Por Rudolfo Lago – Correio da Manhã
Quando era presidente da República, o ex-presidente Fernando Collor costumava sair para correr nos arredores da sua residência em Brasília, a Casa da Dinda, com camisetas que ostentavam frases com as quais passava recados à população. Em uma das últimas vezes em que fez isso, fustigado pelas acusações que pululavam da CPI do PC e que levariam ao seu impeachment, ele foi correr com uma camiseta que dizia: “O Tempo é o Senhor da Razão”.
De fato, tempo parece algo muito relacionado à trajetória de Fernando Collor. Trinta e três anos depois daquele momento, desde a madrugada de sexta-feira (25), Collor está preso. Por ser ex-presidente, ele se encontra numa cela individual na ala especial da Penitenciária Masculina Baldomero Cavalcanti de Oliveira. Sua situação especial lhe permite a regalia da cela individual em um presídio com superlotação, hoje com mais de 400 presos além da sua capacidade máxima.
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Quando sofreu impeachment, em 1992, Collor não foi preso. Naquela ocasião, ao contrário do Senado, que cassou o seu mandato, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou não haver elementos de prova suficientes para a sua condenação. Assim, depois de cumprir os oitos anos de inelegibilidade decorrentes da cassação, Collor voltou a vida política, elegendo-se senador por dois mandatos em 2007.
Além do tempo, outra característica importante da trajetória de Collor é ser o primeiro. Ele foi o primeiro presidente da República eleito pelo voto direto dos eleitores após os mais de vinte anos de ditadura militar. Em 1989, Collor recebeu no segundo turno 35 milhões de votos, e venceu seu adversário, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foram dois anos de presidência extremamente conturbada, marcada por episódios como o confisco das contas bancárias de todos os brasileiros no malfadado plano Collor. E por pesadas disputas políticas e familiares. Que culminaram a com a denúncia, feita pelo seu próprio irmão, de que havia um esquema de corrupção em seu governo, comandado pelo tesoureiro da sua campanha, Paulo Cesar Farias, conhecido como PC. As denúncias resultaram na convocação da CPI do PC, que deslindou o esquema, levando o Senado a julgar Collor, cassando o seu mandato.
De primeiro presidente eleito pelo voto direto, Collor tornava-se, assim, o primeiro presidente da República deposto por um processo de impeachment.
A condenação decorrente da prisão agora acrescenta a terceira condição de primeiro na trajetória de Collor. Como já tinha antecipado o Correio da Manhã, caso venha a ser condenado ao final do processo que responde por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro não será o primeiro ex-presidente condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa prerrogativa é de Fernando Collor. Lula, também ex-presidente, foi condenado pela Justiça comum, no caso pelo ex-juiz e hoje senador pelo Paraná Sergio Moro (União-PR), condenação depois anulada pela Justiça por conta do entendimento de que teria havido conluio entre Moro e procuradores para a condenação.
A condenação de Collor pelo STF decorreu do fato de seu processo ter se iniciado quando era senador. No caso, pode entrar no seu currículo um “último” em vez de primeiro. Ele pode ser um dos últimos presos como decorrências investigações da Operação Lava Jato. Como seu processo sempre correu no Supremo, por conta do foro especial, com relação a ele não foram identificados os vícios que anularam as condenações que aconteceram no Paraná com Moro e os procuradores.
Collor foi condenado a oito anos e dez meses de prisão por um esquema de corrupção descoberto no âmbito da investigação na BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Segundo a acusação, ele teria poder político, com indicações, de interferir na troca de bandeiras de postos de combustível. E, por essa interferência, teria recebido R$ 20 milhões de propina entre 2010 e 2014. Seu envolvimento surgiu a partir da delação premiada feita pelo ex-presidente da empreiteira UTC Ricardo Pessoa. E confirmada com outras provas e documentos.
Novamente, o tempo é a razão pela qual Collor só veio a ser preso agora. O STF determinou a sua condenação em agosto de 2023. E, desde então, ele vinha conseguindo protelar o momento da decisão, com recursos e embargos.
O último desses recursos foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes na sexta-feira. No recurso, os advogados de Collor argumentavam que a pena imposta a ele seria maior do que a média dos votos dados pelos ministros. Queriam que a pena fosse imposta a partir das posições dos ministros que tinham considerado punição mais leve, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça. O STF já tinha negado um recurso no mesmo sentido. Os advogados entraram com um embargo. Moraes considerou que o novo recurso tinha “intenção procrastinatória” e o negou. Como era o último recurso possível, ele determinou a prisão de Collor.
A decisão de Moraes ainda precisa ser referendada pelos demais ministros. Na mesma sexta-feira, tal julgamento começou no plenário virtual. Num primeiro momento, Gilmar Mendes, que tinha votado por uma pena menor, quis levar o julgamento para o plenário físico. Como, porém, já havia maioria pela decisão de Moraes (com quatro votos: além de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Flávio Dino), ele recuou. O julgamento, então prosseguirá nesta segunda-feira (28) pelo plenário virtual.
A decisão de Moraes determina que a prisão acontecesse mesmo antes de os demais ministros manifestarem seus votos. Mesmo já com a maioria, não se pode afirmar agora por quanto tempo o ex-presidente ficará preso. Collor tem 75 anos, e seus advogados alegaram que ele teria problemas de saúde, como doença de Parkinson, apneia do sono e transtorno afetivo bipolar. Mas, curiosamente, na audiência de custódia, Collor negou ter qualquer doença ou tomar qualquer remédio.
A decisão sobre seu destino prossegue. O tempo será o senhor da razão.
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