Por Adriano Lucena*
O ato de ir e vir é um direito humano fundamental e está garantido na Constituição Federal de 1988. Também está presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas exercer este direito no trânsito do Recife é uma missão árdua. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do IBGE, confirma que, de 2001 a 2015, o tempo de deslocamento casa-trabalho nas regiões metropolitanas aumentou, em média, de 36 para 41 minutos. Na capital pernambucana, passou de 31 para 38 minutos.
Quando o deslocamento é feito com transporte público, os números pioram. O levantamento Mobilidade Urbana no Brasil, feito pela Confederação Nacional das Indústrias, em 2022, comprova que, no Recife e região, o percurso casa-trabalho, leva, em média, uma hora e dois minutos, percorrendo uma distância média de 8,8 quilômetros, ocupando a terceira posição no ranking nacional, atrás de São Paulo e Rio de Janeiro.
Leia maisA imobilidade no trânsito vem empurrando os usuários para os aplicativos de deslocamentos, principalmente com motos. E isso provoca um problema ainda mais grave: a insegurança no trânsito e a escalada no número de acidentes. Dados do Comitê Municipal de Redução de Acidentes de Trânsito (Compat), indicam que, em média, o aumento de mortes no trânsito foi de 41% entre 2022 e 2023. Os motociclistas representam 45% do total de mortos. E, conforme o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), 74% das ocorrências de acidentes de trânsito com vítimas registradas são com motociclistas.
Um cenário que tem um impacto grande nos custos da saúde pública. Boletim Epidemiológico, lançado no ano passado pelo Ministério da Saúde, constatou que, em 2011, a taxa de internação de motociclistas foi de 3,9 e pulou para 6,1 por 10 mil habitantes em 2021, causando um custo de R$ 167 milhões, apenas em 2021.
O panorama traçado mostra o tamanho do desafio que temos pela frente. Um problema que precisa ser resolvido a muitas mãos. E como a Engenharia pode contribuir para uma boa mobilidade urbana? Podemos colaborar significativamente para a melhoria da mobilidade urbana de várias maneiras, através das nossas diversas áreas de atuação. Desde a Engenharia de Tráfego, com planejamento viário, a sistemas de transportes inteligentes, com espaço para a sustentabilidade e aposta na mobilidade ativa.
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco vem abrindo várias frentes para buscar uma mobilidade compatível com o desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife. A exemplo da formação do Fórum Permanente pela Mobilidade e Defesa do Metrô, onde o Crea Pernambuco vem participando ativamente de discussões e apresentação de propostas de recuperação do metrô, um modal de extrema importância para a locomoção da sociedade.
Nesta discussão, um ponto importante não pode ser deixado de lado: o aspecto ambiental. Os congestionamentos têm um impacto direto no ar que respiramos, vide a emissão de gases com a queima de combustíveis fósseis. Faz-se urgente o estímulo do uso da energia limpa, a exemplo da adoção de veículos elétricos, uma tendência em ascensão no mundo. O relatório “Perspectivas Globais para Veículos Elétricos”, da Agência Internacional de Energia, aponta um crescimento na compra destes veículos neste ano, reforçando a tendência de alta de 2023, que registrou um aumento recorde nas vendas globais de carros elétricos no ano passado e bateram os 14 milhões de unidades (subindo 35% em relação ao ano anterior).
Um outro viés relevante é o investimento prioritário na mobilidade ativa. Mas não basta incentivar os deslocamentos a pé ou por bicicleta sem dar segurança e condições adequadas para esta opção de transporte. A existência de ciclofaixas por si só não é suficiente quando não há uma integração com as vias de trânsito da cidade, com base numa logística viável. Sem falar em calçadas seguras, acessíveis e livres para a circulação dos pedestres.
É importante entender que a mobilidade é uma responsabilidade do poder público, mas exige a participação direta da sociedade. Somos, ou deveríamos ser, todos usuários do Sistema de Transporte Público. As melhorias só virão com a cobrança de um serviço de melhor qualidade. Um caminho, apontado pelo Instituto MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte), é o Sistema Único de Mobilidade Urbana (SUM). A implantação do sistema é baseada na importância da mobilidade urbana para o desenvolvimento econômico e social das cidades e do País. Ela prevê uma política pública para garantir o direito a uma mobilidade urbana sustentável, acessível e de qualidade para todos.
O SUM será apresentado aqui no Recife, na próxima terça-feira (24), no Seminário “Desafios da Mobilidade e do Transporte Público da RMR”, realizado pelo Crea Pernambuco, dentro das iniciativas do Conselho em contribuir para a mobilidade urbana de qualidade no Grande Recife. Convido todos e todas a participarem deste importante evento, que está sendo coordenado pelo Comitê Tecnológico Permanente (CTP) do Crea-PE. O debate acontece das 14h às 18h, no Auditório Sérgio Guerra da Assembleia Legislativa. É aberto ao público e o objetivo é reunir propostas técnicas de qualidade e, principalmente, viáveis para tirar a Região Metropolitana do Recife do topo de rankings de pesquisas de cidades com maiores congestionamentos no País. É importante contar com a contribuição dos profissionais da Engenharia e dos atores das entidades ligadas diretamente ao tema.
O evento acontece dentro da Semana Nacional do Trânsito, fortalecendo o compromisso do Crea Pernambuco com a segurança da sociedade. Celebrada entre 18 e 25 de setembro, a Semana é mais uma oportunidade para discutirmos as ações necessárias para um trânsito seguro. Num mundo globalizado, que interliga transações econômicas, informações, fatos políticos, culturais, a própria sociedade na velocidade da luz, é preciso garantir a agilidade no ir e vir. Equalizar a rapidez do desenvolvimento com os deslocamentos físicos. A Engenharia é capaz de construir soluções para viabilizar esta agilidade. Vamos buscar agora tirar as propostas do papel, com a participação da esfera da administração pública, privada e da própria sociedade.
*Adriano Lucena, engenheiro civil e presidente do Crea-PE. Texto publicado originalmente no Jornal do Commercio
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