A guerra é ideológica
Na volta ao poder, depois da deprimente e dramática experiência na prisão, consequência da operação Lava Jato, o presidente Lula (PT) não teve a mesma sorte das duas passagens anteriores pelo Palácio do Planalto. Na derrota imposta a Bolsonaro, em 2022, o único chefe de Nação no Brasil não reeleito, Lula encontrou um Congresso ultraconservador, com viés bolsonarista, especialmente a Casa Alta, o Senado, recheado de senadores do PL, a maior bancada.
Na política internacional, também se deu mal. Torceu pela candidata Kamala Harris, do Partido Democrata, da sua mesma linhagem de esquerda. Foi eleito o conservador Donald Trump, do Partido Republicano, a quem o petista chamou de fascista ao longo da campanha. Lula nunca se preocupou em abrir uma interlocução com o novo presidente americano. Em seis meses de governo, Trump adotou uma postura vingativa, de perseguição ao presidente brasileiro.Agravada, neste momento, com o tarifaço de 50% aos produtos brasileiros no comércio bilateral com os Estados Unidos.
Leia maisO que se assiste, por trás desta guerra econômica, é uma guerra ideológica, de um governo de esquerda, o do Brasil, contra o um governo de direita, o dos EUA. Na sua beligerância ideológica, Trump não persegue apenas Lula. Quem for de esquerda, ganha a ira implacável do chefe de Estado mais poderoso do mundo.
Assim, Trump ampliou a ofensiva aos países da América Latina, numa tentativa de frear a aproximação da região com a China. O secretário de Estado americano, Marco Rubio, que cuida da diplomacia, é um radical de direita igual ao chefe. Abriu, há pouco, um processo judicial contra o ex-presidente colombiano, Álvaro Uribe – de direita – condenado por suborno e fraude.
Rubio acusou magistrados, que chamou de “radicais” , de usar o Judiciário como uma arma política, afirmando que a decisão abre um precedente preocupante, postura parecida à feita por Donald Trump ao Supremo brasileiro, responsável por julgar a ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Orientado por Trump, Rubio também fez críticas ao vizinho da Colômbia, a Venezuela. Numa publicação oficial da chancelaria americana, disse que Nicolás Maduro não é o presidente legítimo do País e acusou o socialista de ser integrante de um cartel que atua na exportação de cocaína aos Estados Unidos e à Europa.
A agência americana de repressão a drogas ofereceu US$ 25 milhões a quem contribuir com informações que levem à prisão de Maduro. A tensão entre os líderes da América Latina e a Casa Branca tem como pano de fundo o avanço da presença chinesa na região. Sob Donald Trump, Washington tem pressionado os parceiros regionais a abandonar projetos estratégicos com Pequim. Inclusive com ameaças militares, como no caso do canal do Panamá.
IMPERADOR DO MUNDO – A deterioração das relações entre Brasil e Estados Unidos entrou num patamar mais preocupante após o governo de Donald Trump abrir uma investigação contra o que chama de práticas comerciais desleais brasileiras. A isso, soma-se a posição de Trump de defender o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e acusar a Justiça brasileira de perseguir o ex-presidente, alvo de uma operação da Polícia Federal. Em reação a Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem defendendo a “soberania” das instituições brasileiras. Em recente entrevista à imprensa americana, o brasileiro disse que Trump quer ser o “imperador do mundo”.

Haddad na linha de frente – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sido duro nas suas críticas à doutrina trumpista. Para ele, a postura americana radical de direita afasta ainda mais os aliados de Washington. “Eu fui designado pelo presidente Lula, durante os dois anos do governo Biden, durante os dois últimos anos, para estreitar as relações com os EUA. Eu tive inúmeras conversas com a secretária (do Tesouro Janet) Yellen, buscando parcerias com os EUA, sob alegação de que eles estavam perdendo terreno na América do Sul”, lembrou Haddad.
Fruticultura sofre nocaute – Diferente do café e da laranja, além de mais de 600 outros produtos, as mangas e uvas produzidas no Vale do São Francisco não escaparam do tarifaço de 50% imposta pelos Estados Unidos. A medida atinge em cheio as exportações no polo de fruticultura do Estado, gerando prejuízos milionários à região, que vive essencialmente do agronegócio. As embalagens, que já deveriam estar cheias, seguem vazias. Máquinas paradas e trabalhadores com pouca atividade. Trabalhando há sete anos na mesma fazenda, Jaciene da Silva teme ser demitida. “Estou um pouco preocupada porque eu dependo, né? Eu fico preocupada porque se a empresa não tem como se manter, então eu vou ter que sair, né?”, disse.
Desemprego vai bater recorde – No São Francisco, as fazendas estão com a produção no ponto certo para exportar. No entanto, com a indefinição, as contratações temporárias ainda não começaram. Só uma propriedade costuma contratar 700 pessoas por safra. Se nada mudar, esse número será bem menor. O Vale do São Francisco produz 1,25 milhão de toneladas de manga por ano. Destas, 253 mil toneladas são exportadas, gerando US$ 348 milhões. Só para os EUA são 50 mil toneladas. Com a nova tarifa, a previsão é de queda de até 70% no volume exportado. “A previsão era enviar 48 mil toneladas. Com a tarifa, isso pode cair para 13 mil. A maior parte vai para o mercado americano, que consome a variedade Tommy Atkins. A Europa não absorve esse tipo e o mercado interno não tem capacidade para tanto volume”, explica Tássio Lustosa, gerente da Valexport.

Raquel busca saída em Brasília – A governadora Raquel Lyra (PSD) disse, ontem, que vai tratar da dramática situação dos produtores de manga do São Francisco em Brasília na próxima terça-feira, na reunião dos governadores do Nordeste com o presidente Lula. “Estamos fortalecendo muito a conexão com o mercado europeu e abrindo novos mercados, como já vem acontecendo com a China”, completou. Além da fruticultura e do açúcar, a pauta de exportação pernambucana inclui pescados e carnes, que são afetados pela sobretaxa.
CURTAS
CULPADOS – Pesquisa PoderData feita de 26 a 28 de julho de 2025 mostra que 46% dos eleitores afirmam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sua família são os responsáveis pelas tarifas impostas pelo presidente dos EUA, Donald Trump (Partido Republicano), sobre os produtos brasileiros. Os percentuais estão entre os 74% de eleitores que disseram saber das novas taxas. Nesse grupo, 32% atribuem a responsabilidade pela sobretaxa ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
EUA NA FRENTE – A maioria dos brasileiros (59%) diz preferir que o Brasil seja mais próximo comercialmente dos EUA do que da China. O dado é da pesquisa PoderData, feita de 26 a 28 de julho de 2025. O levantamento perguntou aos entrevistados com qual país eles achavam que o Brasil deveria ter mais relações comerciais: EUA ou China. Só 32% defenderam que o país priorize as trocas com o país asiático. Outros 9% não souberam responder.
PREPARAÇÃO – O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou, ontem, que “se depender de Lula, o diálogo é para ontem”. A fala, dada durante participação no programa Mais Você, na TV Globo, é uma referência às tarifas de 50% impostas pelo presidente dos EUA, Donald Trump (Partido Republicano), aos produtos brasileiros. Apesar da abertura para uma interlocução, o ministro ressaltou que uma conversa direta entre os dois líderes depende de “preparação”.
Perguntar não ofende: Por que a manga do São Francisco não entrou na lista dos produtos brasileiros que escaparam do tarifaço americano de 50%?
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