Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay*
“Existe nua
Aristofânica
Lisistrata divina
Beijo teu lábio menor
Beijo teu lábio maior
Beijo teu delta
Depilado a lamparina…”
Leão de Formosa, poema Erótica Menor Entre Nuvens
Em homenagem ao grande Ziraldo, conto de novo uma pequena história. Eu morava no interior de Minas e tinha um tio que era um poeta de primeira grandeza. Ele havia sofrido um acidente de carro, quando moço, e lhe faltava o osso frontal, da testa. Era um buraco do qual pareciam sair versos em profusão. Madrugadas a fio, ele andava pelas ruas de Patos de Minas com um livro enfiado na calça. À época, muita gente portava revólveres dessa maneira. A arma dele era a poesia e, muitas vezes, o improviso. Que tanto poderia ser em um guardanapo de bar, ou simplesmente falado ao vento. Um apaixonado pelas mulheres e pela beleza, passou a vida a cantar o amor sempre com muito humor e irreverência.
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Mais de uma vez, queixou-se que era triste não ter leitores para criticar sua poesia. Gostava de brincar que eu lia tudo dele, assim como outros poucos em Patos de Minas, mas nenhum com capacidade de análise crítica. E ele tinha razão.
Certa vez, estava no Rio de Janeiro lendo o Caderno B do Jornal do Brasil e tinha uma entrevista do Affonso Romanno de Sant’Anna. Perguntaram a ele: “Hoje em dia, para você, qual o maior poeta brasileiro?”. Ele respondeu que era impossível saber, mas que o Ziraldo tinha mostrado uns poemas de um poeta inédito do interior de Minas Gerais e que ele não entendia como uma pessoa poderia escrever tão bem longe do mar. E citou o poeta Leão de Formosa. Emocionei-me e liguei para meu tio. Ele, de tão feliz, chegou a ter um pequeno AVC ao ouvir a história. Era o Ziraldo com sua generosidade ajudando um poeta a sair da sombra.
Esse impulso ajudou o velho Leão de Formosa a publicar seu primeiro livro: “Cidadela da Rosa: com fissão da flor.” Logo após o lançamento, a cidade resolveu fazer uma homenagem e, mais uma vez, Ziraldo foi generoso comparecendo ao Caiçaras Country Clube para festejar com meu tio o nascimento do livro. Ao entrar no salão com seu colete verde, foi uma verdadeira comoção. Tranquilo e gentil. Além de falar com todos e ler algumas poesias do Leão de Formosa, ainda fez um discurso emocionante.
A figura do Ziraldo era muito marcante. Para os que tiveram o privilégio de conviver com ele no dia a dia, talvez essa mítica tenha se perdido um pouco. Mas para nós, do interior de Minas, aquelas sobrancelhas, os cabelos revoltos, a voz grave e o sorriso inconfundível eram marcas que nos encantavam. Lembro-me de que fiz um discurso, na ocasião, em homenagem ao meu velho tio, mas minha vontade era falar do Ziraldo.
Não tive a sorte de privar da sua intimidade e amizade, porém, ao longo da vida, esbarramo-nos algumas vezes. Quando o corajoso e visionário Catito reabriu o Jornal do Brasil, em fevereiro de 2018, ele convidou 100 pessoas para escrever os artigos de reinauguração. O que escrevi foi ilustrado com uma charge do Ziraldo que havia sido publicada originalmente em 1988. E eu guardo-o emoldurado com um “Viva o Dr. Kakay!” assinado por ele. Ainda me recordo de recitarmos juntos poesias do Leão de Formosa no Bar da Lagoa.
Escrevo sobre isso para registrar a importância dos nossos artistas. Nas mais diversas áreas. Quem deve exaltar o poeta, o escritor, o chargista, o cartunista, o dramaturgo, o desenhista, o humorista, o caricaturista, o pintor, o jornalista, enfim, o nosso Ziraldo, não obrigatoriamente têm que ser os intelectuais. Somos nós, a quem ele emocionou ao longo da vida, com as lições do Menino Maluquinho: “E foi aí que todo mundo descobriu que ele não tinha sido um menino maluquinho, ele tinha sido era um menino feliz”.
*Advogado criminalista
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