O que seria um marco na era Marco Maciel, Projeto Asa Branca desmoronou e não perenizou rios sertanejos

“Louvado seja Deus/Abençoada a canção/Louvado seja o homem/Que dá água para o Sertão”, cantou Luiz Gonzaga, ao celebrar a iniciativa do então governador Marco Maciel no ano de 1980, ao criar o projeto Asa Branca, voltado para perenização dos rios sertanejos. Inspirado numa canção de Gonzagão, que fala do pássaro símbolo do Sertão tangido pela seca, o projeto era ambicioso.

A meta hídrica previa a perenização de inúmeros rios, com a utilização de águas acumuladas em reservatórios reguladores, distribuídas em sucessivas barragens, utilizando, inclusive, águas do Rio São Francisco. O Projeto Asa Branca envolvia, ainda, a perfuração de milhares de poços para uso humano e animal, impermeabilização de barreiros, construção de adutoras e a recuperação de barragens, entre outras ações. 

Em geral, as intenções do projeto visavam ajustar as metas de vários órgãos do Governo a seus objetivos, como no caso da construção de estradas e eletrificação rural. Muitas das obras relacionadas pelo projeto foram concluídas, mas quase metade das barragens sucessivas foram danificadas ou destruídas completamente em 1981, depois de chuvas intensas. 

Essa fragilidade deveu-se, também, segundo estudo do Condepe, à rapidez da construção das barragens, com obras iniciadas antes mesmo da entrega dos projetos executivos. Resultado: grande parte estourou. Foi embora um sonho. O projeto ganhou a marca do improviso, as barragens ficaram conhecidas como obras com cara de Sonrisal, que logo se dissolve. 

Mas Luiz Gonzaga ainda fez a música Projeto Asa Branca, contando os feitos de Marco Maciel. “Bendito foi o momento/De divina inspiração/Quando feita a conclusão/De um grande planejamento/Dia onze de dezembro/Do ano setenta e nove/Vem à tona e se promove/Uma ideia rica e franca/ Marco Antônio Maciel/Criou o Projeto Asa Branca”.

A própria música lembra que o lançamento do projeto foi feito na cidade de Salgueiro em 21 de março de 1980. “Maciel num tempo escasso/Prevendo a seca cruenta/Na cidade de Salgueiro/Promoveu o lançamento/Para o engrandecimento/Da terra em sua mensagem/Consagrou esse projeto/ Pra salvação da estiagem”.

O desejo de Gonzagão e de milhares de sertanejos, como ele, que era de Exu, não se concretizou. A perenização dos rios não foi alavancada pelo Projeto Asa Branca. Segundo ainda o estudo do Condepe, na elaboração dos projetos foram utilizados dados de cheias vintenárias, quando o pico de cheia mínimo normalmente utilizado deveria ser o da cheia centenária. 

“Outro fator que talvez tenha contribuído para a pouca segurança das obras foi a concepção única de um tipo de barragem para todos os vales, quando se sabe que cada vale tem características diferentes”, relata o documento. Nos vales da região sertaneja, conforme o estudo indica, as obras foram de baixa qualidade. No Vale do Pajeú, as chuvas que caíram em 1981, um ano após as primeiras barragens, avariaram, não ficando uma intacta. 

No Vale do Navio registraram-se danos de pequeno e grande porte, em quase todas. “Uma, em particular, merece transcrição do documento: foi constatado um caso de incoerência de locação na Barragem Caiçara, pois a mesma fora implantada em margens aluvionais e, quando se deu a cheia houve sua destruição total”, acrescenta o Condepe.

No Vale da Terra Nova, as barragens resistiram bem, com poucos danos, mas em agosto de 1982, o nível de água da barragem mãe baixou consideravelmente, levando produtores situados à jusante a serrar a descarga de fundo para que a água fluísse para as barragens menores. “Esse episódio demonstrou que o objetivo, de perenização dos rios, não havia sido atingido. Nos outros vales, os danos foram menores, em parte, porque as cheias, que os atingiram, em 1981, também foram menores”, descreve o documento.

Os estudos sobre a potencialidade dos solos irrigáveis também foram inadequados e superficiais por dois motivos, segundo o Condepe: consideraram apenas uma faixa de 5 km, de cada lado dos rios, e generalizaram os resultados obtidos apenas em algumas bacias para todas, ignorando as particularidades de cada uma, como já ocorrera em relação às barragens. 

“O mais interessante diz respeito ao consumo hídrico programado, que deveria ficar entre 7.500 e 15.000 m3/ha, quando a maioria dos vales não tinha capacidade de reter água suficiente para suprir tal demanda. A questão da qualidade da água, sobretudo em relação a salinização do solo, foi praticamente deixada de lado, o que tecnicamente não tem explicação, desde que é por demais conhecido ser esse um dos grandes problemas do semiárido.

Por sua vez, as obras de eletrificação, também inseridas nas metas do Projeto Asa Branca, não se adequaram aos projetos de irrigação, porque as redes implantadas não eram contínuas em relação ao eixo dos rios e, portanto, aos solos irrigáveis. Quanto às estradas, somente uma pequena parcela do programado foi construída, 19%, embora o Condepe tenha considerado, mesmo assim, que foram de importância para a dinâmica do interior do Estado.

