Por Delmiro Campos*
Esta crônica está distante de qualquer viés político. Ela nasce da paixão de alguém que acompanha o futebol pernambucano desde os anos 90, que há duas décadas estuda o direito desportivo e que, como tantos outros, sente na pele o impacto das decisões que afetam diretamente a essência do nosso esporte.
Escrevo como um simples torcedor apaixonado e preocupado com os rumos do futebol no nosso estado.
A Portaria nº 413 da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, que determina a realização de cinco jogos sem público para Sport e Santa Cruz, é uma decisão que me causa indignação e perplexidade.
Leia maisNão pela intenção declarada de combater a violência — algo que todos nós desejamos —, mas pela forma como foi implementada: sem critério técnico aparente, sem estudos preliminares e com um alcance que prejudica diretamente dois clubes históricos e suas torcidas.
Como justificar uma medida tão drástica direcionada apenas ao Sport e ao Santa Cruz?
Se o objetivo fosse realmente promover a segurança nos estádios, por que não adotar uma abordagem ampla e irrestrita? Todos os demais clubes do estado não possuem sistemas de biometria ou controle de acesso, mas ficaram fora do escopo da portaria. A seletividade é clara e injusta.
Além disso, não há qualquer explicação razoável para o número estipulado de cinco jogos. Qual foi o estudo que indicou esse prazo? Onde estão os dados que comprovam que cinco partidas sem público serão suficientes para resolver um problema tão complexo? A ausência dessas respostas só reforça a sensação de improviso e falta de planejamento.
O impacto financeiro dessa decisão é devastador para os clubes. O Sport vive um momento histórico com seu retorno à Série A, enquanto o Santa Cruz luta bravamente para se reerguer no futebol tendo uma dificílima Série D. Ambos dependem das receitas de bilheteria e da presença da torcida para sobreviver em um cenário econômico já difícil. Quem irá compensar esses prejuízos? Como o governo pretende mitigar as perdas causadas por essa decisão? Pelo visto, essas perguntas sequer foram feitas antes da publicação da portaria.
E há ainda um ponto que não pode ser ignorado: a coincidência temporal entre os jogos com portões fechados e as festividades carnavalescas em Pernambuco.
Durante o Carnaval, milhões de pessoas ocupam as ruas em celebrações marcadas por manifestações culturais e paixões clubísticas. Camisas do Sport, Santa Cruz e Náutico são vistas por toda parte, muitas vezes em meio a brincadeiras sadias, mas também em episódios de violência. Será que veremos medidas semelhantes aplicadas ao Carnaval? Sabemos que não.
A verdade é que a portaria escancara a incapacidade do estado em lidar com a segurança pública nos eventos esportivos.
Não há milagre, sabemos, entretanto é um erro optar por soluções paliativas que penalizam justamente aqueles que fazem do futebol pernambucano um espetáculo — os clubes e seus torcedores.
Como torcedor, fico triste ao ver nosso futebol tratado dessa forma. Como alguém que estuda e atua no direito desportivo há tanto tempo, preocupa-me o precedente perigoso que essa portaria estabelece. Não podemos aceitar que medidas apressadas e desproporcionais sejam tomadas sem diálogo ou fundamentação técnica adequada. O futebol é mais do que um jogo; é parte da nossa cultura, da nossa identidade como povo pernambucano.
Se queremos combater a violência no esporte, precisamos ir além do improviso. Investir em tecnologia nos estádios, criar bancos integrados de dados biométricos dos torcedores, aumentar o efetivo policial especializado em eventos esportivos e educar nossas torcidas são caminhos mais eficazes e justos do que simplesmente fechar os portões para todos.
Que essa portaria seja revista e sirva ao menos para abrir os olhos de todos nós sobre a importância de lutar pelo nosso esporte — dentro e fora dos campos.
*Auditor dos STJD de Futebol e Vôlei, Procurador-geral do STJD do Surfe e ex-Presidente do TJD/PE.
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