Por Renato Fonseca*
Povo preto de Pernambuco, é hora de olhar para o espelho da história – e para o abismo do presente. Estamos no mês da Consciência Negra, mas, para nós, consciência não é celebração: é diagnóstico. E o diagnóstico é duro: Pernambuco continua governado pela mesma lógica que sempre governou – a lógica que nos vê como força de trabalho, mas não como força de poder.
A verdade é que, em pleno 2025, ainda não vemos pessoas negras ocupando os espaços decisórios do Estado. Os governos mudam, as siglas mudam, os discursos mudam… mas o retrato oficial permanece com a mesma cor de sempre. Não é opinião: é observação.
Leia maisTemos governos que se dizem modernos, democráticos, populares, progressistas… mas quando chega a hora de nomear quem de fato decide orçamento, direção política, prioridades, obras, pactos, investimentos… onde está a pele preta?
Onde estamos nos governos de Raquel Lyra? Onde estamos na gestão de João Campos?
Estamos na base, na ponta, no atendimento, nos cargos técnicos, nos trabalhos essenciais – mas não estamos na presidência das autarquias, não estamos no comando da economia, não estamos na fazenda, não estamos nos gabinetes de formulação de poder, não estamos no centro das decisões que definem o futuro do nosso povo.
E isso não é detalhe. Isso é projeto. Porque quando a gente não está onde decide, a política sobre nós continua sendo escrita sem nós. E uma política construída sem o povo preto nunca terá compromisso real com o povo preto. O racismo, em Pernambuco, não é explícito. Ele é silencioso, elegante, institucional.
Ele se apresenta como “técnico”, “gestão”, “eficiência”, “perfil adequado” – códigos que, na prática, excluem quem sempre foi excluído. É o racismo que sorri, que elogia nossa luta, que bate palma no mês de novembro e que posa para foto com turbante… mas que na hora de abrir a porta do poder, fecha na nossa cara.
Por isso esta carta não é um pedido. É um aviso. A negritude pernambucana está cansada de ser decoração em novembro e invisível em dezembro. Cansada de ser mão de obra sem ser liderança. Cansada de ser estatística sem ser estratégia. Cansada de ser lembrada apenas na cultura, no carnaval, nas tradições – como se nossa capacidade intelectual, política e administrativa não existisse.
Nós existimos. Nós pensamos. Nós governamos. Nós sabemos gerir. Nós sabemos decidir.
E queremos o que é nosso por direito: poder real, não representatividade simbólica. Que fique claro para qualquer governo de Pernambuco – atual ou futuro: enquanto a negritude não entrar nas salas onde as decisões são tomadas, o Estado continuará reproduzindo o mesmo racismo que diz combater.
E não importa o discurso. Onde não tem preto no poder, não tem política para preto. Onde não tem preto decidindo, não tem mudança. Onde não tem preto planejando, não tem ruptura – tem continuidade.
Nós, povo preto, não vamos mais aceitar ser plateia da nossa própria luta. Não vamos aceitar migalhas de inclusão. Não vamos aceitar portas entreabertas. Não vamos aceitar convites para foto enquanto os cargos que importam têm dono.
Pernambuco precisa de uma ruptura negra. Não de homenagem. Não de símbolo. De ruptura. De presença. De protagonismo. De comando. Porque a consciência negra não é memória – é futuro.
E o futuro de Pernambuco só será justo quando a negritude puder governar de verdade.
*Conselheiro de igualdade Racial do Recife
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