Por Osvaldo Matos Jr*
O que está acontecendo no Brasil precisa ser dito com todas as letras: há, hoje, um movimento claro, articulado e institucional para enfraquecer as Polícias Militares e transferir o poder de polícia ostensiva para as Guardas Municipais — sem planejamento, sem controle e sem a menor preocupação com os pilares que sustentam qualquer força policial séria: hierarquia, disciplina e formação adequada.
A decisão recente do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário 658570/MG), com repercussão geral reconhecida (Tema 1047), que ampliou o poder de polícia das Guardas Municipais, foi o primeiro passo.
Na sequência, surge a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 57/2023), idealizada pelo ministro Ricardo Lewandowski, que avança perigosamente para transformar Guardas Municipais em verdadeiras polícias locais, vinculadas diretamente a prefeitos — muitos deles despreparados, reféns de pressões políticas e sem qualquer histórico de gestão de segurança pública.
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Essa PEC rompe frontalmente com o modelo constitucional de segurança pública previsto no artigo 144 da Constituição Federal, que é claro ao estabelecer as competências das polícias estaduais e das Guardas Municipais:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: […] V – polícias militares, cabendo-lhes a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.”
Transformar Guardas Municipais — originalmente criadas para a proteção de bens, serviços e instalações do município (Art. 144, § 8º) — em polícias ostensivas é, no mínimo, um golpe institucional disfarçado de modernização.
O risco: “Mini PMs” nas mãos de prefeitos
Estamos prestes a assistir ao surgimento de pequenas polícias militares, despadronizadas, fragmentadas e politicamente controladas. Em vez de uma política nacional de segurança pública baseada em planejamento, formação unificada e doutrina consolidada, caminhamos para o caos da segurança municipalizada.
Será que os prefeitos brasileiros — em sua esmagadora maioria, sem qualquer preparo técnico — estão prontos para gerir forças policiais armadas? Quem controlará os abusos? Quem fiscalizará os desvios de conduta? Quem garantirá a disciplina e o respeito à hierarquia?
Essas perguntas ainda não têm resposta. Porque o projeto nunca foi responder a essas perguntas. O projeto sempre foi outro: esvaziar as Polícias Militares estaduais. Reduzir seu poder. Deslegitimar sua atuação. E, futuramente, justificar sua extinção.
Hora de reação
Oficiais e praças das Polícias Militares precisam entender que o jogo não é mais apenas jurídico. É político. E a resposta precisa ser política.
As PMs possuem capilaridade em todos os municípios do Brasil. Possuem força representativa nas Assembleias Legislativas, no Congresso Nacional, nos Conselhos de Segurança, nas associações de classe e — sobretudo — junto à população, que reconhece e respeita o trabalho da polícia ostensiva.
Ficar em silêncio diante desse projeto de desmonte é aceitar ser substituído.
O momento exige mobilização, articulação, pressão institucional e participação ativa no debate público.
Não se trata apenas de defender uma corporação. Trata-se de defender o modelo de segurança pública previsto na Constituição e o direito da população a uma polícia ostensiva profissional, disciplinada, hierarquizada e apartada das disputas políticas locais.
O Brasil não pode correr o risco de trocar a segurança pública por milícias municipais disfarçadas de Guardas.
As guardas devem, sim, existir, receber investimentos e tecnologia para cuidar da ordem pública e da segurança do patrimônio municipal, escolas e unidades de saúde pública — o que já é um grande e essencial trabalho que poderá ajudar em muito no controle e prevenção de crimes. Os Estados Unidos possuem 17 mil policiais entre municipais, estaduais e federais, mas cada uma com jurisdição bem definida e cada um no seu quadrado.
*Empresário; Cientista Social e Político; Publicitário; MBA em Inteligência Competitiva e Planejamento Estratégico; Especialista em Gestão Pública, Marketing, Comércio Exterior, Comunicação Pública e Turismo.
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