“Só duas siglas pegaram neste País: JK e ACM”, costumava repetir, em tom revelador da sua arrogância e petulância. Ele dizia também que era regido na política por uma cartilha na arena política. “A primeira regra da boa briga é escolher o adversário certo”, ensinou, acrescentando: “Tenho amigos bons e ruins, mas só governo com os bons”. ACM governou três vezes a Bahia.
No primeiro governo foi eleito por via indireta – em plena ditadura militar – pelos deputados estaduais, representando a ARENA (partido do Regime), já vindo de uma administração na Prefeitura de Salvador, onde arregimentara poderes que o capacitaram a receber o apoio total do sistema. Pela Bahia foi eleito ainda senador e acumulou muito poder, chegando à Presidência da Casa, tendo antes sido ministro das Comunicações no Governo Sarney.
Em 2001, na condição de presidente do Senado, renunciou ao mandato envolvido no chamado escândalo do painel, uma fraude na qual se descobriu lista dos que votaram, em sessão secreta, a favor da cassação do então senador Luiz Estevão (PMDB-DF). Na Câmara dos Deputados, protagonizou um dos episódios mais tensos da história política brasileira, numa briga com o então deputado e adversário Tenório Cavalcanti.
Cavalcanti, ainda no mandato de deputado federal, discursava na Câmara dos Deputados acusando o então presidente do Banco do Brasil, Clemente Mariani, de desvio de verbas. Antônio Carlos Magalhães, então deputado e baiano como Mariani, defendeu o conterrâneo respondendo: “Vossa excelência pode dizer isso e mais coisas, mas na verdade o que vossa excelência é mesmo, é um protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão.”
Tenório Cavalcanti, então, sacou o seu revólver e berrou: “Vai morrer agora mesmo!”. Alguns parlamentares correram para tentar impedir o assassinato enquanto outros fugiram do plenário. Antônio Carlos Magalhães, tremendo de medo, teve uma incontinência urinária. Mesmo assim, gritava: “Atira.” Tenório, por fim, resolveu não atirar. Rindo da situação em que ACM se encontrava, recolheu o revólver, dizendo que “só matava homem”.
“Nunca usei arma em toda a minha vida. Atirei uma única vez, no interior, para treinar e tomei medo. É uma sensação péssima. Dá um susto enorme. Você toma mais susto do que o possível adversário”, confessou, mais tarde, numa entrevista ao Globo, a velha raposa baiana. O tempo passou, mas não mudou o estilo agressivo de ACM.
Irado com o então presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), um dos políticos mais próximos a Marco Maciel, por quem foi indicado para ministro da Educação em seu lugar, quando remanejado para a Casa Civil por Sarney, Antônio Carlos Magalhães, num bate boca da tribuna do Senado, acusou o senador catarinense de roubar recursos do PFL quando presidente do partido.
Para formalizar a acusação, ACM protocolou requerimento na Executiva Nacional pedindo informações urgentes sobre a arrecadação e a utilização desses recursos pela direção do PFL. “Você vai ter de prestar contas do dinheiro que vocês estão roubando do partido”, disse ACM para Bornhausen, numa discussão presenciada por poucos senadores na sala da Comissão de Constituição e Justiça, antes de começar a reunião que votaria a reforma da Previdência.
A crise incendiou o PFL. Isso se deu no Governo Fernando Henrique Cardoso, quando Maciel era vice-presidente e do seu gabinete apagava os incêndios do partido e também convencia senadores e deputados a votarem a favor dos projetos de interesse da gestão liberal. Às turras com ACM, Bornhausen se licenciou da presidência do PFL e abriu um processo de expulsão de ACM do partido.
Na época, o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ) disse que a declaração de ACM acusando o presidente do partido de roubo incomodou a todos e ele próprio se sentiu atingido por ser membro da Executiva do partido. “Quando diz que há roubo no partido eu me sinto atingido porque sou da Executiva, afirmou Maia.
