A condenação do ex-presidente, cuja pena pode ultrapassar 40 anos de prisão, se dá em meio à pressão de aliados por uma anistia no Congresso e está inserida em um ambiente de polarização política com implicações na eleição presidencial do ano que vem.
A pena máxima para as condenações de Bolsonaro podem chegar a 43 anos de prisão devido ao agravante do papel de liderança atribuído a ele.
O ex-presidente foi condenado por organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
Presidente do Brasil de 2019 a 2022, Bolsonaro é objeto da ofensiva que seu filho Eduardo faz, do exterior, com a intenção de obter sanções de Donald Trump ao país.
O ex-presidente só deve ser preso na condição de condenado (e eventualmente em regime fechado) após o fim do processo, quando a defesa não tiver mais recursos a apresentar ao Supremo.
No voto que apresentou na terça-feira (9), Alexandre de Moraes apontou Bolsonaro como líder da trama golpista ocorrida no final de seu governo, em 2022, o que incluiu pressão sobre comandantes militares para a adoção de medidas de exceção que evitassem a posse de Lula (PT) e o mantivessem no poder –cenário que não se vislumbrava no país havia 60 anos.
O contraponto no julgamento coube a Luiz Fux, que votou pela absolvição de Bolsonaro e minimizou a gravidade da maior parte das acusações, explorando lacunas das investigações e desconsiderando evidências.
Além de Bolsonaro, os demais sete réus do núcleo central também foram condenados por todos os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República. São eles o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres, o ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno, o ex-ajudante de ordens e Mauro Cid, delator da ação, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa Walter Braga Netto e o ex-chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem.
Nesta quinta, votaram Cármen Lúcia e Zanin.
Durante o voto de Cármen, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes se uniram à ministra em uma reação contra Fux.
Moraes chegou a exibir um vídeo de falas de Bolsonaro direcionadas ao Supremo e chamou as declarações de “grave ameaça” ao STF. Na véspera, Fux havia afirmado que não era possível classificar manifestações desse tipo como ameaça.
O STF condenou Bolsonaro e outros réus um dia depois de Fux abrir uma divergência e votar para condenar apenas dois deles, por acusações mais leves do que as apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
Cármen deu indiretas a Fux desde os primeiros momentos do voto. Ainda na avaliação das questões preliminares, sobre formalidades do processo, ela discordou do ministro e afirmou que a competência para julgar o caso é do STF. “E eu sempre votei do mesmo jeito”, afirmou, citando o processo do mensalão, do qual ambos participaram. Depois, ela recebeu o respaldo dos demais ministros da turma.
O ministro Gilmar Mendes, que não faz parte da Primeira Turma, esteve na sessão desta quinta-feira e se sentou na primeira fila do plenário, num gesto que foi descrito por ministros do grupo de Moraes como de apoio à maioria e uma manifestação de isolamento de Fux.
A ministra apontou que Bolsonaro agiu como líder de um grupo, formado por militares e outras autoridades de seu governo, com o objetivo de atentar contra as instituições democráticas.
“Fez prova cabal de que o grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022, minar o livre exercício dos demais Poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”, afirmou.
Moraes abriu as sessões de votação na terça-feira (9) com um longo posicionamento em que atribuiu a Bolsonaro o papel de liderança da trama. “O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou.
Dino foi o segundo a votar. Ele acompanhou integralmente a posição de Moraes quanto à condenação de Bolsonaro e da maior parte dos réus, afirmando que “não há dúvidas” de que o ex-presidente e Braga Netto ocupavam posições de comando na organização criminosa. Ele indicou que pode votar por penas mais brandas para alguns réus, como os ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.
Em um voto com cerca de 12 horas de duração, mais que o dobro do tempo usado por Moraes, Fux afirmou rejeitou as acusações contra Bolsonaro e outros quatro réus. Ele votou pela condenação do tenente-coronel Mauro Cid e do ex-ministro Walter Braga Netto por apenas um dos cinco crimes: tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.
Para Fux, não ficou demonstrado que o ex-presidente tenha praticado atos executórios, que se diferenciariam da preparação, de declarações ou de discussões em relação a uma ruptura. Ele minimizou a minuta golpista, apontou que Bolsonaro não poderia ser acusado de golpe quando estava no mandato e afastou sua responsabilidade pelos ataques de 8 de janeiro.
Durante a sessão, Fux manifestou uma série de divergências com Moraes e outros ministros, num enfrentamento direto com a conduta do relator do processo. Ele votou pela nulidade da ação, por entender que o STF não seria o foro adequado para julgá-lo, e descartou a condenação dos réus por organização criminosa e dano ao patrimônio.
O voto de Fux surpreendeu as defesas dos réus, após meses de incerteza sobre como ele se posicionaria diante do avanço do processo contra o ex-presidente. Os advogados dos acusados identificaram argumentos para questionar a ação no futuro e, eventualmente, anular uma provável condenação.
O posicionamento do ministro irritou a ala do tribunal próxima de Moraes, que enxerga um alinhamento com o bolsonarismo no julgamento.
Na denúncia contra Bolsonaro, o procurador-geral Paulo Gonet disse que o ex-presidente foi o líder de uma organização criminosa que tinha como base um projeto autoritário de poder com “forte influência de setores militares”.
A denúncia da PGR afirmou que os crimes começaram a ser cometidos em 29 de julho de 2021. Naquele dia, Bolsonaro reuniu integrantes do governo para fazer uma live nas redes sociais com seu principal ataque contra as urnas eletrônicas.
Depois, diz Gonet, o ex-presidente prosseguiu com discursos públicos para “inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse”.
A denúncia destaca que Bolsonaro exortou à desobediência de decisões judiciais, espalhou informações falsas sobre as eleições, atacou ministros do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e incitou as Forças Armadas contra seus adversários.
“O que parecia, à época, um lance eleitoreiro, em si mesmo ilícito e causador de sanções eleitorais, mostrou-se, a partir da trama desvendada no inquérito policial, um passo a mais de execução do plano de solapar o resultado previsto e temido do sufrágio a acontecer logo adiante”, diz Gonet na denúncia.
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