Se o Asa Branca não deu certo, para frustração de Maciel, o abastecimento de água, por outros meios recorridos, foi estendido para 70 cidades, distritos e vilas pernambucanas. Em seu Governo, o Complexo Industrial Portuário de Suape saiu do papel e teve o primeiro navio atracado. O Metrô do Recife foi viabilizado financeiramente e sua construção saiu do papel também sob sua gestão. Na Educação, foram criadas 167 mil novas vagas. Na Saúde, Maciel foi pioneiro no País ao pagar pensão para portadores de hanseníase. 

“O governo Marco Maciel foi marcante no desenvolvimento econômico-social do nosso Estado. Empreendeu o mais arrojado programa habitacional com a construção de 100 mil casas, priorizando a educação, cultura e turismo, a saúde, o saneamento e água para o sertanejo. Deu início concretamente à implantação do Complexo Industrial Portuário de Suape. Quando vice-presidente, trouxe para Pernambuco a expansão do Metrô do Recife, altos investimentos”, relembra o ex-secretário de Educação, professor Roberto Pereira.

Ele destaca ainda a ampliação do Aeroporto dos Guararapes, a duplicação do trecho Prazeres/Cabo, na BR-101, a construção do gasoduto Pilar-Cabo, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, “esta uma ação muito do seu empenho, quase diria da sua religiosidade católica. Partiu dele o Centro Regional de Ciências Nucleares, pioneiro no Nordeste, o primeiro Centro de Desenvolvimento tecnológico na área de Ciência Nuclear”, afirmou. 

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Joaquim Nabuco foi a grande escola e referência para Marco Maciel

Marco Maciel e Papa

Capítulo 6 

Católico fervoroso, Marco Maciel rezava de joelhos ao acordar. Em voos, só decolava depois de ler a Bíblia, que andava nas mãos. A cada fim de um dia estressante, sem hora para acabar, lia trechos bíblicos das edições “Liturgia diária” ou da “Liturgia das horas”. A religiosidade herdou do pai José do Rego Maciel, imortalizado com o seu nome do estádio do Santa Cruz, o Arrudão.

“Diziam que ele ‘fazia primeira comunhão’ todo dia, de tão católico que ele era. Ele lia muito as encíclicas papais”, lembra o jornalista Ângelo Castelo Branco, autor do livro “Marco Maciel, um artífice do entendimento”. O ex-governador era tão beato que não perdia uma missa dominical. 

Na campanha de 1990, em pleno domingo, depois de uma agenda passando por seis municípios, Maciel estava com voo marcado para Brasília por volta das 20 horas, mas não queria decolar sem ir à igreja. Então coordenador da logística, a pedido de Joaquim Francisco, candidato a governador, o Coronel Tarciso Calado recebeu a missão de convencer o pároco de Gravatá a antecipar a missa das 18 horas em uma hora, para às 17 horas.

Consultado, o sacristão da paróquia disse que era impossível, até porque a comunidade católica de Gravatá estava habituada, historicamente, a frequentar a missa das seis da noite. Calado insistiu, o padre não se dobrou, mas encontrou uma saída: celebrar uma missa extra, às 17 horas, horário que daria tempo para o embarque do senador no aeroporto do Recife.

Os sinos da igreja começaram a tocar meia hora antes, mas em vão. Quando o padre abriu a liturgia, para desespero do sacristão, que tudo fez para atrair fiéis, só havia três almas vivas cristãs no templo: Maciel, um assessor e o motorista. Nada constrangeu o senador, que assistiu atentamente à preleção, comungou e agradeceu à gentileza do esforço do padre pela hora extra.

A taxa da missa já havia sido acertada pelo Coronel Tarciso. Quando estava no Recife, Marco Maciel e sua Ana Maria frequentavam a missa das seis na igreja da Praça de Boa Viagem. Certo dia, Maciel chegou meia hora antes à igreja, não havia ninguém. Resolveu então matar o tempo sentado num banquinho da praça.

Nisso, chega um bêbado, senta ao lado, olha em direção ao casal e sapeca:

“O senhor se parece muito com Marco Maciel, sabia?”

Calado estava, calado ficou.

O bêbado então repetiu a assertiva: “O senhor se parece muito com Marco Maciel, sabia?”

Maciel permaneceu mudo, até Ana Maria, sua esposa, perder a paciência: “Marco Antônio, diga logo você é o próprio”.

Na terceira investida do bebum, o então vice-presidente da República se curvou à investida da esposa.

“Eu sou Marco Maciel”, respondeu, em direção ao interlocutor que estava pra lá de Bagdá.

Então, o bêbado, num tom mais alto, com entusiasmo, exclamou:

“Eu não lhe disse! Fique sabendo: o senhor é Marco Maciel”.

Corria o ano de 1980. Uma boa nova enchia de alegria e expectativa todos os pernambucanos: a vinda do Papa João Paulo II ao Recife! Era a primeira visita de um Sumo Pontífice à América do Sul, ao Brasil. E Pernambuco estava entre os Estados que o Papa cumpriria agenda. Houve mobilização de toda sociedade, instituições e comunidades. Uma Comissão para organizar o grande evento de proporções nunca antes vista foi composta pela Arquidiocese de Olinda e Recife, Casa Civil do Governo de Pernambuco e o Comando do IV Exército. 

O Santo Padre, além de Líder Religioso era Chefe de Estado, portanto todo aparato era necessário, principalmente por seu carisma e pelo que representava no mundo cristão. Havia uma saudável euforia da população. Mons. Paul Marcinkus, representando o Estado do Vaticano, fazia a viagem precursora avaliando com a Comissão todos os detalhes da visita do João Paulo II.

