Por Osório Borba Neto
Há momentos em que a realidade insiste em desmentir as narrativas oficiais – e o faz com a frieza dos fatos e a indiferença das locomotivas.
Podem-se organizar cerimônias, projetar gráficos animados, decorar discursos com anúncios vistosos.
Leia maisMas há verdades que não cabem em release, tampouco se deixam ludibriar pelo brilho de um telão.
A disputa que definiria o destino do ramal da Transnordestina para Suape não está em aberto.
Ela foi decidida há anos, talvez décadas, quando o relógio da infraestrutura corria em compasso com o mundo real — e não com o tempo subjetivo das gestões estaduais.
A surpresa, agora, é notar que o governo parece despertar para isso tarde demais, como quem só entende o risco depois do impacto.
O tempo econômico é implacável com quem perde a largada
A consolidação do Tegram – Terminal de Grãos em Itaqui, não foi acidental.
Foi resultado de um encadeamento de decisões, acordos e investimentos firmados com antecedência — o único caminho possível quando a competição é logística.
Enquanto Pernambuco ainda discutia prioridades, o Maranhão entregava obras. Enquanto aqui se elaboravam intenções, lá se edificava infraestrutura.
Suape não perdeu por erro pontual.
Perdeu por não compreender o valor da antecedência — aquela diferença silenciosa entre anunciar e realizar.
Certas derrotas não são súbitas: apenas se tornam visíveis de uma vez. Pecém e o mérito raro da continuidade
Há ainda o exemplo de Pecém, que talvez seja o ponto mais incômodo da análise.
Enquanto Suape alternava ciclos de ímpetos e interrupções, o Ceará praticava algo raro: visão de longo prazo.
Planejamento consistente. Governança profissionalizada.
Parcerias estratégicas com players globais. Continuidade institucional que não se dobrava ao calendário eleitoral.
Pecém não se tornou referência internacional por acaso. Foi resultado de método — aquela palavra simples, mas que organiza o futuro. Repetir 2025 como se ainda fosse 2010
O equívoco maior não está em desejar a Transnordestina. Está em tratá-la como se o tabuleiro permanecesse o mesmo.
Um ramal ferroviário só se sustenta quando há carga recorrente.
E a carga agrícola do Matopiba já possui destino, contratos e porto: Itaqui.
O mundo não fica à espera de quem demora a decidir.
Imaginar que Suape pode disputar agora essa rota requer algo próximo do delírio aritmético: mudar geografia, refazer contratos, reverter decisões passadas e desafiar a lógica econômica vigente.
A era em que Pernambuco ainda tinha vantagem.
Voltar a 2013 é revisitar um momento em que havia estratégia, articulação nacional e clareza de prioridades.
Os grandes projetos estruturantes — da refinaria à Jeep — eram parte de um desenho onde a Transnordestina fazia sentido.
Pernambuco, então, dispunha de chance real de se firmar como corredor de exportação.
O tempo, porém, é um escultor implacável.
A dinâmica econômica mudou, a infraestrutura regional se reposicionou e aquilo que um dia foi oportunidade converteu-se em oportunidade perdida.
A vocação atual de Suape — e o risco do autoengano
Suape hoje tem outra natureza:
cabotagem, contêiner, petroquímica, energia, indústria, logística de valor agregado e precisa cuidar disso para não ser superado pelos seus concorrentes.
Nada disso dialoga com granéis agrícolas em escala.
E insistir em narrativas contrárias é confundir plano com fantasia — ou desejo com realidade.
A mentira mais sedutora é sempre aquela que contamos a nós mesmos quando não suportamos a verdade.
Podem-se organizar eventos, repetir mantras de virada histórica, apresentar promessas embaladas para comoção.
Mas o fato permanece:
Itaqui venceu a disputa dos grãos.
Pecém venceu a disputa do planejamento.
E Pernambuco precisa, no mínimo, vencer a disputa contra seu próprio atraso de percepção.
Entrar em campo quando as traves já foram recolhidas não é estratégia.
É autoengano — e o autoengano cobra juros.
Sempre.
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