Contei aos parlamentares que a paralisia, além da perda de movimentos, vem acompanhada de diversas questões que são tratadas com a cannabis medicinal: espasmos, dores neuropáticas, distúrbios no intestino e na bexiga, falta de energia, insônia e, consequentemente, tristeza.
No fim, o projeto, que estava prestes a sair de pauta, acabou sendo aprovado com apenas um voto contrário, o do senador Eduardo Girão.
Hoje, três anos após essa memorável sessão na CDH, em que a empatia venceu, ao invés de estarmos celebrando acessos à cannabis medicinal, estamos lutando para não perdermos o pouco que já avançamos nesta pauta. Desta vez, no entanto, o embate não é com parlamentares negacionistas, mas com o Conselho Federal de Medicina, órgão que mais deveria trabalhar para ampliar acesso à saúde da população.
A recente resolução 2.324/2022 do CFM é um retrocesso, pois restringe o tratamento com cannabis apenas ao uso do Canabidiol, o CBD, uma única substância das mais de 700 identificadas na planta. Para piorar, também restringe o uso do CBD a apenas duas doenças, ignorando as mais de 30 condições de saúde que hoje já são tratadas com sucesso por meio da cannabis medicinal – e em dezenas de países.
Pessoas com esclerose múltipla, por exemplo, são beneficiadas com a cannabis, relaxando a musculatura, reduzindo as dores crônicas, melhorando o sono e protegendo os olhos dos comuns ‘borrões’ ocasionados pelas lesões no cérebro. Outros benefícios podem ser alcançados por quem sofre de ELA, a esclerose lateral amiotrófica, aliviando a espasticidade e as dores.
Eu poderia, por horas, elucidar outros inúmeros ganhos que a cannabis medicinal também pode trazer às pessoas com Alzheimer, Autismo, Epilepsia, Parkinson, Glaucoma, Síndrome de Tourette, Câncer, Fibromialgia…
Enquanto o CFM restringe acessos, o restante do mundo aponta para diversos países aprovando leis que permitem o plantio de cannabis com fins medicinais: Alemanha, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Holanda, Israel, Reino Unido e nosso vizinho Uruguai são apenas alguns exemplos.
O Conselho Federal de Medicina não pode ir contra os estudos médicos e as inúmeras evidências científicas que já comprovaram a eficácia da planta, assim como não pode colocar uma mordaça na autonomia médica, limitando a prescrição da cannabis medicinal a um grupo restrito de pacientes. A dor não é seletiva, o tratamento não pode sê-lo.
Para sustar os efeitos desta portaria que desconsidera o quanto a cannabis medicinal vem contribuindo para melhorar a qualidade de vida de milhares de crianças, jovens, adultos e idosos do nosso país e que só retrocede nossa luta, apresentei no Senado um Projeto de Decreto Legislativo. Faremos de tudo para que a matéria tramite em regime de urgência, porque nada pode ser mais urgente que a saúde das pessoas.
Precisamos olhar para frente e avançar de fato. O Brasil não pode dar um passo à frente e dois para trás. Regulamentar a cannabis medicinal é urgente por ser uma pauta de saúde pública.
Permitir que pessoas com e sem deficiência se tratem com a cannabis, sem marginalização, mas com segurança, controle e respeito, demove o status do Brasil de nação que caminha para trás, que exclui e só garante saúde àqueles que podem pagar.
A sociedade brasileira é a favor da cannabis medicinal justamente por entender que um país justo é aquele onde saúde e qualidade de vida não são privilégios, mas direitos inerentes de todo ser humano.
Prova disso é a pesquisa de opinião solicitada por mim ao Instituto de Pesquisa DataSenado que apurou, em 2019, que a população brasileira é favorável ao tema. Foi detectado que a maioria dos entrevistados (87%) declarou saber que substâncias retiradas da cannabis podem ser utilizadas em medicamentos para tratar doenças e que 79% se mostraram favoráveis à distribuição gratuita desses remédios pelo SUS.
O Conselho Federal de Medicina não pode ignorar evidências científicas, mas, sobretudo, não pode dar às costas aos pacientes, que unidos estão saindo às ruas contra essa portaria.
A voz dessas pessoas clama por acessos, não restrições. É um coro uníssono por empatia.
*Senadora
Leia menos