Por Ivanildo Sampaio*
Do Jornal do Commercio
Li, recentemente, uma entrevista do Rebelo, feita pelo jornalista Magno Martins, e demorei a acreditar naquilo que estava lendo. Até porque antes disso eu cultivava um certo respeito por Aldo Rebelo, pela sua história, sua atividade como líder estudantil, sua “ficha limpa nos cargos públicos que ocupou, enfim: pelo seu comportamento, ao longo de sua vida pública, mesmo testemunhando alguns pequenos atos e ações com os quais não concordava.
O ex-ministro, na entrevista, acusa sem provas a ministra Marina Silva de ser “financiada pelo cartel de ONGs”; faz críticas pelo fato de Marina ter deixado o Acre, onde nasceu, e morar em São Paulo; e disse que a COP30, a ser realizada em Belém, reunindo países de todos os continentes para discutir questões climáticas, é “uma armadilha contra o Brasil”. E outras bobagens que, para quem o conheceu antes, não deixam dúvida agora: ou Rebelo sofre com o peso da idade, ou deixou cair a máscara e revelou sua verdadeira personalidade — a de um político machista, conservador e ultrapassado, que enganou muitos por muito tempo.
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Seus desafetos preferem dizer, em sua biografia, que um fato é inquestionável: Rebelo é um tremendo “pé-frio”. Era ministro do Esporte, com discreta atuação, na gestão de Dilma Rousseff, quando o Brasil foi sede da Copa do Mundo de Futebol, e nossa seleção foi impiedosamente goleada por 7 a 1 pela Alemanha. Fato jamais ocorrido antes nem depois na história do futebol brasileiro.
O ex-ministro Aldo Rebelo, por falta de melhores argumentos, ainda critica Marina Silva por ter deixado o Acre, no extremo Norte, para morar em São Paulo. Esquece Rebelo que ele mesmo também é um migrante, nascido no município de Viçosa, no interior de Alagoas, onde o pai trabalhava como vaqueiro em uma propriedade rural de Teotônio Vilela. E que ele deixou o solo alagoano para morar na mesma São Paulo onde está Marina Silva.
Esquece ainda que foi líder estudantil e membro do Partido Comunista Brasileiro. Mas, quando ministro da Defesa, trabalhou para que a Comissão da Verdade não fosse adiante na luta pela punição dos torturadores do regime militar. Com isso, tornou-se amigo de militares de alta patente. Nunca ficou “sem emprego” desde então. Rebelo merece críticas por isso? Creio que não…
É fácil para políticos de visão curta, ou de fim de carreira, descarregar suas frustrações e limitações nas costas dos mais fracos. Como Marina, coitada, que soma desafetos em sua difícil luta em defesa do meio ambiente. Antes, ela foi humilhada, como mulher e ministra, por alguns políticos da Região Norte, numa sessão do Congresso em que defendiam seus interesses particulares, e não os do País. A ministra, com dignidade, retirou-se do recinto. O presidente Lula ficou calado diante da humilhação à sua ministra.
Fui repórter de campo por muito tempo. Certa vez, para a revista Manchete, que tinha a maior circulação do país, fiz uma longa entrevista com o então governador do Mato Grosso, José Manuel Fontanillas Fragelli, quando aquele estado ainda não havia sido dividido para a criação do Mato Grosso do Sul e do Tocantins. Eu conhecia bem o Mato Grosso, estive lá várias vezes como repórter. Encantava-me aquele mundo verde e virgem, com sua riqueza e seus mistérios.
Na época, alguns parlamentares projetavam a construção de uma rodovia ligando Cuiabá a Porto Velho, cortando parte da Floresta Amazônica. O governador Fragelli se colocou contra. Não era favorável ao projeto, porque cruzaria terras indígenas e desmataria parte da floresta. E, naquela época, pouco se falava de preservação ambiental. Uma visão de estadista, a do governador, visão esta que falta à maioria dos políticos de hoje.
A ministra Marina Silva pode ter seus defeitos — e os tem — mas Aldo Rebelo não tem o direito de acusá-la de receber dinheiro de ONGs sem possuir provas que comprovem as acusações, que são graves. E duvido que o ex-ministro as tenha. Não pode acusar Marina de trabalhar contra o País quando, quase sozinha, ela tenta salvar o que ainda resta de uma Amazônia ameaçada pelas queimadas, pelas ocupações criminosas, pelo garimpo ilegal, pelo tráfico de drogas e pela atuação de alguns políticos corruptos que participam dessas atividades. Não se ouviu, até agora, indignação do ex-ministro Aldo Rebelo contra tudo isso.
Quero deixar claro que não tenho procuração para defender a ministra. Não a conheço pessoalmente; a única vez em que falei com ela, rapidamente, foi num evento em São Paulo, cuja figura central era o então ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, num almoço que reunia a nata do empresariado brasileiro. Eduardo estava no início de sua campanha para disputar a Presidência da República, numa chapa que teria Marina como vice.
O pré-candidato fez uma palestra brilhante, recebeu aplausos de pé por mais de cinco minutos e havia largado bem em seu primeiro contato com a elite empresarial do país. Foi a última vez em que apertei sua mão.
Viajei na mesma semana para fora do país e, de lá, fui impactado pela triste notícia do acidente que o levou. E, com ele, se foi também a candidatura de Marina, que disputaria a vice-presidência em sua chapa. Desde então, ela continuou, quase só, em sua luta em defesa do meio ambiente e da Amazônia, ambos ameaçados e pisoteados no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, cujo ministro responsável pelo setor pregava “a passagem da boiada” para esconder o desmatamento e os crimes ambientais dos quais o país foi vítima.
Esse ex-ministro, certamente, deve ter recebido apoio do também ex-ministro Aldo Rebelo, de quem não se conhece uma única declaração crítica ou ação contrária ao que estava acontecendo no país naqueles tempos tenebrosos. E isso é triste…
*Jornalista
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