Dois profissionais com a mesma idade e perfil. Um negro e um branco. Um homem e uma mulher. Na disputa por uma vaga ou promoção, quem tem mais chances no Brasil? Não é preciso recorrer às estatísticas para responder a essa pergunta, mas o economista Gustavo Gonzaga, da PUC-Rio, foi aos números. Cruzou dados e concluiu que um trabalhador negro ganha cerca de 30% menos que um branco na mesma faixa etária, com igual qualificação e moradia na mesma região.
O estudo usa dados de 2019 e exclui a deterioração do mercado de trabalho na pandemia. Para uma mulher negra, a barreira é dupla: elas eram apenas 10,6% do quadro funcional das 500 maiores empresas do país em 2015, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). As informações são do O Globo.
Leia maisMulheres e negros são mais da metade da população brasileira, mas seguem sub-representados no mercado de trabalho, particularmente nos núcleos de decisão das grandes companhias, onde estão os melhores salários. Nos últimos anos, essas duas maiorias minorizadas no Brasil vêm conquistando uma ascensão lenta. Em 2012, somente 4,1% dos pretos ocupavam postos de gerência, segundo o IBGE. Em 2021, o quadro não era muito diferente: 4,2%. A proporção de mulheres subiu de 9% para 13,6%, entre 2003 e 2015, de acordo com o IBGC.
Os números não mentem: ainda há um longo caminho rumo à igualdade de oportunidades no trabalho. As mulheres já são, em quase todas as faixas etárias, mais escolarizadas que os homens. As cotas ampliaram o acesso de pretos e pardos às universidades públicas, mas esses avanços ainda não se refletem nas empresas. O baixo crescimento da economia na última década, agravado pela pandemia, dificulta ainda mais a redução do fosso estrutural do Brasil. Por outro lado, pressionadas por ativistas, trabalhadores, investidores e consumidores, mais empresas assumem compromissos com a diversidade e descobrem seu valor nos negócios.
Renda é termômetro
A renda é o principal termômetro da distância entre brancos e negros no país. Em 2021, o rendimento médio por hora dos ocupados brancos (de R$ 19) era quase o dobro do de pretos (R$ 10,90) e pardos (R$ 11,30), de acordo com o IBGE. Apesar de somarem 56% da população, pretos e pardos ocupam 29,5% dos cargos gerenciais. O cenário era praticamente o mesmo há dez anos, quando brancos tinham 69,6% dos postos de liderança média. Pretos e pardos, 29,1%.
— É quase uma década perdida. As minorias continuaram a ter dificuldade de se inserir no mercado de trabalho — diz Gonzaga, para quem o passado escravocrata e o acesso desigual à educação formaram uma barreira estrutural difícil de ser rompida. — As cotas são bem-vindas, mas a questão é a qualidade da escola pública básica e fundamental, onde está a maior parte dos estudantes negros, que já têm pais com menos escolaridade.
Na radiografia feita pelo IBGC em 2015, apenas 12% das empresas disseram ter alguma política de promoção de igualdade de oportunidades entre etnias, tema ainda mais negligenciado que a equidade de gênero, para a qual 28% tinham alguma iniciativa.
CEO da Gestão Kairós, Liliane Rocha pertence ao grupo restrito de mulheres negras no topo. Elas comandam hoje só 2,6% das empresas no Brasil, pelas estimativas da consultoria que Liliane dirige e que ajuda grandes companhias a traçar estratégias para aumentar a diversidade em seus quadros. Única no mestrado, exceção na sala do MBA, ela também sempre foi uma das poucas mulheres negras nas organizações em que trabalhou. Para a consultora, o avanço é lento porque as empresas não têm metas, orçamento, gestão e equipes dedicadas ao que deveria ser uma prioridade:
— No melhor dos casos, (as empresas) acham que é um tema orgânico: “não preciso de ação afirmativa, nem fazer gestão porque esse tema caminha naturalmente”. Mas, no Brasil, sabemos que não.
Apesar do que falta, Liliane vê as empresas como o principal motor da remoção de barreiras sociais no país, com maior capacidade de acelerar resultados hoje que poder público e movimentos sociais.
— As empresas trazem velocidade e ritmo para as mudanças. Quando tivermos proporcionalidade e representatividade, e, portanto, acesso ao mercado, à renda e à tomada de decisão, a estrutura da sociedade muda — acredita.
Falta ‘quem indica’
A pandemia afetou, em particular, o trabalho das mulheres. No terceiro trimestre de 2020, a fatia que participava do mercado de trabalho (ocupadas ou desempregadas) caiu a 47,3%, a menor taxa trimestral em dez anos. Com maior escolarização que os homens, ao participar menos do mercado de trabalho, elas são um potencial produtivo desperdiçado. A taxa de desemprego feminina bateu 18,5% no primeiro trimestre de 2021, a maior desde 2012. A dos homens ficou em 12,9%.
— A pandemia foi um choque para os menos qualificados e não sabemos onde vai dar a rearrumação do mercado de trabalho — diz a economista Sonia Rocha, especialista em pobreza, que vê com preocupação a precarização do trabalho em ocupações substitutas, como a venda de comida pronta.
Sonia ressalta que, apesar do aumento dos anos de estudo, a conquista dos melhores empregos envolve mais qualidade da educação. Passa também, diz ela, por melhorar a inserção hoje desvantajosa de minorias que não contam com o “quem indica” numa seleção. Luana Génot, diretora-executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), concorda:
— A contratação das 500 maiores empresas ainda é muito balizada na pessoa que estudou com a outra, geralmente outra pessoa branca.
Para Luana, as empresas precisam mudar o olhar na hora de recrutar para não perderem talentos. Ela sugere que profissionais negros direcionem suas carreiras para companhias mais proativas em diversidade, e aponta as de tecnologia como mais atentas e transparentes nessa área.
Um dos maiores desafios da diversidade no ambiente corporativo é chegar ao andar de cima. A liderança média, em geral branca, ainda tem dificuldade de ver a conexão do assunto com resultados para o negócio. Especialista sênior da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para diversidade, Stefan Tromel é cauteloso ao comparar o estágio atual do Brasil ao de outros países. Autor de um estudo sobre o tema, ele considera que empresas de todo o mundo carecem de indicadores de monitoramento nessa área:
— Pode-se mensurar diversidade em termos de composição de staff, mas a inclusão é mais desafiadora. É preciso avançar em indicadores de qualidade da diversidade e inclusão e medir o progresso.
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