Por Marcelo Diniz*
Diante da mais grave ameaça à soberania e à economia brasileiras em muitos anos, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSD), fez um silêncio ensurdecedor, que é também, e acima de tudo, revelador. Enquanto o presidente Lula se posicionava firmemente em defesa dos interesses nacionais contra a tarifa de 50% anunciada por Donald Trump, contando com o apoio quase uníssono das instituições públicas, privadas e da sociedade civil, a chefe do governo de Pernambuco, cujo estado seria drasticamente afetado, optou por uma inexplicável mudez.
O que poderia justificar tal omissão? Os sinais apontam para o cálculo político que sobrepõe o futuro do seu partido às necessidades urgentes do povo de Pernambuco (e do Brasil).
A medida anunciada por Trump em carta direta a Lula é um ataque direto à indústria e ao comércio do Brasil. Para Pernambuco, que luta para expandir suas exportações e fortalecer seu parque industrial, uma barreira de 50% num dos maiores mercados consumidores do mundo é um atentado. Setores vitais para a economia local, da fruticultura irrigada no Vale do São Francisco aos produtos manufaturados que partem do Porto de Suape, estão sob ameaça iminente.
Leia maisSeria o dever primário da governadora liderar a reação por aqui, mobilizar sua base e defender os interesses econômicos do estado que a elegeu. Contudo, o que se vê é um vácuo de liderança onde ela deveria estar atuando.
Adicionando um tom ainda mais grave ao cenário, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) divulgou um levantamento que quantifica o desastre iminente. Segundo a autarquia, a tarifa de Trump pode gerar uma perda de R$ 16 bilhões por ano para o Nordeste, valor equivalente ao total exportado pela região aos Estados Unidos em 2024.
Pernambuco, especificamente, enfrenta um prejuízo potencial de US$ 205 milhões. Produtos-chave da pauta de exportação do estado, como o açúcar, as uvas do Vale do São Francisco e estruturas de aço, que tiveram os EUA como segundo maior comprador no último ano, seriam diretamente atingidos. O superintendente da SUDENE, Danilo Cabral, classificou a medida como prejudicial para ambos os lados, destacando a ironia de que o mercado nordestino importou quase R$ 33,5 bilhões em produtos norte-americanos em 2024, sugerindo que uma retaliação brasileira baseada na reciprocidade produziria perdas significativas também para os Estados Unidos.
Estes dados concretos da SUDENE não deixam margem para dúvidas sobre a urgência do problema, tornando o silêncio da governadora ainda mais indefensável.
Este vácuo, no entanto, pode não ser fruto do acaso, mas de uma complexa teia de alianças que amarra a governadora. Raquel Lyra pertence ao PSD, partido presidido nacionalmente por Gilberto Kassab. O mesmo Kassab que, sem qualquer pudor, já anunciou publicamente a intenção de sua legenda em apoiar o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a Presidência da República em 2026, mesmo tendo indicado três ministros no governo Lula: Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e André de Paula (Pesca). O último, lembre-se, tem uma filha empregada por Raquel na (infelizmente) insignificante secretaria de Cultura.
Tarcísio, o afilhado político de Jair Bolsonaro e atual governador de São Paulo, teve a audácia de propor ao STF que o ex-presidente inelegível fosse autorizado a viajar aos Estados Unidos para “negociar” com Trump. A manobra, prontamente rechaçada, expõe a estratégia do grupo: em vez de defender o Brasil de forma soberana, a aposta é na subserviência e na “amizade” pessoal entre Bolsonaro e Trump para resolver uma crise de Estado, dando ao causador da crise (Bolsonaro enviou o filho aos EUA para pedir a Trump que tomasse medidas contra o Brasil para que Jair escapasse da punição pelos seus crimes) a chance de fugir das barras da Justiça.
Ou seja, o candidato que o partido da governadora pretende apoiar em 2026 busca uma solução que passa por um alinhamento com a própria figura que hoje ataca a economia brasileira e pela impunidade ao grupo político-familiar que atentou contra o Estado Democrático de Direito no Brasil.
Fica a incômoda, porém inevitável, pergunta: o silêncio de Raquel Lyra é uma tentativa de não desagradar Gilberto Kassab e o projeto presidencial de Tarcísio? Estaria a governadora evitando um confronto direto com a retórica de Trump para não criar atritos com o campo político do qual seu partido dependerá em 2026?
Pernambuco não pode ser refém de jogos palacianos e ambições futuras de quem sempre utiliza a estratégia de se acovardar nos momentos mais decisivos. Os empresários, trabalhadores e toda a população pernambucana merecem uma governadora que os defenda sem hesitação. Ao se calar, Raquel Lyra não apenas falha em seu dever como líder estadual, mas também envia uma mensagem direta de que, na balança entre os interesses de Pernambuco e os conchavos de seu partido, a segunda opção parece pesar mais. O estado espera uma posição firme, e a ausência dela é, por si só, uma resposta. E uma resposta muito decepcionante.
*Empresário
Leia menos