Pesquisadores ouvidos pelo Poder360 indicaram a necessidade de ampliação do debate sobre “desinformação” diante da nova Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, anunciada pela AGU (Advocacia Geral da União). Eles acreditam que falta ao órgão, ainda, estabelecer critérios e esclarecimentos sobre sua atuação. A oposição tem feito críticas à medida como um possível mecanismo de censura, que os entrevistados entendem como válidas.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, anunciou a criação da nova procuradoria na 2ª feira (2.jan.2023). A medida foi estabelecida por meio do decreto nº 11.328 de 1º de janeiro de 2023 e tem entre suas funções o “enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”.
Procurada pelo Poder360 na 3ª feira (3.jan) para dar mais detalhes sobre quais critérios serão adotados para determinar o que é uma informação legítima ou não, a AGU respondeu de maneira vaga. Disse que desinformação seriam “fatos inverídicos ou supostamente descontextualizados levados ao conhecimento público de maneira voluntária com objetivo de prejudicar a adequada execução das políticas públicas, com real prejuízo à sociedade”.
Leia maisPara o professor da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Marcos Perez, a publicação do decreto foi feita de forma “ingênua” diante da complexidade da temática fake news. O professor considera que delegar essa função para uma instituição como a AGU deixa “um cheiro no ar de censura” que oportunizam as opiniões contrárias.
“O governo tem que olhar essa crítica como uma crítica justa e voltar atrás. Porque esse debate, feito dessa maneira, é muito empobrecido. E empobrecer esse debate nos coloca em risco no futuro “, afirma o professor.
Perez considera que o atual arcabouço normativo para lidar com a disseminação de fake news é insuficiente, e que as instituições responsáveis no Judiciário, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não são capazes de atender o fenômeno da desinformação. O professor entende que, para isso, seria necessária a elaboração de uma nova legislação sobre o tema.
“Pensar que a Advocacia Geral da União, ela vai dar conta com os instrumentos que ela tem de conter o fenômeno do espalhamento impossível “, declara Perez. Ele diz que o MP (Ministério Público) poderia ser uma alternativa mais viável para tratar o problema, em relação à AGU. Ainda assim, sugere a criação de um organismo efetivamente independente e defende uma colaboração institucional com as grandes mídias sociais no combate à disseminação de fake news.
“O fato de você dizer ‘a AGU vai capitanear ações contra mentira, contra a difusão de fake news, dá a impressão de que o Poder Executivo vai sair por aí censurando as pessoas, coagindo as pessoas, como outro governo fez “, declara Perez.
A advogada, pesquisadora e diretora do InternetLab, Heloísa Massaro, também considera o tema de desinformação mais complexo do que a forma como apresentado pela medida. “Existe toda uma discussão mais ampla a ser feita, que apenas uma procuradoria na AGU não responderia”, diz Massaro. Ela lembra que o conceito de desinformação “nem sequer” consta no ordenamento jurídico.
Massaro lembra que a procuradoria não teria poder para determinar a remoção de conteúdo e nem de atuar como agência regulatória. Na opinião da advogada, o fato de essa competência se restringir ao Judiciário é importante. “Não é interessante ter um órgão tão vinculado ao Executivo com determinado tipo de poder “, considera a advogada.
De acordo com a nota enviada pela AGU ao Poder360 (leia ao final da reportagem), todas as demandas da nova procuradoria serão, necessariamente, encaminhadas para a análise do Poder Judiciário. Além disso, decisões anteriores do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE sobre desinformação irão “balizar” a instituição, assim como o trabalho de agências de checagem. A nota da equipe de comunicação não cita, no entanto, exemplos de precedentes do Judiciário que servirão como fundamento para a AGU.
O professor da Universidade Metodista de São Paulo e doutor em ciências da comunicação pela USP, Ivan Paganotti, lembra que já houve decisões da Suprema Corte revistas no âmbito da desinformação, como no caso da Revista Crusoé. Apesar disso, considera como uma “limitação positiva” o fato de que a atuação da nova procuradoria dependerá, efetivamente, do Judiciário. “É um mecanismo de autocontenção. É lógico que a AGU não tem a palavra final “, diz.
A nota explicativa da AGU enviada posteriormente à publicação do decreto trouxe avanços para a elucidação de alguns pontos sobre a nova procuradoria, segundo Paganotti. Mas para ele, falta, ainda, que esses esclarecimentos sejam estabelecidos de forma documental – como por meio de uma portaria.
“É compreensível algumas das críticas, mesmo que exageradas, em relação à instituição. Porque elas estão cobrando o que nós, como sociedade, precisamos saber. Como que isso vai funcionar? Quais são os limites?” Indaga o professor.
Ele entende que, dependendo da forma que forem aplicadas medidas de autocontenção na procuradoria, “há uma potencialidade” para perseguições. Essa não é uma posição unânime entre os entrevistados – a advogada Heloisa Massaro vê a discussão como “distante” da criação da procuradoria; já o professor Marcos Perez, por sua vez, considera difícil, mas não exclui a possibilidade de haver espaço para perseguição política.
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