O presidente Lula (PT) convocou ao Palácio do Planalto os chefes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Luiz Fernando Corrêa, e da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, para cobrar explicações sobre uma operação de espionagem contra o Paraguai. A reunião foi descrita como tensa.
Lula chamou os dois diretores após uma ação secreta da Abin de hackear autoridades paraguaias de alto escalão em meio a negociações sobre os valores pagos ao país vizinho pela energia da usina de Itaipu ter virado notícia. A informação foi divulgada pelo UOL no fim de março.
A audiência ocorreu no gabinete de Lula depois que o governo já havia emitido uma nota em que atribuía a operação à gestão de Jair Bolsonaro (PL). Segundo relatos, o encontro foi conflituoso e chegou a ser interpretado como uma acareação entre Corrêa e Rodrigues. As informações são da Folha de São Paulo.
Leia mais
Investigadores da PF apontam que a ação de espionagem contra o Paraguai teria continuado durante os primeiros meses do governo Lula, com o conhecimento de Corrêa. A atual direção da Abin, por sua vez, afirma que mandou interromper a operação.
Dentro do governo, Corrêa e Rodrigues são considerados rivais. A principal divergência é o inquérito da PF sobre a chamada “Abin paralela”. O grupo de Corrêa afirma que a investigação tem motivações políticas, enquanto policiais enxergam movimentos do chefe da Abin para obstruir as apurações.
Também participou do encontro com Lula o chefe da Casa Civil, Rui Costa, a quem a Abin está subordinada e a quem o diretor-geral da agência se reporta.
De acordo com relatos, além dos detalhes da suposta espionagem, os diretores da Abin e da PF também discutiram, na presença do presidente e do ministro, o vazamento da operação. A Polícia Federal abriu um inquérito sobre a divulgação das informações.
O hackeamento de autoridades do Paraguai veio à tona a partir do depoimento de um servidor da Abin à PF no âmbito da investigação sobre o aparelhamento da agência no governo Bolsonaro.
Esse inquérito está sob sigilo no STF (Supremo Tribunal Federal). Agentes que acompanham o inquérito apontam que dezenas de pessoas, sobretudo advogados de investigados, tiveram acesso aos depoimentos do caso.
Na reunião com Lula, Andrei Rodrigues teria apresentado elementos que apontam que o ex-número 2 da Abin Alessandro Moretti, demitido em janeiro do ano passado, autorizou a continuidade da operação. Corrêa, segundo os mesmos indícios, teria dado seu aval —como relatou o servidor que depôs à PF.
Na nota que divulgou sobre o episódio, o governo negou as informações do depoente. Afirmou que a ação foi autorizada em junho de 2022 pelo governo Bolsonaro e tornada sem efeito por Moretti em 27 de março de 2023, “tão logo a atual gestão tomou conhecimento do fato”.
“O governo do presidente Lula desmente categoricamente qualquer envolvimento em ação de inteligência, noticiada hoje, contra o Paraguai, país membro do Mercosul com o qual o Brasil mantém relações históricas e uma estreita parceria”, afirmou o Itamaraty.
Para distanciar Corrêa do caso, a nota do Itamaraty afirma que, à época, ele já havia sido indicado pelo presidente para a diretoria-geral da Abin, mas ainda não ocupava o cargo porque seu nome ainda não havia sido aprovado pelo Senado.
Na reunião, Rodrigues teria contestado os termos da nota, que havia sido divulgada pelo Itamaraty com informações fornecidas pelo próprio Corrêa.
Investigadores veem com desconfiança o papel de Corrêa no caso e afirmam haver elementos para demonstrar que ele já dava ordens na Abin antes de ser aprovado pelo Senado.
Corrêa e Moretti prestam depoimento nesta quinta-feira (17). Procurada, a PF afirmou que não se manifestaria sobre os relatos da reunião. A Abin não respondeu até a publicação desta reportagem, assim como o Palácio do Planalto.
A ação contra o Paraguai teria ocorrido meses antes de o governo brasileiro fechar um novo acordo sobre os valores pagos ao país vizinho pela energia vendida ao Brasil, em maio de 2024. A PF abriu inquérito para investigar a operação e o vazamento de dados sigilosos.
A associação que representa os servidores da Abin, a Intelis, divulgou nota na noite de quarta-feira (16) com críticas à PF. O grupo fala em “interesses políticos” e “deslegitimização da inteligência de Estado”.
“É inadmissível e nocivo aos propósitos de uma grande nação como o Brasil que uma campanha de descredibilização do seu serviço de Inteligência seja capitaneada, não por atores estrangeiros adversos, mas por grupos da própria administração pública nacional”, diz a associação.
Leia menos