Segundo os contracheques analisados, a remuneração média bruta mensal dos conselheiros nos estados foi de R$ 69,7 mil no primeiro trimestre do ano. Em alguns casos, o valor médio supera os R$ 100 mil, como nos tribunais de Contas de Alagoas, Roraima e Pernambuco. Em Alagoas, por exemplo, um conselheiro recebeu R$ 180 mil em um único mês, somando vencimentos básicos, gratificações por função e auxílio-saúde.
Esses montantes são compostos por uma parte fixa – o salário-base, que varia de acordo com o estado, entre R$ 37 mil e R$ 41 mil – e uma série de adicionais classificados como verbas indenizatórias. Entre os mais recorrentes estão auxílio-saúde, gratificações por acúmulo de função, licença-prêmio, indenizações retroativas e outros penduricalhos.
O pagamento dessas verbas encontra respaldo em decisões do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que entendem que o teto constitucional se aplica apenas aos subsídios e vencimentos de caráter remuneratório, sem considerar cifras de natureza indenizatória. Além disso, por não serem considerados salários, os valores indenizatórios não estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda nem de contribuição previdenciária.
Verbas contestadas
Apesar disso, o STF já se posicionou contra a inclusão de alguns desses auxílios como verbas indenizatórias. Em 2023, o plenário da Corte considerou inconstitucional o auxílio-aperfeiçoamento profissional concedido em Minas Gerais a juízes estaduais para a aquisição de livros jurídicos, digitais e material de informática.
No Congresso, diferentes projetos já foram apresentados para rever essas normas, mas sem sucesso. Em 2016, o então senador José Aníbal (PSDB-SP) protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para que todos os valores pagos aos servidores, independentemente de serem remuneratórios ou indenizatórios, ficassem abaixo do teto constitucional. O texto foi arquivado em 2022.
Entre especialistas em Direito Público e Administração Pública, o tema também suscita controvérsias. Para alguns juristas, a interpretação adotada pelo STF e pelo CNJ – ao permitir que verbas indenizatórias fiquem fora do limite constitucional – cria brechas que enfraquecem os mecanismos de controle da remuneração no serviço público.
“Ao dizer que são indenizações, vira um artifício para pagar remunerações acima do teto. Essa lógica foi levada às últimas consequências e passou a ser uma fraude chancelada pelo STF. Hoje, servidores dobram, triplicam suas rendas com esses benefícios”, afirma Conrado Hübner Mendes, professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP).
Procurados, diversos tribunais afirmaram que os pagamentos observados estão em conformidade com as leis vigentes e decisões dos órgãos superiores. Em nota, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), por exemplo, informou que “os demais valores, que eventualmente excedam esse limite, decorrem do pagamento de verbas de natureza indenizatória, baseadas em lei”. Posicionamentos semelhantes foram adotados por outras cortes, como as do Paraná, Acre e Paraíba. Estados como Ceará e Mato Grosso frisaram ainda que seguem a transparência pública por disponibilizarem os contracheques.
Mais benefícios à vista
Além dos pagamentos já realizados, pelo menos dez estados têm discutido ou aprovaram recentemente projetos de reajustes salariais ou a criação de novos benefícios indenizatórios para os conselheiros.
Em São Paulo, tramita na Assembleia Legislativa uma proposta que institui o Programa de Aposentadoria Incentivada (PAI), com o pagamento de um bônus equivalente a seis salários para servidores que optarem por se aposentar antecipadamente. Como o valor seria classificado como verba indenizatória, não entraria na contagem para o teto constitucional.
No Espírito Santo, uma resolução recente criou um adicional de 30% sobre o salário dos conselheiros com grande acúmulo de processos. O valor estimado desse benefício é de cerca de R$ 10 mil mensais. Já no Distrito Federal, o Tribunal de Contas aprovou em dezembro o pagamento de gratificações retroativas, referentes a um terço do salário, relativas aos últimos cinco anos. Com isso, conselheiros receberam valores que chegaram a R$ 780 mil em parcelas únicas.
Em Minas Gerais, o tribunal estadual propôs reajuste linear de 16% para os servidores, incluindo os conselheiros. Atualmente com vencimentos básicos de R$ 39 mil, os membros da corte mineira têm recebido mensalmente mais de R$ 90 mil, quando consideradas as verbas adicionais.
O jurista Rafael Paiva vê com ressalvas indenizações que extrapolam o teto e o movimento que busca mais benefícios. “A conduta é permitida, mesmo se superar muito o teto constitucional. Mas não deixa de ser extremamente imoral”.
Diante dos altos valores pagos e da diversidade de rubricas utilizadas, especialistas também cobram maior transparência na composição dos vencimentos nos tribunais de Contas. Em muitos casos, os portais de transparência não detalham claramente quais são as verbas pagas e descrevem os valores apenas como “vantagens pessoais”.
Entidades como a Associação Contas Abertas e o Instituto Não Aceito Corrupção têm defendido maior padronização na apresentação das folhas de pagamento e a revisão do entendimento sobre o alcance do teto constitucional, a fim de evitar distorções no uso de recursos públicos. A reportagem entrou em contato com todos os tribunais. O Tribunal de Contas de Pernambuco não respondeu o contato do jornal O Globo.
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