Para contestar as afirmações do senador baiano, o ex-deputado Saulo Queiroz apresentou as contas do partido, cerca de R$ 15 milhões, a maior parte oriunda do Fundo Partidário e o caso foi levado aos integrantes do diretório nacional.
“Quero lhe dizer que este partido está muito mal comandado e precisa acabar a panelinha de quem não tem voto mandar no partido. Eu tenho bancada, votos e não fui derrotado”, completou o baiano.
Bornhausen teria respondido no mesmo tom, mas no fim do dia preferiu não fazer comentários sobre a divergência pública com ACM. Bornhausen ainda tentou botar panos quentes na polêmica, afirmando através de assessores que tratava-se de uma questão interna do partido e garantiu que o requerimento de ACM “será respondido com todas as informações solicitadas à tesouraria do PFL e demais órgãos competentes”.
Mais uma vez, o bombeiro Marco Maciel apagou as chamas. “ACM só não foi expulso porque Maciel, depois de promover um jantar pacificador no Palácio Jaburu, convenceu o senador baiano a fazer uma carta pedindo desculpas a Bornhausen”, relata o ex-deputado goiano Vilmar Rocha. Segundo ele, Maciel tinha uma enorme tolerância e paciência para conviver com Antônio Carlos no PFL.
“Eles eram água e óleo, que não se misturam. ACM aprontava e Maciel pacificava. ACM só não brigou e teve problema mais grave com Maciel, porque ele (MM) moderava, diferente do Jorge, que chegou à exaustão na relação com o político baiano”, acrescenta Rocha. Entre os maiores legados de Marco Maciel, segundo o político goiano, foi a sua enorme capacidade de conciliar.
“Ele era o fio da união do PFL, pacificou o partido no momento mais crucial”, reconhece, reportando-se ao episódio da tentativa de expulsão de ACM.
“Marco Maciel, além de debelar a crise, arrancou de ACM uma carta se desculpando com Bornhausen.
Bornhausen tinha maioria folgada para expulsar ACM. Dos 24 votos do comando partidário, contava com o apoio de 22 dirigentes, mas preferiu não bater chapa e o senador Antonio Carlos achou ótimo. “Não era vantagem para o PFL massacrar um dos seus principais líderes”, disse o então senador José Jorge, integrante do grupo macielista.
Dentro do partido, Maciel e ACM travaram batalhas históricas, sempre com vantagem para o pernambucano. Os primeiros enfrentamentos entre os dois caciques datam da fundação da Frente Liberal. Criado em 1985, por dissidentes do PDS para apoiar a candidatura de Tancredo Neves (PMDB) à Presidência da República no Colégio Eleitoral contra Paulo Maluf (PDS), o grupo foi idealizado por Marco Maciel e, somente depois de algum tempo, receberia a adesão de ACM.
O que não evitou que o então deputado federal baiano já chegasse disposto a brigar pelo comando, então nas mãos de Maciel e do senador catarinense Jorge Bornhausen. Os dois, aliás, se tornariam adversários do baiano dentro partido para sempre. Na escolha do candidato a vice-presidente na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), vaga destinada ao PFL, Maciel indicou José Jorge, enquanto ACM defendeu o potiguar José Agripino Maia. Após várias manobras – inclusive, a marcação de cédulas da votação – o senador foi derrotado mais uma vez.
No início do primeiro governo Lula, quando o PFL se armava para despontar na oposição, ACM detinha o comando de 22 dos 65 deputados federais da legenda, e decidiu acatar pleitos do Palácio do Planalto. Novamente se viu acuado pelo grupo de Maciel, que na eleição do novo diretório nacional, derrotaram ACM no seu propósito de abrir uma interlocução com o Governo do PT. “Eu sou a ala petista do PFL, mas há também uma ala pefelista do PT”, chegou a pregar ACM, mas sem eco dentro do partido.
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