Do jornal O Globo
A família do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto pela ditadura militar, segue em busca de justiça 50 anos após sua morte e cobra a responsabilização dos envolvidos — um ato na Catedral da Sé, em São Paulo, para marcar a data ocorre neste sábado (25) a partir das 19h. Ninguém foi punido até hoje pelo crime, apesar do empenho de Clarice Herzog, mulher do jornalista, da identificação dos responsáveis pela Comissão Nacional da Verdade e do reconhecimento do Estado brasileiro de que agentes civis e militares mataram Herzog.
O Instituto Vladimir Herzog e outras entidades de defesa dos direitos humanos têm procurado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para destravar julgamentos na Corte que podem ajudar a responsabilizar os autores do crime. Em 2010, o tribunal já decidiu, por 7 votos a 2, que não cabe ao Judiciário rever a Lei da Anistia, mas ainda há ações pendentes que questionam a extensão do acordo.
Leia maisFilho do jornalista, Ivo Herzog defendeu esta semana que há uma mudança de contexto na Corte ao defender que o tema seja analisado novamente. “Agora pode ser diferente não só pela composição do STF, mas também pelo contexto. A sociedade foi trazida para esse debate, com a tentativa de golpe do 8 de Janeiro. Não são mais só os familiares que estão participando, e o Supremo responde um pouco a essa demanda e a essa pressão”, disse em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura.
O ministro Dias Toffoli é relator de um dos casos, de autoria do PSOL, de 2014, que questiona a aplicabilidade da anistia a graves violações de direitos humanos e que, segundo tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário, não seriam passíveis de anistia. O processo é considerado o mais abrangente sobre o tema e ganhou o status de repercussão geral, ou seja, o entendimento firmado pela Corte passaria a orientar todos os processos similares no Judiciário.
Gestos recentes alimentaram as esperanças das famílias dos vitimados de que a nova configuração da Corte seria mais receptiva aos apelos. Em fevereiro, em meio à repercussão do filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, sobre o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva, o STF concordou em dar repercussão geral a um recurso do Ministério Público que interpreta como crime permanente práticas da ditadura como a ocultação de cadáver, o que a tornaria punível para além do período abrangido pela anistia. A relatoria está com o ministro Flávio Dino.
Outros recursos do Ministério Público, distribuídos ao ministro Alexandre de Moraes, questionam a validade da anistia para os crimes de sequestro e cárcere privado. Os casos também serão julgados sob status de repercussão geral.
O ato deste sábado, organizado pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Comissão Arns, terá presença de parentes e amigos de “Vlado” e de outras vítimas, além de lideranças religiosas, artistas e do presidente em exercício, Geraldo Alckmin. Em outubro de 1975, cerca de oito mil pessoas estiveram no mesmo local para protestar contra a farsa de suicídio propagada pela ditadura.
Assassinato no DOI-Codi
Então diretor da TV Cultura e professor da USP, Herzog foi assassinado durante um interrogatório, após se apresentar voluntariamente na sede do DOI-Codi, em São Paulo, para depor sobre a sua relação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que à época operava na clandestinidade por imposição dos militares e defendia a redemocratização do país.
O Exército alegou que ele teria cometido suicídio em sua cela, o que se provou falso. Com auxílio da polícia científica, os agentes anexaram ao laudo do Instituto Médico Legal (IML) uma foto que se tornou um marco para representar os abusos cometidos pelo regime: Herzog aparecia com o pescoço envolto com uma cinta de pano, com os joelhos dobrados e os pés tocando o chão, cena em que seria impossível o suicídio.
Em 1978, Clarice Herzog conseguiu o reconhecimento da culpa do Estado em uma sentença histórica. No ano seguinte, porém, o Congresso aprovou a Lei da Anistia. O texto tinha como objetivo permitir que exilados retornassem ao Brasil e que opositores da ditadura fossem libertados, mas acabou modificado de modo a atender também a torturadores e militares golpistas.
“A ideia de se ter uma sentença é muito importante, mesmo que essas pessoas não vão para a cadeia”, afirma Camilo Vannuchi, primo de segundo grau e biógrafo do estudante de geologia da USP Alexandre Vannucchi Leme, morto pela ditadura em 1973. “Viver mais de 50 anos num cenário em que ninguém que matou sob tortura foi sentenciado e condenado no Brasil equivale a um salvo-conduto”, conclui.
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