Por Fabio Corrêa*
Vivemos uma era em que a toga fala mais alto que o voto e o verbo jurídico se sobrepõem à vontade popular. Em nome da “defesa da democracia”, o Poder Judiciário brasileiro, especialmente sua cúpula, tem assumido um protagonismo que transborda os limites constitucionais e ameaça o próprio equilíbrio republicano.
Hoje, juízes que jamais receberam um único voto popular são os verdadeiros timoneiros da nação, tomando decisões com impacto direto no processo político, legislativo e até mesmo na esfera privada da sociedade civil. Criam doutrinas, reinterpretam princípios, censuram vozes e transformam medidas excepcionais em normas permanentes, tudo sob o pretexto de combater “desinformação”, “ameaças institucionais” ou “discursos de ódio”.
Leia maisMas até onde vai esse poder sem freios? Até onde o Judiciário pode esticar sua influência sem rasgar o tecido da separação de poderes e a soberania constitucional? A democracia brasileira está, hoje, refém de uma versão togada do absolutismo contemporâneo, onde a interpretação pessoal de um ou poucos ministros equivale a leis impositivas, muitas vezes, sem qualquer amparo legal claro, e em flagrante descompasso com o princípio da legalidade e com o devido processo legal.
O que se vê é uma judicialização da política e uma politização do Judiciário, que deixa de ser o árbitro imparcial da Constituição para se tornar agente político ativo, com poder de calar vozes, cassar mandatos, controlar narrativas e submeter os demais poderes à sua vontade. Estamos diante de um Judiciário que extravasa sua função contramajoritária, não mais como guardião da Constituição, mas como um ente acima dela. Um Judiciário que se arvora no direito de definir o que pode ou não ser dito, quem pode ou não exercer o poder, e o que deve ou não ser legislado, atropelando a representatividade do Parlamento e manchando a legitimidade do Executivo.
É chegada a hora de refletirmos seriamente: a democracia que estamos defendendo é mesmo democracia, ou uma paródia institucionalizada, conduzida por uma elite jurídica que se julga acima do povo, da lei, da imprensa e da história? Porque democracia, de verdade, não se constrói com censura, medo, perseguição e autoritarismo judicial. Democracia não se impõe de cima para baixo, por sentenças, portarias e decisões monocráticas.
Democracia se conquista com voto, com diálogo, com freios e contrapesos, nunca com silêncios forçados e verdades únicas decretadas de gabinetes fechados.
Sócrates, que enfrentou a tirania das maiorias e pagou com a própria vida por defender o livre pensamento, jamais conceberia uma democracia fundada no medo, na censura e no autoritarismo ilustrado. Para ele, a verdade nascia do embate racional entre ideias, não da imposição silenciosa de uma única narrativa. Se vivo fosse hoje, talvez Sócrates não tomasse o veneno por ordem da plebe, mas por despacho judicial. Afinal, questionar o poder virou ofensa, divergir virou crime, e pensar livremente se tornou risco processual.
Que democracia é essa, onde o filósofo seria punido não por corromper a juventude, mas por “atentar contra a institucionalidade”? Não, essa não é a democracia que Sócrates idealizou. E tampouco é a democracia que o povo brasileiro merece.
*Advogado
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