Por Antônio Campos*
A dívida pública do Brasil continua sendo a grande âncora fiscal, cuja roda sempre gira a favor dos banqueiros credores e quem paga a conta é o cidadão contribuinte ou não. Quando o Brasil capta recursos de forma primária paga mais barato, mas quando rola a dívida, paga bem mais caro.
A dívida bruta do Brasil ultrapassou de R$ 9 trilhões pela 1ª vez na história em outubro. Somou R$ 9,032 trilhões no mês, com alta de 1,16% em relação a setembro e de 14,13% ante outubro de 2023. O BC (Banco Central) divulgou o relatório “Estatísticas Fiscais” nesta sexta-feira (29). Ora, e o Brasil continua sem enxergar esse assunto de tamanha relevância para o destino desse país?
Leia maisO recente Pacote Fiscal do Governo Federal tem diversas iniciativas, mas nenhuma de enfrentar de forma inteligente e técnica a dívida pública, inclusive com o auxílio do Tribunal de Contas da União, cujo corpo técnico entende muito dessa dívida, tendo alguns débitos que podem ser rolados ou resolvidos de forma a que a dívida comprima menos o orçamento.
É salutar a preocupação do Ministro Bruno Dantas com a questão da sustentabilidade ambiental, mas sugiro que a maior contribuição que o TCU pode fazer, nesse momento, para o Brasil, é fazer um estudo da dívida com sugestões ao Governo Federal, inclusive para sobrar recursos para se gastar com o meio ambiente. Houve, em passado recente, uma iniciativa de uma auditoria da dívida, pela então Ministra Ana Arraes, hoje aposentada. Não se trata de calote, mas de uma reestruturação inteligente dessa grande dívida interna, que contraímos e que não interessa a muitos setores visibilidade nessa discussão central.
Esta discussão está no núcleo da questão nacional, sendo a questão da previdência e o seu déficit parte desse contexto. A sociedade brasileira tem o direito de conhecer sua dívida pública, o que não se confunde com calote. Contudo, é um assunto incômodo para o sistema financeiro.
No dia 9 de agosto de 2017, foi publicado o veto do Presidente Michel Temer à realização de auditoria da dívida pública com participação de entidades da sociedade civil, que havia sido aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2018, por meio de emenda do Deputado Cesar Halum (PRB/TO) e destaque do Deputado Alan Rick (PRB/AC). Foi um retrocesso do Governo Temer.
Defendemos uma auditoria da dívida pública para melhor entendê-la e reestruturá-la, evitando seu ciclo vicioso, suas armadilhas e não o calote. Sabemos que os juros elevados sob a alegação que controlam a inflação aumentam essa dívida e engordam os bancos, que financiam a rolagem. A dívida pública tem sido um instrumento descarado de transferência de recursos públicos para o setor financeiro.
O livro Juros, Moeda e Ortodoxia de André Lara Resende é uma importante leitura sobre o tema juros e a inflação.
Portugal, Irlanda, França, Grécia e Equador fizeram auditorias de suas dívidas. O trabalho do Equador foi bastante exitoso. A auditoria da dívida tem previsão constitucional no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. A Ordem dos Advogados do Brasil, em 2004, ingressou no Supremo Federal com ação (ADPF 59) destinada a obrigar o Congresso Nacional a instalar Comissão para realizar auditoria da dívida externa. Qual o resultado? O Colendo STF não considerou o art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 da como preceito fundamental a viabilizar ADPF. Com a devida venia, a questão da dívida brasileira, numa interpretação sistemática da Constituição da República, é mais que fundamental, é uma questão urgente a ser vista e ser colocada na pauta nacional política e jurídica, num país de juros estratosféricos e de banqueiros que se alimentam dessa dívida, preferindo emprestar ao Governo do que financiar o desenvolvimento do país. Subiu a Selic, banqueiro sorrir.
Existe uma iniciativa que envolve diversas entidades que lutam por essa auditoria, cujas atividades podem ser visualizadas e conhecidas no site www.auditoriacidada.org.br.
Houve uma CPI no Congresso Nacional, em 2010, com voto em separado (relatório alternativo), do deputado Ivan Valente (PSOL/SP), apoiado por mais 7 membros da CPI e pelas entidades da Auditoria Cidadã da Dívida com votos em separados de um conjunto de Deputados.
Os 203 milhões de brasileiros são reféns e pagam essa dívida com menos educação, menos saúde, menos segurança, menos investimentos e menos empregos.
A dívida pública é, de longe, o maior gasto do governo, consumindo quase R$ 1 trilhão por ano do orçamento público, sendo metade apenas para pagamento de juros. Outro dado alarmante é que a dívida pública representa quase 50% do orçamento federal.
O princípio da transparência e o direito de acesso à informação, cuja Lei de Acesso à Informação completa 5 anos esse ano, garantem esse direito de termos uma auditoria da dívida pública.
Precisamos envolver a sociedade nas discussões e na necessidade dessa auditoria da dívida, no sentido de desarmar essa bomba relógio, sem alarmes ou ideologismo. Consultar o TCU.
Precisamos enfrentar esse tema com firmeza e serenidade, senão seremos eternamente condenados a ser um país do terceiro mundo, com uma crise econômica e social continuada por longo tempo, com uma âncora fiscal eterna, que pacotes fiscais não passam de aspirina para paciente gravemente enfermo, com graves impactos na saúde, na educação e nosso desenvolvimento.
*Advogado, escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras
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