria bélica ser sucateada, depois de exibirmos uma performance acima da média produzindo blindados e foguetes no fim do século passado.
Nós hoje poderíamos ter uma indústria de helicópteros capaz de abastecer o mercado interno e externo, mas comemos nas mãos dos franceses. Eles voltaram a ter hegemonia aqui. Com a já conhecida simpatia zero.
A coisa é pior do que se imagina. O presidente Lula tem à disposição helicópteros EC135 franceses obsoletos, com 18 anos de uso. É no mínimo falta de bom senso deixar o presidente da República voar nestas carroças aladas.
Aliás, em outubro de 2024, Lula e sua comitiva tomaram um susto com uma pane no Airbus francês presidencial, obrigado a sobrevoar a cidade do México por mais de 4 horas para queimar combustível. Simplesmente porque venderam um avião sem o equipamento que esvazia os tanques de combustível numa emergência. Claro que o presidente não sabia disso, mas quem comprou sabia e imaginou que esse tipo de situação nunca aconteceria. Será que haveria este sufoco se o avião presidencial fosse produzido pela Embraer?
O Brasil parece um imenso ferro velho militar quando se trata de aviões, navios e carros de combate. Nosso porta-aviões tem 30 anos, o navio de desembarque de carros de combate é de 1966. Ambos são ingleses. Temos aqueles Mirage franceses obsoletos, puro ferro velho, e dos 36 caças Grippen suecos comprados recebemos apenas 11. Os outros não chegaram por falta de pagamento.
No quesito helicópteros, o Brasil está praticamente nas mãos dos franceses, os mesmos, aliás, que melaram o acordo com o Mercosul. Querem empurrar para a nossa Marinha helicópteros com trem de pouso fixo, quando os mais indicados para o pouso num convés em alto mar é o helicóptero com rodas, porque elas amortecem e evitam acidentes, especialmente à noite.
Existem vários fabricantes de aviões e armas no mundo. Ficar nas mãos de um só é temeridade. Temos submarinos sendo construídos com parceria francesa, inclusive um nuclear que nunca saiu do papel e já ficou obsoleto antes de existir, porque só deve virar realidade em 2032.
O Brasil já foi uma potência em construção naval, mas perdeu fôlego e hoje entregou o mercado de plataformas da Petrobras para chineses e coreanos. E pensar que de 1840 a 1910 tínhamos a 2ª Marinha do mundo, rivalizando com os britânicos.
Em 30 de setembro, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, foi ao Senado e falou sobre a situação de abandono das nossas Forças Armadas, responsáveis por defender 8.000 km de costa, 16.800 km de fronteiras e um espaço aéreo de 8,5 milhões de km². É muita missão para quem não tem dinheiro para o combustível, que dirá para as peças de reposição.
O Brasil precisa de Forças Armadas bem equipadas e treinadas, como imaginou há mais de um século o Barão do Rio Branco. Não é normal um Exército incapaz de combater, uma Força Aérea que não voa e uma Marinha que não patrulha nossa costa.
Infelizmente, ainda vale a piada da época dos jovens turcos. Instrutor francês no interior de Minas, vê soldados marchando com uniformes improvisados e pergunta: “Mon Dieu, onde está a brigada mecanizada?”. E o comandante mineiramente responde: “Tá chegando professor. Assim que as mulas descansarem”.
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