Capítulo 33
Na cultura que vem dos nossos ancestrais, o aprendizado familiar tem uma regra básica: importante em todos os aspectos, a relação de pai com filho é, sobretudo, fundamental na formação de condutas. Nos dias de hoje, do mundo online, dos jogos que preenchem o dia inteiro da garotada, a presença do pai tem sido muito mais exigida. E na vida de políticos com P maiúsculo, como Marco Maciel, que exerceu a vida pública como sacerdócio, sem tempo para a família, como arranjar espaço na agenda para os filhos?
Leia mais“Apesar de trabalhar feito um leão, papai encontrava uma forma de nos ter próximos. Ele me levava, por exemplo, para a solenidade da troca das bandeiras na rampa do Palácio do Planalto, em Brasília. Ao mesmo tempo em que cumpria uma obrigação como presidente da República em exercício, tinha a minha companhia, o que fazia ele muito feliz”, revela a advogada Gisela Maciel, filha primogênita do ex-senador.
Com Anna Maria, Marco Maciel teve três filhos, todos bacharéis em Direito: Gisela, concursada do Tribunal de Contas de Goiás, mora em Goiânia (GO), mãe de dois filhos. Maria Cristiana, mãe de uma filha, reside em Brasília, ingressou no Conselho Nacional de Justiça como advogada por concurso. João Maurício, o caçula, pai de um filho, que leva o nome do avô – Marco Antônio de Oliveira Neto, de apenas 15 anos – mantém um escritório de advocacia na capital federal.
Gisela, Cristiana e João Maurício aprenderam com os pais que é no seio familiar que se formam os novos cidadãos. A relação deles com o pai famoso, sempre ocupado, se deu de forma natural, sempre compreendida por eles. “A relação entre pai e filho é um dos relacionamentos mais lindos e também mais complexos. Isso porque cada um deseja algo do outro, mas conosco não foi assim. A gente sempre entendeu o papel de papai”, diz Cristiana.
Ela lembra que, quando criança, Marco Maciel também encontrava um jeitinho para estar ao seu lado em meio a uma agenda que entrava pela madrugada, seja como governador de Pernambuco, ministro de Estado, senador ou vice-presidente. “Quando estava em casa, ele me pedia para recortar jornais. Quando me levava para o gabinete, eu imitava sua secretária levando papéis, procurando documentos e forçando ele a beber água, que ele esquecia de tanto trabalhar”, acrescenta Cristiana.
“Não poderia ter tido um pai tão maravilhoso. O tempo em que ficava em casa, fazia questão de estar ao lado dos filhos, da família. Quando encontrava um tempinho na agenda, gostava de fazer programas com a gente, como levar para lanchar”, lembra Gisela. Marco Maciel, segundo Anna Maria, sua viúva, sonhava em ter um filho homem.
“Na minha terceira e última gravidez, veio João Mauricio, mas naquele tempo não se sabia o sexo antes do parto. Quando ele soube que era homem, ficou louco, parecia uma criança num parque de diversão de tão feliz”, recorda Anna. Mas, da mesma forma que se deu com Gisela e Cristiana, para João Maurício também não sobrou muito tempo para ter o pai ao lado em momentos de lazer.
Assim, quando governador de Pernambuco, entre 1979 e 1982, Marco encontrou também um jeitinho de dar atenção ao filho. Era seu convidado especial para as viagens de ônibus pelo Interior do Estado, roteiro que inaugurava obras, visitava lideranças políticas e assinava novas ordens de serviço. “Eu adorava, para mim era um passeio. Ficar ao lado do meu pai era tudo que eu queria”, diz João Maurício.
Escasso era o tempo na agenda de Maciel para a família porque a vida pública, para ele, era um sacerdócio, dedicação exclusiva, sem hora para se alimentar, nem para dormir. “Marco não dormia nem comia”, atesta Joel de Holanda, um dos mais fiéis seguidores da escola macielista. Holanda serviu a Maciel como secretário de Educação e de tão próximo a ele foi escolhido seu suplente de senador. Maciel virou ministro, Holanda, senador em seu lugar.
