Por Marcelo Tognozzi
Colunista do Poder360
De repente estávamos Jana, minha mulher, e eu em lágrimas. Uma emoção boa trazida pelo “Pássaro Branco”, um dos melhores filmes que já vimos. Sara, artista plástica famosa, conta sua história para o neto Julian. Ela é uma sobrevivente da caçada de extermínio promovida pelos nazistas contra os judeus durante a 2ª Guerra Mundial.
Vivia numa cidadezinha no interior da França, distante de todo aquele inferno de bombas, mortes, prisões, fuzilamentos e perseguições. Mas o mal não tem fronteiras e um dia entrou na vida de Sara. Ela fugiu, sobreviveu escondida num celeiro por mais de um ano.
O neto Julian praticara bullying contra um colega da escola e Sara decide contar a ele sobre seu sofrimento. Tinha a mesma idade de Julian e foi salva por um amigo aleijado, contra quem ela mesma praticou bullying. Sua lição foi simples e poderosa: “O ódio começa com palavras”. As palavras, sempre elas, chegam antes das atitudes, da raiva desenfreada, transformada em atrocidades.
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Em novembro de 2023, escrevi neste Poder360 que todas as vezes em que o antissemitismo cresceu, a democracia encolheu. Não mudei de opinião. O péssimo exemplo dado pelo presidente Lula, ao insistir em fazer declarações duras contra Israel e os judeus, remete ao ensinamento do “Pássaro Branco”.
Lula tem simpatia pelo Irã, país que sustenta os grupos terroristas Hamas e Hezbollah na guerra contra Israel. O presidente tem todo o direito de ter suas preferências, mas precisa ter cuidado com o poder das palavras. O Brasil abriga a 2ª maior comunidade judaica da América Latina, com 120 mil almas, perdendo apenas para a Argentina. Tão brasileiros como os cristãos, evangélicos, espíritas, muçulmanos, ateus ou praticantes de religiões de matriz africana. Muitos deles não apoiam o governo de Benjamin Netanyahu, nem a guerra, mas isso é mero detalhe.
Lula critica Israel desde a dura reação ao ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, quando ao menos 1.139 pessoas foram massacradas, boa parte delas jovens desarmados celebrando a paz numa festa ao ar livre. O presidente nunca baixou o tom contra Israel e os judeus, nem quis escutá-los. A Conib (Confederação Israelita do Brasil) pediu diversas vezes audiência ao presidente. Ele jamais recebeu Claudio Lottenberg e seus diretores. Simplesmente ignorou.
As palavras e sua força. Um estudo da Conib sobre antissemitismo no Brasil, mostrou que o país registrou 1.788 relatos de casos de antissemitismo em 2024, representando um aumento de 350% em relação a 2022. O dado mais preocupante, porém, não é só numérico. Ignorar este cenário, incluindo agressões físicas nas ruas, ameaças de extermínio, cartazes exaltando Hitler e explosões de discurso antissemita nas redes, é uma omissão no mínimo perigosa.
A comunidade judaica no Brasil está concentrada nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em Pernambuco, teve papel relevante na cultura, medicina e na história do Recife. É integrada, democrática e pacífica, mas não tem merecido o devido respeito de quem foi eleito para governar para todos.
Enquanto nega audiência à Conib, o presidente mantém como conselheiro e chefe informal da nossa diplomacia o embaixador Celso Amorim, 82 anos, autor do prefácio de um livro que descreve o Hamas, organização considerada terrorista por Estados Unidos, União Europeia e ONU, como “ator político legítimo”. Mesmo depois do massacre de civis israelenses naquele dramático outubro de 2023, Amorim evita classificar o grupo como terrorista e segue alinhado à retórica da esquerda radical europeia, cujo ícone é seu amigo francês Jean-Luc Mélenchon, do partido França Insubmissa.
Amorim pratica diplomacia de importação de conflitos, rompendo a tradição brasileira de neutralidade. O risco é alto e o preço caro. Enquanto estimula o distanciamento dos Estados Unidos e da Otan, aposta num protagonismo do chamado Sul Global e dos Brics.
Nos últimos 120 anos, o Brasil esteve poucas vezes fora da zona de conforto da paz interna e não pode sair por aí comprando brigas dos outros, como faz com o Irã ou a Venezuela. Aonde querem chegar com isso? Como dizia Pepe Mujica, “o ódio acaba nos idiotizando, faz perder a objetividade”.
O embaixador sabe muito bem que a esquerda francesa usou a imigração muçulmana para se fortalecer. Desde Mitterrand, imigrantes oriundos de países muçulmanos, especialmente ex-colônias francesas, passaram a ter direitos, cidadania e voto. Isso explica o amor da esquerda francesa pelo islã e seu discurso de ódio aos judeus disfarçado de solidariedade aos oprimidos, como atesta o professor Pierre André Taguieff, diretor do Centro Nacional de Pesquisas da França, cavaleiro da Legião de Honra e um dos principais filósofos europeus da atualidade.
No seu livro “Antissemitismo”, Taguieff classifica de “antissemitismo progressista” críticas a Israel que, na prática, servem como pretexto para desumanizar judeus e legitimar movimentos violentos. A França, abrigando a maior comunidade judaica da Europa, tem vivido momentos de tensão com ataques a sinagogas e perseguição a pessoas nas ruas.
O estudo da Conib identificou que os picos de postagens antissemitas no Brasil coincidem com falas do presidente Lula: ao comparar a guerra em Gaza com o Holocausto, ao apoiar a ação da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça e ao disseminar dados controversos sobre o conflito. Em janeiro de 2024, 57% das menções on-line sobre o tema tinham caráter antissemita.
Segundo a pesquisa Global 100 da ADL, sigla em inglês da Liga Antidifamação, 41 milhões de brasileiros adultos (26% da população) demonstram crenças antissemitas relevantes. Mais da metade acredita que judeus controlam o mundo dos negócios e 20% os responsabilizam por guerras globais.
Esses estereótipos, reciclados desde o século 19, voltaram a circular. Incrível é que, enquanto o antissemitismo se esparrama pelos corredores do poder em Brasília, dois judeus se destacam pelo silêncio: Roberto Barroso no comando do Supremo e Davi Alcolumbre na presidência do Senado.
Não se trata aqui de mera crítica à política externa ou de julgamentos, mas de fatos. Comparar Israel ao nazismo, relativizar o Hamas e o Hezbollah, silenciar diante da violência antissemita e ignorar a principal entidade judaica do país não são só atitudes diplomáticas: são sinais. Péssimos sinais. Tão ruins como a foto de Lula em Moscou misturado a uma trupe de ditadores decadentes.
A grande lição do “Pássaro Branco” é quando Sara diz a Julian que a verdadeira resistência começa com a coragem de enxergar o que está diante dos olhos, de chamar o mal pelo verdadeiro nome. Aprender a ver com os olhos de Hannah Arendt: “A origem do mal não reside numa malignidade inerente, mas na banalidade”. E jamais esquecer que o ódio começa com as palavras e, delas, o silêncio é cúmplice.
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