Por Lerim Macedo*
A memória de Rui Barbosa é tão forte e presente que, após cem anos de sua morte, diversas áreas do conhecimento ainda discutem e estudam as ideias e contribuições na política, no direito, na literatura e na história do Brasil.
Além de sua atuação na diplomacia, Rui Barbosa foi um político de destaque. Foi deputado e senador pela Bahia, ministro das finanças e por duas vezes candidato à presidência do Brasil. Ele foi um jurista respeitado e um dos principais redatores da Constituição de 1891, dando um papel primordial ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, ele foi membro fundador e presidente da Academia Brasileira de Letras de 1908 a 1919.
Leia maisNa última sexta-feira tive o prazer de ouvir, no Instituto Rio Branco, uma palestra comemorativa ao centenário de morte de Rui Barbosa proferida pelo embaixador Carlos Henrique Cardim, autor do livro “A Raiz das Coisas: O Brasil no Mundo”.
Segundo o próprio autor, esse título faz referência à necessidade de se compreender o passado para entender o presente e construir o futuro. E nesse contexto, Rui Barbosa é uma figura essencial para entender a história do nosso país e seu lugar no mundo. Durante sua palestra, Cardim destacou o pensamento profundo de Rui, que foi um homem que pensou o Brasil de forma integral, indo além das questões imediatas buscando as raízes dos problemas e propondo soluções concretas e duradouras.
Em 1907, quando o czar da Rússia convocou a Segunda Conferência de Paz em Haia, o ministro Barão do Rio Branco, das Relações Exteriores, inicialmente escolheu Joaquim Nabuco para liderar a delegação brasileira. No entanto, a imprensa e a opinião pública pressionaram para que Rui Barbosa assumisse a função. Nabuco recusou o lugar e dispôs-se a ajudar o trabalho de Rui com informações de toda a espécie. Embora tenha relutado, Rui acabou aceitando o convite após 48 dias. A Conferência contou com a presença de 48 nações.
Durante a Conferência de Paz em Haia, Rui Barbosa tornou-se uma figura-chave, apesar de, no início, ter recebido pouca atenção. Ele mostrou sua competência ao se posicionar de modo firme em dois momentos importantes. No primeiro, durante uma discussão sobre a transformação de navios mercantes em vasos de guerra, ele proferiu um discurso incisivo. Quando o delegado russo Martens garantiu que a política não era da alçada da Conferência, Rui interpretou a afirmação como uma censura. Reagiu imediatamente e afirmou: “Isto aqui é política sim, e de política eu entendo até porque sou o vice-presidente do Senado brasileiro”.
Seu discurso causou grande comoção na assembleia e foi considerado uma das peças oratórias mais notáveis do evento, revelando sua habilidade política e defesa dos princípios democráticos para a ordem internacional.
O segundo momento foi quando se discutiu a criação de um tribunal arbitral permanente, e mais uma vez Rui exibiu sua habilidade diplomática ao se posicionar a favor dessa iniciativa, que visava a solução de conflitos entre as nações.
A parceria entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa foi fundamental para o destaque do Brasil na Conferência de Paz, conforme afirmou Cardim em sua palestra. Embora o representante brasileiro em Haia tenha cumprido as ordens do chanceler, a atuação de Rui Barbosa foi crucial para a defesa dos ideais democráticos que ele sempre defendeu.
A figura de Rui Barbosa se entrelaça junto a nomes como Joaquim Nabuco, Machado de Assis e Rio Branco. Ele foi um líder de sua época, que se preocupava com a imagem negativa do Brasil no exterior devido à escravidão que vigorou até 1888. Tinha uma visão otimista de que a eliminação dessa instituição levaria o país a um grande futuro, uma visão compartilhada por Joaquim Nabuco e por Gilberto Freyre.
Conhecido por sua defesa fervorosa da democracia, ele liderou a Campanha Civilista, que buscava a eleição direta para a presidência da República. Foi candidato à Presidência da República, na chamada “campanha civilista”, contra o militar Hermes da Fonseca em 1910. O país se dividiu: Bahia, São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro e parte de Minas Gerais apoiaram o candidato Rui Barbosa; os demais estados, a candidatura de Hermes, que tinha Venceslau Brás como seu vice. Fonseca e Brás venceram com 403.867 votos contra 222.822, dados a Rui Barbosa.
Rui, que não obteve em vida as vitórias desejadas na política interna, encontrou na política internacional sua grande conquista ao defender as ideias democráticas em Haia, proclamando a igualdade das nações.
A palestra comemorativa ao centenário de morte de Rui Barbosa, proferida por Carlos Henrique Cardim, foi uma excelente oportunidade para refletir sobre a vida e obra desse grande brasileiro. Durante o evento, Cardim compartilhou curiosidades a respeito da vida e personalidade de Rui Barbosa, como o fato de que ele não revisava seus textos e sua lixeira estava sempre vazia. Diferente de quem fazia revisões do seu próprio trabalho. Esse hábito revela muito sobre a personalidade de Rui, que era uma pessoa extremamente ocupada e comprometida com suas múltiplas atividades.
As homenagens a Rui foram prestadas em diversas localidades ao longo do tempo, em praças, ruas, avenidas, monumentos, universidades e escolas que levam o seu nome.
Em reconhecimento à sua importância, o Senado decidiu colocar, em 1997, um busto de Rui Barbosa no plenário, à frente dos senadores, servindo como guia para os trabalhos em plenário.
Infelizmente, durante as depredações das instalações do Supremo em 8 de janeiro deste ano, o busto do Patrono dos Advogados Brasileiros sofreu danos. Após ser reposto em um novo pedestal, a ministra Rosa Weber afirmou que o dano permanecerá, como uma cicatriz estampada no bronze. Como que a lembrar às gerações presentes e futuras que até mesmo os ícones da Nação não estão imunes às ações irresponsáveis de alguns.
O legado deixado por Rui Barbosa deve inspirar hoje e sempre a nossa sociedade, os nossos políticos e diplomatas. Sua atuação na defesa dos direitos civis e da democracia, tanto na política interna quanto na política internacional, é uma referência para todos aqueles que buscam construir uma sociedade mais justa e livre.
*Historiador em Brasília
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