Por Aldo Paes Barreto
Naquele início dos anos 60, um grupo de jovens, igual a tantos que se formavam no ainda provinciano Recife, começava a desvendar os mistérios da cidade em incursões fora do bairro. Eram as primeiras sessões dos cinemas de arte, as discussões políticas e literárias, cursinhos para vestibular, as festinhas de aniversário, os “assustados”, os bailes de formatura, as ultrapassagens às fronteiras impostas pelos bons costumes e pelas velhas pontes da cidade, nos primeiros gozos do corpo e do espírito.
Caminhante daqueles alegres caminhar, Gasparino Ribeiro sempre seguia na frente, incutindo em todos – inclusive nos apreensivos familiares que ficavam na retaguarda – um sentimento de segurança, de fraterna presença, de sábia convivência. Corajoso, bravo e decidido, Gaspar era incomparavelmente leal e solidário, principalmente com os menores, os fracos e os oprimidos.
Leia maisOriginário da aristocracia rural da zona da Mata Norte pernambucana, Gasparino, à frente de meia dúzia de irmãos, aportou certo dia numa casa na Encruzilhada para se realizar doutor. Seria mais uma “república de estudantes”, se não fosse pelo espírito democrático que logo impregnou todos os circunstantes, transmitido pelo refúgio quase-abrigo, misto de biblioteca e centro de intermináveis discussões políticas. Líder natural, o Camarada Gaspar, como costumávamos chamá-lo, depois das desditas da “Redentora”, foi combatente de primeira hora contra os abusos de 64. Não porque fosse simpatizante das causas marxistas, mas porque era sempre solidário com os vencidos, com os perseguidos políticos, com as primeiras vítimas vencidas pelos que se impunham pela força.
Logo na longa noite de 1° de abril daquele 64, foi Gaspar junto com Fernando Menezes e outros braços amigos, quem buscou, guiou e deu abrigo ao perseguido jornalista Mílton Coelho da Graça, num comportamento que se tornaria rotina, até mesmo quando o irmão Renato Ribeiro teve que se exilar no Chile.
Cristina Tavares (1934-1982) costumava lembrar Gaspar como o bravo que venceu no braço um motorista de praça, por ousar detratar uma velhinha em plena Rua da Palma, local de ponto de táxi onde o detrator era uma espécie de xerife da área.
Já Nílton Monteiro prefere recordar Gaspar como o homem que revidou a agressão de um feroz pastor alemão com tamanho soco nas fuças que se esse animal ainda existir, certamente continua ganindo lá pelas bandas de Ponto de Parada. Fernando Mendonça evoca o Gaspar leal de sua única campanha política, a catar e recomendar votos para ele entre seus muitos amigos.
Todos, porém, amigos que cultivou entre os melhores de sua geração, certamente haverão de lembrar do Camarada Gaspar como o amigo leal, o cidadão agindo sempre em defesa dos desvalidos, dos excluídos, dessas esquálidas mãos armadas que um dia lhe tirariam a vida.
Era para esses miseráveis que ele sempre tinha algo a dizer, se irmanar, no permanente exercício da solidariedade construtiva. Não com a hipocrisia dos sepulcros caiados que tentam esconder a cruel realidade de uma sociedade injusta, produto muito mais da impunidade, da falta de limites, como se a barbárie pudesse conviver com a civilização. Mas com a certeza de que só poderemos construir uma sociedade justa e equilibrada quando não houver mais excluídos nas ruas com uma arma na mão e a maldade na cabeça.
Do contrário, sempre haveremos de ter, desgraçadamente, mais excluídos do que amigos, irmãos e camaradas como Gaspar.
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