De tão apegado ao pai, na condição de filho único, João Maurício, segundo contou Anna, ficava aguardando o pai chegar em casa para desfrutar de alguns momentos ao lado dele. “Como Marco Antônio dificilmente jantava conosco, João ficava acordado até tarde da noite. Quando o pai chegava, corria para os seus braços e ajudava ele a tirar o sapato e as meias”, recorda a mãe.
Diz a literatura que os filhos se desenvolvem tendo o pai como ideal e, sob esse olhar, o pai deve se portar como gostaria que os filhos o fizessem. Na maioria das vezes os meninos se identificam com a figura do pai, tomando-o como a personificação do homem e imitando seus atos. João até que imitava seu pai, mas nunca quis saber de seguir na política. “Descobri, logo cedo, que não tinha a vocação dele”, confessa.
Mesmo entendendo e ensinando que a figura do pai é importante na hora de exemplificar condutas, Marco Maciel nunca influenciou os filhos na carreira profissional. “Faça o que achar que tenha vocação, dizia ele”, lembra Gisela, testemunho compartilhado por Cristiana e João Maurício. “Para nós, ele foi um pai perfeito. Apesar de ausente, foi perfeito na forma dele, em datas importantes para a família nunca se ausentou. Pai bom não se revela nem se manifesta apenas com a sua presença física”, complementa.
Para Gisela, Cristiana e João Maurício o legado do pai só tem uma palavra: honestidade. “Nunca vimos nosso pai envolvido em qualquer coisa errada. Zelou pela sua imagem em todos os cargos que exerceu e nos ensinou os princípios básicos da moralidade, dos bons costumes. Foi um homem justo e correto”, disse Gisela. Para Cristiana, Maciel era incapaz de falar mal de alguém, mesmo quando atacado pelos jornais. “Papai nos repreendia com tamanha autoridade que quando mamãe dizia iria relatar a ele nossas traquinagens nós morríamos de medo”, lembra Cristiana. Em toda minha vida, ele só me bateu uma vez, mas com razão”, recorda, rindo.
Do traço da personalidade dele, Cristiana acha que herdou o fato de ser muito rigorosa, de não aceitar nada errado, do aprendizado para levar uma vida muito correta. Para ela, o choque do diagnóstico do Alzheimer não foi tão forte porque a família já estava desconfiada. “Ele vinha mudando muito de postura, de comportamento. E passou a não lembrar das mínimas coisas importantes, logo ele que tinha uma memória privilegiada”, testemunha.
Já Gisela diz que herdou do pai duas virtudes: paciência e tranquilidade. “Também sou pacificadora, como ele foi a vida inteira”, afirma, adiantando que de tanto se envolver nas eleições do pai, pedindo voto na calçada da casa, ficou conhecida como 109, número do registro eleitoral do pai na época em que disputou mandato para Câmara dos Deputados. Quanto à mãe, diz que herdou a alegria. “Mamãe sempre foi uma pessoa muito alegre e sempre exibiu alegria na forma de conduzir a vida”, observa.
Por ser o único filho homem, João Maurício passou a vida inteira despertando a atenção de familiares se entraria na política, assumindo a condição de herdeiro do pai da vida pública, mas nunca quis. “Papai nunca nos pressionou em nada, muito menos para entrar em política. Não era desejo dele ver filhos metidos em política”, afirma João, que, em homenagem ao pai, colocou o nome do filho Marco Antônio de Oliveira Neto.
“João contrariou Marco Antônio, que tinha o princípio de não colocar nome de pai político em filho. “Dizia que o filho, por herdar um nome de político, poderia em vida ser mais sacrificado do que homenageado, porque pagaria o preço muito mais dos erros do pai, enquanto os acertos nunca seriam lembrados”, explica Anna Maria.
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