Uma das companhias beneficiadas, a Festa Cheia tem feito shows a todo vapor, com patrocínios de bets e presenças de artistas famosos. Além disso, registrou faturamentos milionários nos últimos anos e resultados financeiros que ultrapassam 70% – números que vão na contramão de eventual crise.
A outra empresa, o restaurante Ruffo, foi criada quatro meses depois do fim da emergência sanitária da Covid-19 e não foi atingida pelo auge da crise causada pela pandemia.
Procurado, o parlamentar assegurou que a inclusão de suas empresas no Perse seguiu os critérios estabelecidos pela legislação e explicou que trabalha a favor do setor como um todo, e não de companhias específicas (veja a nota completa ao fim desta reportagem).
Deputado brigou com Haddad em defesa do Perse
Carreras foi o autor da Lei do Perse, publicada em maio de 2021, e atuou fortemente no primeiro semestre deste ano a favor da manutenção do programa, a contragosto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que tem buscado equilibrar as contas públicas.
Haddad chegou a encerrar o Perse no fim de 2023 por meio de uma Medida Provisória, mas o Congresso – encabeçado por Carreras e com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – reagiu e renovou o benefício.
O deputado do PSB defende que o setor ainda precisa se recuperar da crise da Covid. Ele batizou o programa de “Perse da perseverança”. O benefício consiste em zerar as alíquotas dos tributos do IRPJ, CSLL, Cofins e PIS/Pasep sobre as receitas e os resultados auferidos pelas empresas do setor. A isenção chega a R$ 15 bilhões por ano.
Empresa de deputado teve faturamento de R$ 20 milhões
Carreras consta como sócio das duas empresas beneficiadas pelo Perse, tendo até 50% das quotas das companhias. Ele não pode ser administrador em razão do cargo público.
Com sede em Recife, a Festa Cheia Produções e Propagandas LTDA foi isenta em R$ 529,2 mil por meio do programa, entre janeiro e agosto deste ano.
A Festa Cheia é uma produtora de eventos fundada em 2004. A empresa realizou mais de 30 shows, festivais e camarotes nos últimos dois anos, segundo levantamento feito pela coluna nas redes sociais da empresa. Trata-se de grandes eventos, com participação de artistas famosos, como Leo Santana, Gusttavo Lima e Thiaguinho, e patrocínio das principais bets do país – apesar de Carreras ter sido o relator da CPI das Apostas Esportivas na Câmara.
Em sintonia à agenda cheia, a produtora apresenta uma saúde financeira de dar inveja. A empresa teve faturamento de R$ 20,2 milhões em 2023. Desse total, o lucro foi de R$ 15 milhões, o equivalente a 74%. Esse resultado líquido é considerado fora da curva.
Em 2022, a empresa faturou R$ 8,3 milhões, tendo lucro de R$ 6,4 milhões (77%). Em 2021, a Festa Cheia teve receita de R$ 2,2 milhões e resultado líquido de R$ 1,8 milhão (79%). Os balanços foram obtidos pela coluna via Junta Comercial de Pernambuco (Jucepe). A companhia não enviou dados referentes ao período pré-pandemia.
O valor do benefício fiscal foi levantado pela coluna junto a base de dados publicada pela Receita Federal. O órgão não divulgou informações referentes aos anos de 2022 e 2023, período que também vigorou o Perse, mas o balanço da Festa Cheia indica que a empresa também foi beneficiada nesses dois anos.
Carreras abriu restaurante após a pandemia e foi beneficiado no Perse
A segunda empresa de Carreras que também foi isenta de pagar tributos por meio do Perse é a Ruffo Comércio de Alimentos LTDA. Trata-se de um restaurante de culinária contemporânea localizado no alto de um prédio em Recife e que oferece uma vista privilegiada da capital.
O estabelecimento foi aberto em agosto de 2022, quatro meses depois do fim da emergência sanitária causada pela Covid-19, o que indica que a empresa não foi afetada pelo auge da crise da pandemia, quando restaurantes precisaram fechar as portas para evitar o contágio da doença, medida que ficou conhecida como lockdown.
O restaurante Ruffo teve isenção fiscal de R$ 410,7 mil nos primeiros meses deste ano, segundo dados da Receita. A empresa não publica balanço na Jucepe.
Carreras é sócio do estabelecimento através da Festa Cheia, que detém 50% das quotas (na prática, isso significa que o deputado tem 25% de participação no restaurante). Os outros 50% pertencem a José Walter Pedrosa Cavalcanti Filho, o seu Tito, que também é ex-assessor do parlamentar pernambucano.
O que diz Carreras
Procurado, o deputado explicou que a inclusão das empresas seguiu os critérios estabelecidos pela legislação e na finalidade do programa que atende a segmentos específicos.
“É importante lembrar que o setor enfrentou um longo tempo de proibição de funcionamento durante a pandemia, o que gerou prejuízos profundos, com faturamento perto de zero. Foi o primeiro a parar de funcionar e o último a voltar”, afirmou.
Carreras ressaltou que o fato de a empresa Festa Cheia ter conseguido se reerguer e apresentar bons resultados recentes, conforme demonstrado pela coluna, não elimina os impactos sofridos no período mais crítico.
“Quero enfatizar que, enquanto deputado e presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Turismo e da Frente em Defesa da Produção Cultural e Entretenimento, defendi os setores como um todo, e não uma empresa específica”, disse. “O Perse é uma política de Estado, não de governo”, prosseguiu.
Sobre o restaurante Ruffo, o deputado ressaltou que não tem qualquer participação na gestão do estabelecimento, sendo apenas sócio-investidor.
“A decisão de adesão ao Perse foi tomada pela administração da empresa, dentro dos parâmetros legais. O CNAE bares e restaurantes está contemplado no Perse devido à sua importância estratégica na geração de empregos e na recuperação econômica, conforme demonstrado pelos dados do IBGE e do Ministério do Trabalho”, explicou o parlamentar.
“Defendo rigorosamente o bom uso do programa, de forma transparente e justa, cumprindo absolutamente o que está estabelecido na lei criada e aprovada pelo Congresso Nacional. Caso a Receita Federal identifique qualquer irregularidade, é responsabilidade dela revisar o enquadramento de empresas que não estão em conformidade, inclusive recorrendo de decisões judiciais”, continuou Carreras.
Por fim, negou ter infringido o princípio da impessoalidade ao criar e articular pela isenção que beneficiou ele mesmo. “Seria estranho e até uma forma de traição com o setor que eu represento e me elegeu se eu não fizesse a defesa que faço. A Câmara é uma casa plural e tem parlamentares que tem sua plataforma de atuação de acordo que sua experiência”, disse ele.
“Tem deputado que é do agro e defende o agronegócio. Deputado hoteleiro que defende o turismo. Deputado artista que defende a classe artística. Deputado professor que defende a educação. Deputado médico que defende a saúde. Deputado militar que defende a categoria. Esse é o processo normal e democrático”, afirmou.
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