“No fim da tarde de uma sexta-feira, um mês antes da visita, chega uma comunicação reservada ao governador Marco Maciel, preparando-o para o cancelamento da passagem do Papa por Pernambuco, devido à extensa agenda no Brasil. A notícia caiu como um míssil dentro do Palácio. Pernambuco, Estado com profunda raiz católica, não poderia sofrer uma decepção dessas”, lembra Silvio Amorim, subchefe da Casa Civil no Governo Maciel.

Essa “bomba”, segundo ele, já com relógio ligado em contagem regressiva, ficou nas mãos de Marco Maciel. “Como era de se esperar, de pronto, ele não aceitou, assim como Margarida Cantarelli, então Chefe da Casa Civil. Como católico fiel, praticante e cristão, seria uma tremenda decepção para Maciel não receber o Papa em Pernambuco na condição de governador”.

 “Maciel convocou uma reunião no seu gabinete às pressas para articular uma estratégia capaz de reverter a situação. O governador não autorizou a divulgação do cancelamento até esgotar todas as possibilidades de negociações”, relembra Amorim. Após vários contatos no circuito Recife/Brasília/Vaticano, no sábado à noite, uma carta estava pronta para ser levada ao Núncio Apostólico, Embaixador do Estado do Vaticano no Brasil, Dom Carmine Rocco. 

“Fui escalado, como subchefe da Casa Civil, para ser o portador da mensagem. No avião do Governo do Estado, que era de pequeno porte, não chegaria a tempo. Era “mensagem a Garcia”. Saí para pegar o primeiro voo. Foi uma viagem tensa. Havia naquela época grande dificuldade de voos com cancelamentos e atrasos. O Núncio Apostólico marcou um café da manhã para às 7h, após celebrar sua missa dominical. Recebido gentilmente pelo reverendíssimo, ele prometeu tratar do assunto diretamente com o Santo Padre”, contou o subchefe da Casa Civil.

Silvio Amorim recorda a espera angustiante. “Quando chegou a confirmação da visita do Papa ao Recife, o alívio. Uma grande vontade de fazer um evento para ficar na história do Recife, de Pernambuco, como ficou. Margarida Cantarelli e Dom Hélder Câmara, então nosso Arcebispo, coordenaram um evento único e que dificilmente será superado em emoção, sentimentos, ação, organização e logística”, disse.

No dia 7 de julho de 1980, às 15h42, o Papa João Paulo II era recebido ao pé da escada do Boeing 737 da FAB por Dom Helder Câmara, Marco Maciel, esposa Anna Maria e Augusto Rodrigues Filho, então chefe do Cerimonial. “Quem viveu a época sabe do que estou falando. A área do Joana Bezerra, onde hoje funciona o Fórum, teve o viaduto como altar, palco do testemunho de fé”, recorda Amorim, para completar:

“O desfile no Papamóvel por 24 km passou pelas principais vias do Recife e ao passar pelo Palácio do Campo das Princesas encontrou os cadeirantes reunidos no calçadão com a seguinte mensagem ao Papa andarilho: “João Paulo, andai por nós”. Silvio Amorim revela o motivo pelo qual resolveu contar uma espécie de segredo de Estado, que Marco Maciel não deixou vazar na época:

“Conto hoje esta história para registrar um acontecimento relevante de bastidores e que por extrema discrição, o governador Marco Maciel sempre evitou divulgar. Poderíamos estar lamentando o que não aconteceu, mas o Santo Padre, hoje só Santo, tinha um fiel escudeiro em terras nunca dantes beijada”. 

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Projeto Asa Branca iniciou perenização dos rios sertanejos na era Maciel.

Marco Maciel

Capítulo 5 

Fervoroso macielista, com trânsito livre na esquerda – tinha diálogo até com Miguel Arraes – o então deputado federal José Mendonça Bezerra, pai do ex-ministro Mendonça Filho, articulado com Marco Maciel, o pai de um movimento batizado de União por Pernambuco, promoveu um histórico almoço num sábado calorento de 1993 na sua fazenda, em Belo Jardim, a 180 km do Recife.

A data era simbólica. Se deu um ano após Jarbas Vasconcelos voltar à Prefeitura do Recife numa eleição como dissidente da esquerda, grupo que liderou por muitos anos no Estado ao lado Arraes. Arraes e Jarbas, Jarbas e Arraes, entraram para a história como símbolos do combate à ditadura. Estiveram juntos quando o Congresso foi fechado por Geisel, irmanados no momento em que Arraes foi deposto, preso em Fernando de Noronha e exilado na Argélia.

Mas Arraes e Jarbas, na verdade, eram dois bicudos e o destino marcaria um dia a cisão. Quando Arraes voltou do exílio, queria ser governador, mas Jarbas apoiou Marcos Freire. Arraes guardou na geladeira e se vingou em 1990, quando fez corpo mole na campanha na qual Jarbas foi derrotado por Joaquim Francisco na corrida ao Governo do Estado. Arraes deixou o poder, passou o Governo para Carlos Wilson, rompeu com o MDB de Jarbas, criou o PSB e montou uma chapinha para deputado federal.

Saiu com uma avalanche de votos nunca vista, a ponto de puxar, com a sobra em cima do coeficiente eleitoral, mais cinco federais: Sérgio Guerra, Luiz Piauhylino, Renildo Calheiros, Álvaro Ribeiro e Roberto Franca. Os dois últimos com três mil e poucos votos. Abandonado e derrotado, Jarbas viu também, como consequência da chapinha de Arraes na proporcional, velhos próceres da esquerda não voltarem ao Congresso, como Cristina Tavares, Egídio Ferreira Lima e Fernando Lyra.

