Na crônica de ontem, falei do meu amor por Brasília, cidade que me recebeu de braços abertos, me adotou e teve forte influência na minha carreira profissional. Jornalista político não pode prescindir de coberturas nacionais tendo como cenário a capital da República, mas nenhum coleguinha tenha a ilusão de, ao optar por Brasília, passe de imediato a cobrir o Congresso ou o Palácio do Planalto.
Há um estágio para ser inserido no mundo nacional da política. Primeiro, tem que conhecer os meandros da cidade, como repórter. No Correio Braziliense, primeiro jornal que atuei depois de uma curta temporada no Amazonas como free pelo O Globo, fiz de tudo, inclusive ronda policial, nos plantões de fim de semana.
Leia maisO editor de Polícia era uma celebridade: Mário Eugênio, que desafiava a mafiosa estrutura de poder da segurança pública do GDF com matérias investigativas sobre o envolvimento de gente poderosa com a bandidagem e com um programa matinal na Rádio Planalto, dos Diários Associados, com o sugestivo nome de “Gogó das Sete”.
Mário Eugênio era uma espécie de Gino César na radiofonia policial. Gino era um radialista da JC, no Recife, que narrava os fatos policiais num quadro chamado Bandeira 2. Só que diferente de Gino, Mário Eugênio dava nome aos bois, enfrentava PMs e policiais civis e acabou sendo executado com 11 tiros, em frente a Rádio Planalto, num domingo à noite, após gravar o seu programa.
O Correio apurou tudo. Mário foi assassinado a mando do então secretário de Segurança do GDF, Lauro Riech. Meu aprendizado de repórter policial com ele foi fantástico e foi na porrada, nos esporros, aos gritos. Mário gostava de manchetes que vendessem jornal, notícias, na verdade, que manchassem o Correio de sangue.
Eu saía para a ronda com a missão de trazer uma manchete para ele. Passava por todas as delegacias das chamadas cidades satélites de Brasília. Naquela época, meados dos anos 80, o epicentro do crime era o Gama. Da sexta para o sábado, era impossível não haver um crime bárbaro por lá.
Aos sábados, o jornal fechava mais cedo, por volta das 15 horas, e Marão, como assim era tratado meu chefe e editor, ficava esperando o resultado da minha colheita na redação. Impaciente, me esperava com uma grande ansiedade na redação, com a página aberta, para editar os crimes que eu trazia como resultado da ronda. Ele me botou o apelido de Rapadura, porque eu havia chegado do Nordeste.
Esbaforido, após uma ronda de, no mínimo, quatro horas, eu adentrava na redação na companhia de um colega fotógrafo de incursão ao mundo do crime, e mal botava os pés na porta, Mário Eugênio gritava: “Rapadura, quantos presuntos?”
Presunto, termo pesado, que me chocava, era a gíria da sua cartilha para as vítimas do crime, o insumo e ingrediente das manchetes. A depender da quantidade, Marão sabia vender jornal como ninguém.
Mas quando a ronda nada rendia, eu levava aquele esporro do Marão.
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