Por Áureo Cisneiros*
Por trás do distintivo, do colete e das viaturas que cruzam as madrugadas, existe um ser humano. Um homem ou uma mulher que sente medo, que tem família, que sofre com o cansaço e que, apesar de tudo, levanta todos os dias para proteger a sociedade. É esse rosto humano – muitas vezes esquecido – que carrega o peso de um sistema de segurança pública em crise.
Em Pernambuco, essa realidade é dolorosa. A Polícia Civil, responsável por investigar os crimes e levar justiça às famílias, enfrenta o abandono do Estado. Delegacias caindo aos pedaços, infiltrações, equipamentos quebrados, ausência de serviço de manutenção. Falta até água para beber. Em várias unidades, os próprios policiais fazem “vaquinhas” para comprar água e material de limpeza.
Leia maisÉ o retrato da precariedade de quem arrisca a vida diariamente e ainda precisa tirar do próprio bolso para manter o local de trabalho minimamente digno.
Atrás de cada plantão exaustivo, há um pai que quase não vê os filhos crescerem. Há uma mãe que chega em casa de madrugada e encontra os filhos dormindo. Há esposas e maridos que convivem com o medo diário de uma notícia trágica. Há lágrimas escondidas atrás de um sorriso cansado e de uma farda que carrega a esperança de um dia melhor. Esses homens e mulheres têm nome, rosto e histórias, mas muitas vezes são tratados apenas como números.
E tudo isso enquanto os profissionais recebem o pior salário do Brasil. É um absurdo que a base da segurança pública, que enfrenta o crime e investiga os homicídios, seja tratada com tanto descaso.
O governo anuncia investimentos milionários, mas nas delegacias a realidade é de abandono e improviso. São promessas que não chegam à ponta. Enquanto isso, mais de 94 mil inquéritos seguem sem investigação efetiva e cerca de 14 mil homicídios estão paralisados, deixando famílias sem respostas e a impunidade livre para crescer.
A situação é ainda mais grave quando se observa que cerca de 90% das delegacias de Pernambuco fecham à noite, nos finais de semana e feriados, incluindo oito Delegacias da Mulher que, por lei federal, deveriam funcionar 24 horas por dia.
Isso significa que mulheres vítimas de violência muitas vezes não têm onde buscar socorro no momento em que mais precisam. O discurso de proteção às mulheres não se sustenta quando as portas das delegacias estão fechadas. Na formatura dos novos policiais civis, realizada ontem, a governadora teve a oportunidade de reconhecer e valorizar a categoria. Mas, em nenhum momento, mencionou valorização salarial, reestruturação de carreira ou condições de trabalho.
O silêncio diante de quem protege o povo foi ensurdecedor e mostrou, mais uma vez, o abismo entre o discurso político e a realidade vivida nas delegacias. O discurso da governadora não se alinha com a realidade enfrentada pelos policiais civis. A Polícia Civil pede socorro. No discurso oficial, infelizmente, não se enxerga o policial como ser humano.
Além disso, o SINPOL-PE tem buscado o diálogo institucional. Foram enviados diversos ofícios ao Palácio solicitando audiência com a própria governadora, para tratar de propostas concretas de melhoria das investigações e da valorização dos profissionais. Até hoje, não recebemos resposta.
Um governo que se diz democrático tem o dever de ouvir, dialogar e respeitar os representantes classistas. Fechar as portas ao diálogo é fechar os olhos para a realidade.
E é impossível não lembrar: durante a campanha eleitoral de 2022, a então candidata foi até o SINPOL, nos ouviu e afirmou, com todas as palavras, que iria melhorar o ambiente de trabalho e valorizar os policiais civis.
Mais do que isso: assinou uma carta-compromisso com a categoria, se comprometendo publicamente a colocar a Polícia Civil de Pernambuco em outro patamar. Estamos até agora esperando, governadora, o cumprimento dessa promessa. O povo e os policiais civis merecem respeito — não propaganda.
Valorizar a Polícia Civil não é um capricho corporativo, é uma necessidade para o próprio funcionamento do Estado. Sem estrutura, sem carreira justa e sem respeito, não há segurança pública de verdade. É urgente que a governadora cumpra o que prometeu em campanha, que dialogue com a categoria e que enxergue que, por trás do distintivo, há seres humanos adoecidos, sobrecarregados e desvalorizados.
Por tudo isso, no dia 1º de dezembro, estamos decretando a “Operação Cumpra-se a Lei” e realizando, no dia 2 de dezembro, uma grande passeata. Não é apenas um ato de protesto – é um grito por dignidade e por respeito. Queremos, governadora, iniciar o diálogo para juntos reestruturarmos a polícia que investiga os crimes e desbarata as organizações criminosas. Estamos esperando, ansiosos, a abertura desse diálogo.
Ninguém aguenta mais tanta violência em Pernambuco. É preciso reestruturar e valorizar a Polícia Civil e os policiais civis. O povo pernambucano espera mais desse governo – espera que cumpra com as promessas feitas.
Por trás do distintivo há gente. Gente que protege, mas que também precisa ser protegida. Porque quando um policial é desvalorizado, quem perde é o povo.
*Presidente do SINPOL-PE e Defensor da Segurança Pública como Direito Fundamental
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