Ali, o destino separou Jarbas de Arraes. Dois anos depois, em 1992, romperam definitivamente. O rompimento oficial se deu porque Arraes quis indicar Eduardo Campos, seu neto, candidato a vice do favorável Jarbas que concorria à Prefeitura do Recife. “Como não tinha reeleição, Arraes estava, automaticamente, indicando o sucessor dele. Foi isso o que Jarbas não quis”, relembra o jornalista Evaldo Costa, secretário de Imprensa de Arraes.

O tempo se encarregou de levar Arraes a dar o troco em Jarbas. Dois anos depois, em 1994, Arraes se elege governador derrotando Gustavo Krause como candidato da União por Pernambuco e, portanto, com o apoio de Jarbas. Nesta mesma eleição, Marco Maciel foi eleito vice-presidente da República na chapa de Fernando Henrique Cardoso, que foi apoiado por Jarbas, enquanto Arraes subia no palanque de Lula, mantendo-se fiel aos princípios da esquerda. 

Nas eleições de 1996, a primeira com urnas eletrônicas, já no exercício da Vice-Presidência da República, com a estabilidade econômica sustentada no Plano Real, Marco Maciel convenceu Jarbas a apoiar Roberto Magalhães como candidato à sua sucessão, já que não tinha ainda o direito à reeleição. Jarbas aceitou. Seus planos era ser candidato a governador, dois anos depois, para derrotar Arraes.

O apoio a Magalhães teve um preço. Preterido por se achar o candidato natural de Jarbas, o então secretário João Braga rompeu com o MDB e disputou a Prefeitura em faixa própria por um PSDB rachado ao meio. O apoio do grupo jarbista a Magalhães selou a União por Pernambuco, aliança político-partidária alicerçada dois anos antes quando o PMDB endossou o nome de Fernando Henrique Cardoso e Marco Maciel para a chapa à Presidência.

Na época (1993/1996), Braga era Secretário Municipal de Infraestrutura e conhecido por encampar pelejas ferrenhas para realizar as ações do governo. Uma das mais emblemáticas foi a briga com os camelôs, período em que coordenou as revitalizações dos Bairros de São José e do Recife – obra pensada já na primeira gestão de Jarbas (1986-1988). Ao lado do aliado, Jarbas construiu a Ponte Gilberto Freyre (Imbiribeira) e o Viaduto Ulisses Guimarães (Avenida Recife).

Antes de assumir a pasta, Braga ainda coordenou as duas campanhas de Jarbas à Prefeitura, em 1985 e 1992. Conhecido como “secretário das mil obras”, no PSDB Braga abriu dissidência na ala jarbista. Uma parte do grupo seguiu o prefeito e outra o secretário, que figurou como principal opositor da aliança PMDB-PFL.

“Estávamos bem, o Governo era bem avaliado e a secretaria coordenou todas as ações. Havia entre nós a expectativa que alguns daqueles auxiliares fossem o candidato a prefeito. Aí, por motivos que não me interessam enumerar, Jarbas decidiu apoiar Roberto Magalhães, que, no fundo, era adversário há muito tempo, e nós ficamos insatisfeitos. Então, deixei a Prefeitura e fui ser candidato”, relembra Braga.

Magalhães foi eleito prefeito do Recife com 317.625 votos (50,9%), mais que a soma dos votos recebidos por todos os outros candidatos. Braga obteve 119.539 (19%). Separados por um tempo, Jarbas e Braga se reaproximaram anos depois, quando ele assumiu a Secretaria estadual de Defesa Social.

Após fazer o sucessor, Roberto Magalhães, em 1996, Jarbas passou dois anos com o bloco na rua e venceu Miguel Arraes, que disputava a reeleição, em 1998, por uma diferença de mais de um milhão de votos. Estava selada a vingança. A União por Pernambuco, formada pelo PMDB, PFL, PPS e PSDB, governou o Estado por oito anos. 

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Beato, Marco Maciel quase teve um chilique com a ameaça do cancelamento da vinda do Papa ao Recife.

Marco Maciel e Luiz Gonzaga

Capítulo 4 

Encravada na Chapada do Araripe, a 630 km do Recife, já quase em solo cearense, a pequena Exu viveu uma guerra sem fim, por muitos anos. O ódio entre as famílias Alencar, Sampaio, Saraiva e Peixoto moldou casas e hábitos. Suas fachadas tinham poucas janelas, as portas ficavam fechadas em dias de intenso calor, as conversas e os cumprimentos nas ruas eram rápidos e dificilmente se viam.

Nas noites frescas do Sertão, mulheres e crianças em cadeiras nas calçadas eram muito raras. Nada de muita conversa. Tudo por causa do clima de medo que pairava no ar. A cidade deveria ser alegre, viver no ritmo da sanfona branca de Luiz Gonzaga, o filho mais ilustre. Mas Exu era uma tristeza só. O derrame de sangue deixou marcas e uma dor que parecem não sumir nunca das lembranças.

Deixou cerca de 60 mortos apenas no período mais duro – da década de 1940 ao início dos anos 1980. Em 1982, ano em que os brasileiros voltaram às urnas para eleger governadores, 18 anos após o golpe militar contra o presidente João Goulart, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, ajudou a acabar com uma disputa do tempo do Brasil Colônia, que se transformou no maior símbolo das rixas de clãs na política nacional.

