Antes mesmo do surgimento do conceito de cidades globais no início dos anos 80, para designar as metrópoles mundiais com grande poder de influência econômica e cultural em todo o mundo, restou provado, pelo menos no Brasil, que as cidades não vêm cumprindo a sua função precípua, que é cuidar e oferecer bem estar para para todos os cidadãos. A julgar pelas condições em que vive a ampla maioria da nossa população trabalhadora, Fortaleza é um exemplo pronto e acabado de que não vem cumprindo essa função! Ao contrário, maltrata o cidadão pobre, pois não cuida das crianças e abandona seus idosos. Um bom exemplo é o aumento da quantidade de moradores de rua. A propósito, algum dos candidatos(as) sabe qual o tamanho dessa população?
Com todas essas mazelas, ainda assim é considerada um bela urbe com quase três milhões de habitantes, banhada por verdes mares, com lindas praias de extensas faixas de areia branca, adornadas por jangadas com suas velas coloridas, e do que restou dos outrora vastos coqueirais, onde sopram ventos constantes que desalinham os cabelos das suas belas mulheres, tornando-as ainda mais exuberantes e sensuais!
Pelas jangadas a vela que zarpam o ano inteiro da praia de Mucuripe, sob o sol e a lua, Fagner, Belchior, Ednardo, Fausto Nilo, dentre outros, navegaram milhas e milhas de poesias e letras de belas canções, realçando suas belezas. Bem antes, José de Alencar entalhara uma Iracema com seus lábios de mel, em um cenário de litoral, serras e sertão literário, revelando o talento criativo, a cultura, e a Fortaleza de sua gente, nascida e/ou acolhida por essa cidade.
Sua moderna arquitetura exibida pelos luxuosos centros de consumo e pelas ricas áreas residenciais, somada às suas exuberantes belezas generosamente dadas pela natureza, fazem com que muitos finjam desconhecer a existência de uma outra cidade, densamente ocupada pela população trabalhadora, ironicamente só lembrada em períodos de eleição. Está bem perto de voltar a ser lembrada pelos pretensos ‘soberanos’.
Nessa cidade historicamente “invisível”, georreferenciada por milhões de CEPs, discriminados por gênero, raça, cor, e orientação sexual, disfarçadamente apelidada pela elite dirigente de cidade oeste – sinônimo de pobreza, miséria, e abandono, cinicamente seus mandarins insistem na vã tentativa de desconhecer e esconder suas extensas áreas degradadas onde os serviços básicos de saúde, segurança, saneamento e limpeza urbana não chegam. Mas sobram violência e esgotos a céu aberto, onde crianças brincam em meio a lama junto aos porcos, por entre as estreitas ruas e vielas.
Paradoxalmente, através do Hub aéreo e de cabos submarinos, estendidos aos vários continentes, essa cidade pretensamente moderna se conecta ao mundo, transformando-se em uma aldeia global mcluhaniana, criando, pelo menos na aparência, a imagem de metrópole cosmopolita, economicamente desenvolvida, ao tempo em que, pela aguda pobreza e desigualdades que afloram dos guetos, onde moram os invisíveis e segregados da maioria dos seus cidadãos, se revela uma urbe paupérrima, socialmente injusta e ambientalmente degradada.
Aqui eclode o apartheid racial, econômico e social que persiste e resiste no tempo, com múltiplas evidências, não só do descaso do poder público, como também pelo preconceito, discriminação e racismo estrutural de parte de uma elite “neo-insensata”, cuja ação dos gestores, no decurso da história, teima em não priorizar políticas efetivas de inclusão para as pessoas mais pobres, em acelerada pauperização, decorrência do agudo agravamento das condições econômicas no pós-pandemia.
O mais preocupante, para não dizer trágico, é que quando se examina o cenário de curto e médio prazos, com base no debate em curso pelos grupos de poder e seus pré-candidatos em disputa pela indicação para as próximas eleições, o que se observa é apenas uma paranóia pelo poder nos vários partidos para escolher aquele que será o ‘soberano’, e um silêncio obsequioso em relação aos gravíssimos problemas da cidade, conforme mencionados.
Diante dessa obscena conjuntura, referenciado nos nomes de maior visibilidade que diariamente ocupam os espaços midiáticos, não é pessimismo afirmar que não podemos esperar mais do que as já conhecidas e mofadas ideias, defasadas no tempo, não oferecendo qualquer perspectiva de mudança para reversão dessa vergonhosa e perversa realidade.
Nesta perspectiva, é imperioso que façamos um exercício de abstração das graves preocupações que nos afligem no dia a dia, olhar um pouco para as ideias e as promessas feitas pelos candidatos em eleições passadas, fazer o resgate dessa memória, para que assim estabeleçamos uma análise comparativa com o que está por vir, e não incorrermos em erros de escolhas prejudiciais à cidade, não só para prefeitura, mas especialmente para vereadores que vão compor a Câmara Municipal, a expressão maior da representação política da cidade.
A loira e desposada do Sol, de Francisco de Paula Ney, precisa e merece ser melhor cuidada, e assim oferecer condições de vida digna para todos. Cuidar das pessoas é o grande desafio que está posto.
Nesse contexto, a reflexão que se impõe sobre os graves problemas econômicos e sociais que enfrentamos – e que deverão se agudizar ainda mais ante a realidade econômica do País, o desemprego eclode com maior evidência, e reclama por uma ação imediata para atenuar os seus efeitos. A propósito, não é demais perguntar: algum candidato ou candidata saberia informar o número de pessoas desempregadas em nossa cidade? O desemprego, de tão grave e urgente, está a exigir uma inadiável ação de geração de trabalho e renda para esse estrato da população.
Aqui o objetivo é sugerir aos futuros candidatos, que debatam e ofereçam ideias e propostas em seus programas de governo, assim como no horário eleitoral e pelas mídias sociais, de como pretendem enfrentá-lo. Estamos sugerindo que apresentem modelos de soluções exequíveis e eficazes, fundamentadas e justificadas, e não promessas vazias como é da tradição que conforma essa cultura política malsã.
No contexto da multidimensionalidade da pobreza e das desigualdades sociais, gostaria de indagar: qual das candidatas (os) saberia informar o índice de pessoas vivendo na extrema pobreza em nossa cidade? Se não souberem, sugiro procurar os pesquisadores do laboratório de estudos da pobreza-LEP/CAEN/UFC, onde encontrarão vários estudos sobre essa trágica realidade.
De tão grave esse problema, é imperioso que os ‘soberanos’(as), ungidos pelos seus partidos, não se conformem apenas em acudir a essas pessoas através das políticas de renda mínima do governo federal (bolsa família) e façam propostas de políticas complementares que permitam a essa população construir seus próprios meios de sobrevivência e independência.
Considerando a magnitude e sua complexidade, as políticas pensadas com esse objetivo devem ser consoante com as condições econômico-financeiras da Prefeitura, pois é de conhecença que uma política pública, para ser viável e ter efetividade, tem que responder a pelo menos quatro indagações: quais são as evidências que justificam sua estruturação, quanto custa, qual a fonte dos recursos, e quem vai pagar? Uma ação com essa importância e alcance social, não se resolve com promessas genéricas, sem qualquer fundamentação como historicamente se observa em períodos eleitorais.
*Jornalista, sociólogo e doutor em Ciências Políticas
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