Desde o primeiro dia em que conheci minha Nayla Valença – e já se vão quase três anos – o nome de Quitéria Lira, ou simplesmente Mãe Quitéria, como assim tratava sua neta, passou a fazer parte das nossas conversas com muita frequência. E a cada citação da avó, uma sertaneja de mãos calejadas vinda das barrancas do Sertão do Moxotó, empoderada, que venceu todos os medos, algo me chamava atenção.
Vinha, quase sempre, acompanhada por um ditado popular. Ditados populares são frases ou expressões sábias, passadas de geração para geração. Transmitem experiências, conhecimentos que ajudam os mais novos a entenderem determinados comportamentos e acontecimentos.
Leia maisMãe de Ivete Lira, mãe de Nayla, a sábia Quitéria deixou muitas lições para sua neta-filha. Provavelmente, tenha morrido, beirando os 80 anos, sem nunca ter a exata noção de como seus puxões de orelhas, repletos de ditados, construíram a base do alicerce sólido, moral e cultural da personalidade da neta, que os usa agora, frequentemente, na educação das suas duas Marias – Beatriz e Heloísa, bisnetas do coração dela.
Quando pessoas de classe social baixa saiam prejudicadas em determinado assunto, Mãe Quitéria sapecava sua sabedoria: “A corda sempre arrebenta do lado do mais fraco”. Quando algumas pessoas a ameaçavam ou alguém próxima a ela, dizia: “Cão que ladra, não morde”. Aos que não impunham respeito por passado tenebroso, dizia “Quem tem rabo de palha, não toca fogo no dos outros”.

Quando via alguém da sua família ou amigo se humilhar, lá vinha com outro ensinamento em tom de admoestação: “Quem muito se abaixa, o fundo aparece”. Economista, quando servia o jantar, deixava apenas uma luz da casa acesa. E aos que vinham a reclamar, saia com essa: “Pronto! E vai errar a boca, é”? Outro que usava também com muita frequência: “Mente vazia, oficina do diabo”. Isso quando alguém não tem atividades, o tempo ocioso toma conta da sua mente, motivando a ter pensamentos negativos.
Essas e outras lições de vida, que também ouvi dos meus pais em Afogados da Ingazeira, serviram de referência para mim, mas não de forma tão acentuada quanto observo em Nayla. De vez em quando a própria Nayla, quando tento contrariá-la, vai me ensinando as lições de Mãe Quitéria.
Que, segundo ela, usava também “Saco vazio não pára em pé”. Uma forma de dizer, sutilmente, que devemos nos alimentar, porque, caso contrário, não teremos forças e podemos sentir-nos mal a ponto de desmaiar.
Tenho impressão de que quando Nayla se olha no espelho, se ver reproduzida na própria imagem da sua Mãe Quitéria, que lhe deu a régua e o compasso da vida, enquanto a mãe Ivete foi em busca de outro eldorado em São Paulo, como todo nordestino que sabe que o sol nasce para todos.
Não conheci Mãe Quitéria, mas de tanto Nayla tê-la como luz, o que posso inferir, sem medo de errar, é que foi uma mulher forte, determinada, corajosa, que enfrentou os desafios e que se reinventou todos os dias. Empoderada, soube aonde quis chegar, mesmo que para isso fosse obrigada a vencer todos os medos e barreiras.
Mãe Quitéria não queria dominar o mundo, mas tinha a sua melhor versão para isso. Era dona da força que precisava para cada momento. Sua essência era a coragem. Guerreira, respeitou todos os limites sem se sufocar, nem sufocar os outros, o que é mais importante. Decidida, nunca precisou dar provas disso a ninguém.
Tenho impressão, igualmente, que pagou um preço alto por ser uma mulher tão decidida. Sua intuição era única, enfrentou a vida de cabeça erguida. Para a neta querida, deixou um dos seus maiores legados: torna-se forte não pelas suas conquistas, mas sim por tudo que enfrentou. A avó-mãe de minha Nayla era daquelas sertanejas fortes que se olhava no espelho e dizia: “O que sou pertence só a mim! Ninguém mais sabe o que passei e quanta dor transformei em superação”.
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