Um ano antes, em 1981, Gonzagão surpreendeu o então presidente em exercício Aureliano Chaves no saguão de um hotel em Belo Horizonte, ao tocar a música Boiadeiro. Sensibilizado, Aureliano, que tinha fazenda em Minas Gerais, foi cumprimentá-lo e o sanfoneiro pediu apoio para acabar com a luta de famílias em sua Exu.

A súplica do filho mais ilustre da terra bateu forte no coração do presidente. Pouco tempo depois, aproveitando um período em que esteve no poder, chamou Marco Maciel ao Planalto e este comprou a briga, nomeando o Coronel Moura, na época Major, como interventor. Amigo do cantor, Maciel já havia adotado a música Asa Branca num projeto de perenização de rios sertanejos. Por um ano e meio, a cidade foi sitiada.

“Além de conciliador, apagador de incêndios políticos que ajudaram o País a chegar a um processo com uma democracia mais sólida, Marco Maciel também foi um pacificador. A própria história de Exu está aí como exemplo sólido em nossas vidas, nas vidas daquela gente”, diz o ex-governador Gustavo Krause. 

Exu, lembra Krause, passou a contar com um dos maiores efetivos da Polícia Militar de Pernambuco. “Os bares não podiam funcionar depois das 22 horas e várias outras medidas de segurança foram tomadas. Uma felicidade, enfim, para os moradores, que já demonstravam cansaço, tristeza e impaciência com o conflito insano. As medidas surtiram efeito, a cidade foi pacificada”, destacou o ex-governador. 

Se o acordo de paz entre as famílias não tivesse sido selado, a luta poderia se exaurir por decisões tomadas no cartório de registro civil da cidade. Pais de família registravam os filhos com o sobrenome do clã rival ou evitavam colocar os seus próprios sobrenomes nos recém-nascidos para garantir a “neutralidade” das crianças. Três irmãos de uma mesma família Sampaio chegaram a ser registrados como Alencar, orientados por um tabelião. 

O Rei do Baião entrou na história porque, já a partir dos anos 1970, tentou pacificar as famílias de Exu. Foi aceito como mediador graças ao seu sucesso como cantor e porque não tinha sangue Sampaio nem era considerado um Alencar das duas primeiras castas – dos nobres e dos intermediários. Gonzaga descendia dos Alencar “misturados”. “Era só cheio de graça”, lembra o exuense Floriano Saraiva.

O mais famoso personagem dos conflitos em Exu é o Coronel Romão Sampaio, morto num tiroteio em 1949. Era filho do coronel Romão Filgueira Sampaio, intendente de Salgueiro em 1867 e primeiro prefeito da cidade (1892-95), que esvaziou o poder do coronel Manuel de Sá – um ex-coletor de impostos da Coroa portuguesa no Semiárido, descendente de dom Diniz, rei de Portugal, e da rainha Isabel, da Espanha.

Os descendentes de Bárbara de Alencar correram o mundo e atuaram em papéis importantes na história do Brasil. Da matriarca descendem republicanos e monarquistas, getulistas leais e adversários ferrenhos de Vargas, intelectuais do Partido Comunista e generais do regime militar, gente da esquerda e da direita. Raquel de Queiroz, autora de O Quinze, não esqueceu da matriarca ao idealizar Maria Moura, a protagonista do romance. Ela própria, Raquel, como Bárbara, foi presa política, na ditadura Vargas, em 1937.

Foi em outra ditadura, em 1964, que um descendente de Bárbara chegou à Presidência. Ao assumir o governo, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco recebeu carta de Antoliano Alencar, de Exu, pedindo que intercedesse por outro parente: o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar, adversário do novo regime. 

“Nunca tive, não tenho e Deus me livre de ter tendências comunistas. Espírito conservador, feliz herança de nossos ancestrais que guardo e conservo como joia de valor inestimável, aqui estou perante o cidadão Humberto de Alencar Castelo Branco pedindo que interceda a favor de Miguel Arraes de Alencar, para que se conserve intacta a lealdade e a coragem com que sempre agiram os Alencar de uns para os outros”, escreveu.

“Não peço a defesa de Miguel político, homem de Estado, mas a defesa da raça Alencar no Brasil de que V. Exa. é a expressão mais legítima”, completou. “As Forças Armadas cumprem o seu dever com independência, bravura e altivez. No dia primeiro depõem do cargo de governador de Pernambuco e prendem um Alencar, mas depois, por que põem na Presidência da República um Alencar? Porque os Alencar são leais e sinceros”, acrescentou.

A mesa onde Luiz Gonzaga tentava resolver o conflito secular está na antiga casa do sanfoneiro, em Exu. “Ele sempre foi uma pessoa de barriga cheia, de luxo. O luxo dele era a comida”, lembra Raimunda de Sale, 68 anos, a Mundica, sua fiel cozinheira. Ela conta que Gonzagão convidava em separados representantes dos dois clãs. “Só na hora do jantar os Sampaio sabiam da presença dos Alencar e os Alencar, dos Sampaio”, diz.

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Maciel selou aliança com Jarbas para derrotar Arraes

Marco Maciel

Capítulo 3 

É possível viver na política sem brigar com ninguém, sem responder desaforos? Para Marco Maciel, sim. Nem mesmo no fogo cruzado teve reações enérgicas, movido por sentimentos de ódio que escorrem pelo fígado. “Ele fazia da política uma arte no sentido de tratar as relações com estilo e paciência. Dizia que estilo é tudo e que em política não se fulaniza”, lembra o engenheiro Aloísio Sotero, ex-secretário de Agricultura no Governo marcado pelo slogan “Desenvolvimento com Participação”.

