Por Martha Imenes
Do Correio da Manhã
A suspensão dos Acordos de Cooperação Técnica (ACT) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com entidades no âmbito da Operação Sem Desconto trouxe à tona faces distintas de uma mesma realidade: o nivelamento de associações que prestavam serviços aos aposentados, inclusive de saúde e jurídico, com entidades de fachada, levando ao desamparo de aposentados e ao colapso financeiro dessas empresas, gerando como consequência a demissão de funcionários.
Com repasse de descontos suspensos, contas bancárias bloqueadas, várias unidades de atendimento estão fechando as portas, e contratos com médicos, fisioterapeutas, advogados e outros prestadores de serviço a aposentados e pensionistas, foram encerrados.
Uma das entidades às quais o Correio da Manhã teve acesso, com oferta de serviços e atividades em todo o país, teve que demitir 1,1 mil de um total de 1,6 mil funcionários. E mais demissões devem ocorrer. Grandes ou pequenas, associações que reconhecidamente prestavam serviços aos aposentados, estão “pagando o preço” por conta de entidades de fachada.
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Exclusão de ação cautelar
Quatro entidades citadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) em abril e investigadas pela Polícia Federal (PF) foram retiradas da ação cautelar protocolada pela Advocacia-Geral da União (AGU) em maio por não figurarem no que a AGU chama de “núcleo do esquema de fraudes” em descontos associativos. E, mesmo assim, continuam sem repasse de mensalidades associativas e algumas com as contas bloqueadas, o que dificulta a manutenção dos serviços e de funcionários.
Na primeira lista divulgada pela CGU em abril figuravam 11 entidades: AAPB, Aapen, AAPPS Universo, ABCB, Apdap Prev, Ambec, CAAP, Conafer, Contag, Sindnapi e Unaspub. No entanto, após levantamento minucioso realizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a AGU refez a relação de entidades. Ficaram de fora da ação cautelar de urgência protocolada pelo órgão: ABCB/Amar Brasil, Conafer, Contag e Sindnapi.
O recorte, agora com 12 entidades, foi divulgado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, no início de maio. De acordo com ele, o levantamento considerou a existência de “fortes indícios de terem sido criadas com o único propósito de praticar a fraude (entidade de fachada), com sua constituição utilizando ‘laranjas’ (art. 5º, III, da LAC)”. Com base nesse levantamento outras cinco associações foram incluídas na ação cautelar: Asbrapi, Asabasp, Ap Brasil, CBPA e Cebap.
Margem consignável
Um ponto destacado por Yedda Gaspar, presidente da Federação das Associações de Aposentados do Estado do Rio de Janeiro (Faaperj) é a retomada de assédio de instituições financeiras sobre aposentados com a oferta de empréstimo consignado.
Com o fim da mensalidade no contracheque, a margem consignável do beneficiário naturalmente é recomposta, explica Yeda, e isso fez aumentar a busca de instituições para fazer o consignado.
“O endividamento dos idosos já é alto, muitos nem têm recursos suficientes para se manter porque estão com empréstimos descontados direto no contracheque. Com esse aumento de margem, vão se endividar ainda mais”, explica.
“Há mais de 50 anos prestamos serviços aos aposentados e pensionistas, principalmente nas áreas médica, odontológica e fisioterapêutica. Com o nivelamento por baixo de todas as entidades sérias com as criadas exclusivamente para extorquir aposentados, muitas pessoas estão ficando sem atendimento”, lamenta.
Conforme a federação, com o fim do repasse de mensalidades não é possível pagar instalações, funcionários e manter as contas para manutenção dos espaços, o que tem levado ao fechamento de unidades e demissão de funcionários.
Demissões
Sob anonimato, o dirigente de uma entidade que o Correio da Manhã teve acesso lamenta a demissão de 1.150 funcionários e a parada de serviços prestados em todo país: “São pais e mães de família sem emprego por causa da ganância de pessoas inescrupulosas”, diz.
Ele explica que o INSS já havia feito contato com a federação para que fossem apresentadas as fichas cadastrais de filiados. E que a autarquia já havia exigido a implantação de biometria para liberação de novas filiações. Segundo ele, as exigências foram cumpridas ainda em 2024.
E acrescenta: “O grande problema que vejo nessa situação é a paralisação de serviços prestados aos aposentados e pensionistas e populações vulneráveis porque colocaram em um mesmo contexto entidades que fazem um trabalho sério e aproveitadores”.
Previdência pública
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), por exemplo, é composta por 27 federações estaduais e 4 mil sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Na sua base, atualmente, existem 15 milhões de trabalhadores rurais.
“O sistema Contag não é associação que tem acordo com o INSS para vender serviços. Somos um sistema sindical com registro público e exercemos tarefa pública relevante. Inclusive, temos um acordo firmado do INSS Digital para executar tarefas do Instituto por conta da nossa capilaridade e reconhecimento dos nossos associados e associadas ao longo de mais de 60 anos de atuação”, explica a confederação.
De acordo com a Contag, os sindicatos de trabalhadores rurais atuam nos municípios que compõem o sistema coordenado pela confederação. Ou seja, 1/3 de todos os sindicatos no país (12 mil). “Essa rede interiorizada nos municípios brasileiros é responsável por orientar e organizar o trabalhador da categoria para acessar as principais políticas públicas existentes”, acrescenta.
“Previdência pública só chega no público rural nos pequenos municípios pela ação de nossos sindicatos, e isso tudo vai parar diante da atual situação”, pontua.
E finaliza: “Com todo esse cenário de impacto no trabalho dos sindicatos, esses serviços fundamentais para os trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares irão parar”.
Sem repasse
Com 25 anos de história, 21 sedes próprias e 80 subsedes, o Sindicato Nacional de Pensionistas e Idosos (Sindnapi) teve que fechar 30 subsedes e desativar duas colônias de férias no litoral paulista, suspender uma apólice de seguros que garantia assistência e auxílio funeral para os associados. “Mesmo quando o filiado pagava as despesas do funeral, o sindicato fazia o reembolso”.
Demissões também ocorreram na entidade, que não recebeu a visita da Polícia Federal em nenhuma de suas sedes e subsedes, não teve contas bloqueadas e não está listada como entidade de fachada. Segundo uma fonte, por ser uma entidade de verdade o sindicato sobrevivia das mensalidades, suspensas na Operação Sem Desconto, e agora sem o repasse a manutenção dos serviços está comprometida.
“Colocaram todos no mesmo balaio de gatos e fizeram com que todos fossem tratados como bandidos”, lamenta.
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