A cadeira no fundo, rente ao quadro da Santa Ceia, casa dos meus pais, em Afogados da Ingazeira, ficou vazia hoje. Cresci e compreendi o mundo vendo ela ocupada pelo meu pai Gastão Cerquinha. Mas, enquanto a família se reunia mais uma vez, nosso varão, com 100 anos e sete meses, preferiu ficar sozinho em seu quarto, com o corpo bastante debilitado pelo peso da idade.
Minha irmã Ana Regina, a primeira à esquerda na foto, que deixou seus afazeres no Recife para cuidar do nosso pai e mestre, foi logo dizendo: “Esta cadeira vazia me dá um nó na garganta”. Dá em todos nós, Ana, seus nove filhos, resultados do casamento dele com nossa saudosa Margarida Martins, que Deus chamou aos 86 anos, em fevereiro de 2013. Uma ferida que não se cicatriza com nenhum remédio, por maior que seja seu poder bálsamo.
Leia maisNesta sala de jantar, ainda emoldurada por azulejos coloniais, assisti, por muito tempo, em volta desta mesma mesa gigante, almoços e jantares inesquecíveis. De um lado, os dois pombinhos – papai e mamãe. De outro, os nove filhos, netos, bisnetos e agregados que foram aumentando o tamanho da família.
Ouvi minha avó dizer que cadeira de balança embala o sono, mas cadeira esvaziada pela ausência do varão conselheiro nos tira o sono, provoca um imenso vazio, uma saudade sem tamanho. Papai era um gentleman em torno de uma mesa gastronômica. Mais servia aos outros do que saciava a sua fome.
“Beleza, bota mais um pouquinho. Prove isso, prove aquilo”, repetia a ladainha de bom anfitrião, chamando a todos de Beleza. Era um homem carinhoso, jeitoso, adorável. Nasceu para servir, nunca para se servir. Sua felicidade era puxar uma cadeira e sentar-se ao seu lado, para servi-lo de tudo. Aliás, ele empurrava comida nos pratos alheios inadvertidamente.
“Come mais um pouquinho, Beleza,” dizia. Â mesa, papai preservava o cavalheirismo. Para ele, isso era fundamental. Não tenho a menor dúvida: papai também preserva as virtudes de um homem humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças, nem de crenças.
Vi papai chorar pelo que ama e lutar a vida inteira pelo que acreditou. Enquanto o tempo não o levou para a cama, mais ou menos até os 92 anos, foi dono de uma coragem impressionante. Compreendeu os passos da vida e a maneira certa de ensinar o que é viver para seus filhos e descendentes.
Por isso, a cadeira vazia hoje firmou-se como um símbolo marcado pela dor. Sentado nela, por muitos e muitos anos, papai nos ensinou a maneira certa de viver. A cada olhada em nossa direção, seja dando uma garfada ou não na comida, nos seus olhos brilhavam o amor.
O amor pelos filhos, a família e, sobretudo, o amor de saber viver feliz.
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