Aos seus auxiliares, o ex-governador orientava ter uma forte presença na mídia, para que a população viesse a ser informada de tudo sobre o seu Governo que teve um traço: alavancar o Estado. Foi na era macielista que o Porto de Suape recebeu o primeiro navio. Num momento de tamanhas dificuldades, entregou 100 mil casas populares, criou o projeto Asa Branca, para construir barragens e levar água para o Sertão.

Marco Maciel fez uma gestão inovadora e sem grandes turbulências políticas. Nas adversidades, recorreu ao que aprendeu na conhecida escola de Georges-Louis Leclerc, o Conde de Buffon: “Le style c’est l’homme même”, isto é, o estilo é o homem. Ensinava que “Escrever bem consiste em pensar, sentir e expressar bem, em clareza de mente, alma e gosto…estilo é o próprio homem”.

O estilo de Maciel de não agredir, não ferir, fez a diferença. Jovem secretário, Sotero ouviu do ex-chefe que era necessário ocupar os espaços nos jornais com notícias relevantes do governo sob o risco de esse mesmo espaço vir a ser preenchido pela oposição. Assim agiu. Deu uma longa entrevista ao Jornal do Commercio abordando as questões da sua área, mas, entusiasmado, próprio da juventude, fez duras críticas ao Ministério da Agricultura, cobrando mais apoio para as culturas de sequeiro, de irrigação e projetos que estava tocando com muitas dificuldades.

No mesmo dia, ao chegar no Palácio das Princesas, Sotero recebeu um puxão de orelha no estilo clássico de Marco Maciel. “Meu caro Sotero, a sua entrevista foi muito boa, mas você usou muito mais o sinal de menos do que o sinal de mais. Política se faz com o sinal de mais. Da próxima vez, use mais o sinal de mais”. Sotero guardou a lição para sempre. “Nunca mais saiu da minha memória”, diz.

Outra sábia lição dada por Maciel aos seus assessores mais próximos vem da campanha para o Senado em 1990, quando sofreu duros ataques no guia eleitoral por um dos adversários, o empresário Homero Lacerda. Num programa que teve as duas mãos, a cabeça e os pés do jornalista Fernando Veloso, Marco Maciel só não foi chamado de arroz doce. De tão contundente, sugou pontos nas pesquisas.

Mas quem tirou proveito não foi Homero. Os efeitos benéficos no crescimento nas pesquisas beneficiaram José Queiroz, candidato ao Senado na chapa de Jarbas Vasconcelos. Maciel acabou eleito com uma diferença mínima, o que levou Queiroz a pedir recontagem dos votos num processo interminável.

“No dia seguinte, procuramos Maciel e o advertimos quanto à necessidade de responder aos virulentos ataques. Não dá para ficar sem resposta”, bradou Aloisio Sotero, ao lado de Gustavo Krause, Margarida Cantarelli, Ângelo Castelo Branco, Bandeira de Melo e tantos outros envolvidos na campanha que comungavam da mesma ideia e o mesmo sentimento que a resposta a Homero tinha que ser, se não no mesmo diapasão, mas dura.

O sábio Maciel, que lia o Conde de Buffon, não se deixou levar pelo entusiasmo e assim reagiu: “Senhores, quem escolhe os meus inimigos sou eu. E eu não dou status de inimigo a qualquer um”. “Marco sempre se pautou nas lições clássicas da República”, destaca o jornalista Ângelo Castelo Branco, ao confirmar o episódio do qual vivenciou muito de perto dando pitacos.

Mesmo atacado fortemente no campo político e não moral, ao longo do guia de Homero – chegou a ser pinçado como “filhote da ditadura e lambedor de botas de militares” – Maciel não se nivelou ao adversário porque pertenceu a uma escola que teve elevada consideração as correntes antagônicas, as mais diversas. “Jamais Maciel agrediu adversários”, lembra Castelo, acrescentando: “Para ele, oposição não era agressão, como está sendo visto hoje no Brasil”. 

“Maciel foi um homem decente e de espírito público, dignificou as melhores tradições pernambucanas na política brasileira”, diz o ex-ministro Ciro Gomes. Para Ronaldo Caiado, ex-governador de Goiás, Marco Maciel fez da política a arte da construção ao abrir infinitas portas para o diálogo e o ordenamento institucional.

Com uma trajetória política marcada pela integridade e compromisso com interesse público, Marco Maciel foi exemplo de diálogo e conciliação em todos os cargos que ocupou, segundo o senador Fernando Bezerra Coelho. “Como vice-presidente da República, soube a exata dimensão do cargo, que exerceu com ponderação sempre em busca do bem comum. Como governador de Pernambuco, trabalhou pelo desenvolvimento do semiárido, missão que ainda nos desafia. Seu legado inspira todos aqueles que acreditam que a política é um instrumento de transformação do País”, disse. 

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Maciel acabou com a guerra em Exu 

Marco Maciel

Capítulo 2 

Marco Maciel governou Pernambuco de 1978 a 1982 sem passar pelo crivo das urnas. Foi escolhido governador biônico pelo ex-presidente Ernesto Geisel. Quando Marco era presidente da Câmara dos Deputados, Geisel baixou um ato “fechando” o Congresso. Foi o Ato Complementar 102, de 1 de abril de 1977. O intuito era aprovar a reforma judiciária que havia sido rejeitada pelo parlamento.

