Por José Nêumanne Pinto*
A chapa que ganhou a eleição presidencial em segundo turno não pode ser chamada de puro sangue, expressão que define uma legenda só, o Partido dos Trabalhadores. Seu titular, o ex-dirigente sindical Luiz Inácio Lula da Silva, é fundador, filiado e disputou a Presidência seis vezes, tendo perdido uma para Fernando Collor de Mello e duas para Fernando Henrique Cardoso.
Agora venceu a terceira disputa, o que é singular no resto do mundo, mas não no presidencialismo de indulgência plena adotado em emenda constitucional, primeiramente, para garantir a permanência do citado sociólogo, do próprio Lula e de sua candidata, Dilma Rousseff; tendo permitido disputar e ganhar mais uma contra Jair Bolsonaro, que derrotou seu preposto petista, Fernando Haddad, em 2018.
Leia maisAs quatro primeiras vitórias petistas foram compartilhadas com aliados como o empresário mineiro José Alencar, do Partido Republicano Brasileiro (PRB) duas vezes, e pelo político paulista Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com Dilma. Desta vez, o principal líder do partido compôs a chapa com Geraldo Alckmin, o governador de São Paulo que mais governou o Estado, sempre eleito pelo Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) e agora filiado ao Partido Socialista Brasileiro.
Desta vez, o presidente eleito nomeou seu vice para chefiar a transição do desgoverno Bolsonaro para sua gestão num gesto simpático, mas pelo menos até agora apenas simbólico. Até aí morreu Neves, como reza o famoso dito popular de Minas Gerais. Sob a estulta orientação de Aloísio Mercadante Oliva, filho e irmão de general, o candidato e o partido denunciaram o bem-sucedidíssimo Plano Real, que estabilizou a economia brasileira, de ‘estelionato eleitoral’; e abriram uma frente chamada desenvolvimentista contra a mais exitosa revolução social da História brasileira, apelidada por eles de ‘fiscalista’.
Depois da desastrada segunda gestão de Dilma, interrompida na metade pelo impeachment, que levou o vice emedebista ao cargo maior e condenou a política errática, então liderada pelo schollar Guido Mantega, à derrota para o aventureiro de extrema direita Jair Bolsonaro, em 2018, ficou patente a necessidade de mudança das diretrizes econômicas dos petistas. No entanto, o gostinho do mel do poder deixou claro que, como os Bourbons criticados por Richelieu na França, os petistas ‘não esqueceram nada, não aprenderam nada’.
Mesmo com dois membros da equipe de transição que participaram da estabilização da economia saída do desastre Collor e da reformulação imposta por Itamar, que o PT levou ao poder, mas expulsou Luíza Erundina por ter aceitado a secretaria de Administração em seu governo, Lula incluiu na mesma Guido Mantega. Ao contrário deste, Guilherme Mello e Nelson Barbosa, André Lara Rezende e Pérsio Arida contribuíram para a estabilização da moeda, assim como Edmar Bacha, Armínio Fraga e Pedro Malan, que se dirigiram ao presidente eleito depois de tomarem conhecimento de um desastrado pronunciamento dele em Cairo, Egito, onde participou com muito sucesso da abertura da COP-27.
“O teto de gastos”, que não foi obra do time do Plano Real, mas do governo de meio mandato de Temer, segundo eles, ao contrário do que sinalizou o ex-dirigente sindical, “não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social”. Como diria o sábio Nelson Rodrigues, que Lula e sua patota deveriam ler mais para conhecer melhor o Brasil real, diria a respeito da conclusão judiciosa do acadêmico, do ex-presidente do Banco Central e do ex-ministro da Fazenda. Talvez uma dose de remédio para ativar a memória pudesse ser útil no natural estado de euforia em que se encontra o dirigente máximo da esquerda vitoriosa.
Em 2018, uma onda nacional contra a corrupção, crime do qual Lula e seus seguidores foram acusados em processos na Justiça, julgados por dezenas de magistrados e não exclusivamente por Sérgio Moro, como lembrou outra vítima da verrina petista, inspirou o maior erro coletivo de nossa pouco ajuizada republiqueta, ao eleger o capitão-terrorista Jair Bolsonaro.
Pode-se argumentar que, condenado e inabilitado a disputar votos pela lei da ficha limpa, o único documento legal proposto e inspirado pelo povão e não pelas elites congressista, executiva e judiciária, o chefe indiscutível do chamado socialismo no Brasil não pôde evitar a aventura fascistoide a que o País foi submetido. Muita gente, que sentiu na pele e no cérebro o engano de ter acreditado na força das instituições democráticas, levou a democracia brasileira a correr o risco de inspirar o golpismo aventureiro de generais de pijama no leito ou na maca, que ora ainda nos aflige.
A resposta foi fundamental para que o ex-prisioneiro de Curitiba vencesse o terrorista das bombas nos quartéis e no aqueduto do Guandu por 60 a 58 milhões de votos, apesar do uso abusivo de compra do voto com verbas públicas de um surreal orçamento secreto. A diferença curta, mas suficiente, mostra que o País está dividido e é preciso contar com todas as forças disponíveis para fortalecer as instituições democráticas, única fórmula bem-sucedida para deter os delírios cruéis de aventura dos saudosos de Hitler e Mussolini.
Os escolhidos foram Lula e Alckmin e eles precisam governar com a participação e o apoio de uma frente amplíssima, que conte com Simone Tebet, mas não com todo o MDB. O acesso dos democratas em geral e em particular da competência acadêmica demonstrada na prática pelo extermínio da inflação e, no mínimo, do afastamento da corrupção depende da força total representada pela união dos democratas reais.
*Jornalista, escritor e poeta
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