O Congresso foi reaberto em 14 de abril, após duas emendas constitucionais e seis decretos-leis regulamentando a reforma do judiciário e a reforma política, esta última criando os chamados senadores e governadores biônicos.  A história registra que Marco Maciel, apesar de contrário à supressão das prerrogativas do Congresso Nacional, acatou a decisão presidencial.

Mas não tomou parte nas cerimônias que marcaram a vigência das medidas baixadas pelo Poder Executivo. Não polemizou a respeito do assunto e, em sinal de reconhecimento por sua postura, foi indicado governador biônico de Pernambuco pelo próprio Geisel, em 1978. Ao longo de sua gestão, Marco Maciel montou uma equipe de técnicos e políticos que cerraram fileiras nas eleições de 1982 contra o MDB, principal partido de oposição.

Líder do PDS, Maciel escolheu Roberto Magalhães como candidato a governador em 82 e derrotou o senador Marcos Freire, então candidato a governador considerado imbatível. Eleito senador na chapa com Magalhães, Maciel teve seu nome lembrado como uma das alternativas civis à sucessão do presidente João Figueiredo, em face, sobretudo, de sua grande capacidade de articulação.

Maciel chegou ainda a disputar a eleição indireta para presidente. Eu, no início da minha carreira, escolhido pelo jornalista Ângelo Castelo Branco, fui o repórter que acompanhou a peregrinação de Maciel em busca de votos nos Estados. Cruzamos os céus do Brasil do Oiapoque ao Chuí. Não havia eleição direta para presidente, o candidato disputava os votos dos políticos – deputados federais, estaduais e senadores – que integravam o Colégio Eleitoral.

O grande temor era a eleição de Paulo Maluf, que tinha fama de comprar os votos dos delegados que iam ao colégio eleitoral. Foi quando Maciel renunciou à condição de candidato no colégio eleitoral e liderou um movimento, ao lado de Aureliano Chaves e José Sarney, em apoio à candidatura de Tancredo Neves, que derrotou Maluf, mas morreu de diverticulite antes de tomar posse, assumindo o vice José Sarney.

LIGADO NA TOMADA

Governador de Pernambuco, Marco Maciel adotou uma rotina massacrante de trabalho para viabilizar seu governo cujo slogan era “Desenvolvimento com Participação”. Suas varadas pela madrugada no Palácio do Campo das Princesas caíram no folclore político. Quando alguém pedia uma audiência e recebia a confirmação à meia noite, não acreditava. Desconfiava de trote.

Então secretário de Agricultura, o engenheiro Aloísio Sotero chegou tarde da noite em casa, depois de uma longa reunião no Palácio. Chegou tão cansado que teria esquecido até de tirar a gravata. Às duas da madrugada, toca o telefone em sua casa. A mulher atende. Do outro lado da linha, o ajudante de ordens de Maciel, que queria tirar uma dúvida com o auxiliar.

A esposa responde que ele estava em sono profundo, havia chegado muito tarde e não iria acordá-lo. No dia seguinte, ao encontrar-se com Sotero, Maciel o elogiou bastante pela eficiência, mas disse que tinha um grave defeito: era dorminhoco. Um empresário, que pediu para não ser citado, disse que, certa vez, saiu à meia noite de uma audiência com Maciel, e às cinco da matina foi acordado por ele, anunciando que já teria o desdobramento da conversa.

“Eu tomei um susto quando fui atender e disseram que era o governador que queria falar comigo”, lembrou, dando uma boa gargalhada. Além de não dormir, Marco Maciel também quase não comia, daí a razão de ser tão magro. Também não gostava de perder tempo em almoços. Certa vez, cumprindo uma extensa agenda em Brasília ao lado de Francisco Bandeira de Mello, o Bandeirinha, assessor de extrema confiança, foi obrigado por Bandeirinha, esfomeado, a parar numa lanchonete.

Era a paradinha para o almoço. Marco Maciel se dirigiu ao dono da lanchonete e tascou:

– Por favor, um sanduíche misto e uma Coca-Cola.

Bandeira retrucou:

– Marco, somos dois.

O governador então saiu com a seguinte pérola:

– Sim, Bandeira. Pedi um para dividirmos. Não podemos perder tempo”.

Maciel não dormia nem deixava ninguém dormir. Na campanha para o Senado, ao lado de Joaquim Francisco, em 1990, depois de cumprir uma extensa agenda no Agreste, foi pernoitar em Pesqueira, por coincidência no mesmo hotel em que os jornalistas que o acompanhavam também estavam hospedados.

Um arguto e curioso repórter, ao passar no corredor do hotel em direção ao seu apartamento, já por volta de uma hora da madrugada, ouviu vozes vindo de um apartamento, cuja porta estava entreaberta. “Era Marco Maciel despachando e ditando um discurso para o assessor Guilherme Codeceira, que tombava de sono e dava cochilos”, recorda o atento jornalista. 

O hábito do trabalho noturno, Maciel também levou para Brasília. Ministro da Educação, era o último a deixar a Esplanada dos Ministérios. Meu amigo Gualter Loyola, jornalista perdigueiro e boêmio, vinha de uma farra em Brasília já passando da meia noite quando observou as luzes do MEC acesas. 

Sabendo da fama de notívago de Maciel, teve a ousadia de checar a razão de tantas luzes acesas em meio a um apagão na Esplanada. Apresentou-se na recepção como jornalista, foi autorizado a ter acesso ao gabinete e chegando lá se deparou com uma cena que jamais esqueceu.

“Magno, o homem não estava despachando nem fazendo reunião. Na ante sala do seu gabinete encontrei mais de dez pessoas aguardando as audiências que haviam sido marcadas para depois da meia noite”, contou Loyola, que foi meu chefe por duas vezes, no Correio Braziliense e no Jornal de Brasília. 

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As lições do sábio Marco Maciel

Marco Maciel

Capítulo 1 

A partir de hoje, este blog inicia uma série de reportagens sobre a trajetória de um dos homens mais importantes da vida pública nacional, o ex-tudo Marco Maciel. Tudo porque ocupou as funções mais relevantes que um político sonha em mais de 50 anos de atividades marcadas por uma disposição incrível para o trabalho. 

Virou uma lenda, muitos diziam que não dormia. De tão magro, porque quase não comia, ganhou o apelido de mapa do Chile. Do início da década de 60 a 2014, quando se afastou da vida pública, Marco Maciel, também conhecido como o “Marco de Pernambuco”, foi deputado estadual, deputado federal, presidente da Câmara dos Deputados, governador de Pernambuco, ministro de Estado, senador, vice-presidente e presidente da República em exercício por mais de 80 vezes. 

Político conciliador, natural vocação de bombeiro, apagou muitos incêndios não apenas no Governo FHC, de quem foi vice de 1995 a 2002. Marco Maciel usou a sua infinita capacidade de construir consensos, principalmente em 1984. Tornou-se peça-chave na criação de uma aliança com os oposicionistas ao regime militar e operou a transição sem que houvesse uma gota de derramamento de sangue. 

Teve papel tão importante que chegou a ter seu nome ventilado para vice de Tancredo, mas ele próprio abriu os caminhos para o senador José Sarney ser o escolhido. “Marco Maciel foi um dos artífices da chamada Nova República, abriu a janela do entendimento entre o regime militar e a oposição. É dele a frase “Se é para o bem do Brasil, estamos condenados a nos unir”, diz o jornalista Ângelo Castelo Branco.

Castelo foi secretário de Imprensa de Marco Maciel no Governo de Pernambuco, assessor no Ministério da Educação e escreveu um livro revelando bastidores em vários episódios em que a presença do chefe, com o tom conciliatório, foi imprescindível para o Brasil consolidar e amadurecer a democracia. Lembra Castelo que foi Maciel que escreveu o manifesto “Compromisso com a Nação” em apoio a Tancredo Neves, tendo como signatários Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves e o próprio Tancredo. 

Marco Maciel era um político republicano, fiel às lições clássicas da República, de não roubar. Nunca foi envolvido em nenhuma denúncia ou escândalo que viesse macular a sua imagem. “Ele se dedicou à vida pública como sacerdote. Achava que um político, para ser correto, deveria se dedicar exclusivamente à atividade política em defesa dos interesses da coletividade. A política, para ele, era um sacerdócio. Não admitia que um político estivesse preocupado com os lucros da sua empresa e com seus negócios”, observa Castelo.

“Marco foi um político que esteve no regime militar, na democracia, na construção da Nova República, sempre com convicção liberal, integridade e honestidade. Nunca esteve envolvido em qualquer coisa moralmente equivocada”, revela, por sua vez, o ex-ministro Cristovam Buarque, pernambucano, também ex-governador do Distrito Federal e ex-senador. 

Foi a Cristovam que Marco Maciel recorreu, tão logo tomou posse como ministro da Educação no Governo Sarney, para assumir a Reitoria da Universidade de Brasília (UNB) e sustar uma greve contra o reitor José Carlos Azevedo, no cargo há muito tempo. “Maciel saiu da posse e foi direto para o seu gabinete. Chegando lá, convenceu Azevedo a fazer uma carta de renúncia. Quando os estudantes chegaram com suas faixas para o protesto, em frente ao MEC, logo se dispersaram sabendo que Cristóvão era o novo reitor”, lembra Ângelo Castelo Branco. 

Como ministro da Educação, Maciel também quebrou paradigmas. Visto como figura tarimbada do regime militar, um dos fundadores do PDS, encarado como um político de direita e conservador, acabou entrando para a história como um dos principais responsáveis pela reabertura da UNE – a União dos Estudantes Universitários, vinculada aos partidos de esquerda. “Maciel liderou todo o movimento para reabertura da instituição e foi ao Rio discursar no primeiro congresso da UNE na Nova República, sendo aplaudido de pé”, conta Castelo. 

Nestes tempos de turbulência, de radicalismo e de agressões que o País vive, a figura de Marco Maciel faz muita falta. “Maciel foi um exemplo de homem público, um exemplo de que há formas mais fraternas, ainda que adversas, de se fazer política”, testemunha o ex-governador Esperidião Amin, de Santa Catarina, que conviveu muito de perto com o político pernambucano. 

Homem culto e devotado à leitura, Maciel foi eleito em 2003 para a Academia Brasileira de Letras, com sede no Rio de Janeiro. Em 2010, quando já tentava o quarto mandato de senador, sofreu sua primeira derrota nas eleições de Pernambuco, disputando, assim, sua última eleição. Em 2014, foi diagnosticado com mal de Alzheimer – doença progressiva que destrói a memória e outras funções mentais importantes, vindo a falecer no ano passado. 

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Maciel, o inquieto, acordava auxiliares pela madrugada para fazer cobranças.