Marco Maciel não fez fortunas na política e, já doente, teve que vender o único imóvel que tinha no Recife

Marco Maciel

Capítulo 10

Ao longo de 45 anos exercendo cargos públicos, de 1966, quando deixou a advocacia para disputar seu primeiro mandato de deputado estadual por Pernambuco, até 2011, quando encerrou o mandato de senador, Marco Maciel levou uma vida modesta, de classe média, literalmente franciscana. Um dos raros políticos brasileiros que não enriqueceu bafejado pelo poder.

Diz a história que São Francisco renunciou a tudo – recursos, prestígios e até a própria família – para seguir Jesus Cristo pobre, daí o termo “vida franciscana”. Marco Maciel dedicou-se à vida pública como um sacerdócio. Não construiu patrimônio nem acumulou riquezas. Em Pernambuco, vendeu seu único imóvel, no edifício Tiradentes, na Avenida Boa Viagem, adquirido mediante financiamento da Caixa Econômica Federal, para comprar outro em Brasília.

Nesta época, já havia sido diagnosticado com Alzheimer, distúrbio cerebral que causa problemas de memória, pensamento e comportamento. Por muito tempo, teve um só carro, uma Veraneio, modelo 82, que, de tão velhinha, ficou de herança para o motorista que com ele trabalhou a vida inteira. Sua esposa, Anna Maria, é concursada da Sudene.

Transferida para Brasília, Ana Maria não usava carro oficial para ir ao trabalho. “Geralmente, ia de táxi”, recorda Silvio Amorim, um velho amigo da família. No Governo Marco Maciel, Amorim assumiu a subchefia da Casa Civil e de lá para cá nunca perdeu o vínculo familiar. “Maciel era tão neurótico com dinheiro público que nem verba de gabinete usava”, diz o ex-auxiliar.

Cada senador tem direito a R$ 15 mil por mês, a chamada “Cota para atividade parlamentar”, mas, ao final de cada mês, Marco Maciel sempre a devolvia. Mesma postura assumiu frente ao Cartão Corporativo da Vice-Presidência da República quando exerceu por oito anos o mandato de vice, eleito e reeleito na chapa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. 

De tão discreto e ético, Maciel sequer sentava na cadeira de presidente, no Palácio do Planalto, quando obrigado a assumir o cargo, interinamente, nas ausências de FHC. Educou os filhos longe das benesses do poder. João Maurício, advogado, atua com escritório de advocacia em Brasília. Gisele, concursada, mora em Goiás, e Cristiane, também concursada em um tribunal superior, mora em Brasília.

“Marco Maciel era, antes de tudo, um homem exemplar na vida pessoal, na vida pública, na sua conduta do dia a dia. Nenhum cargo mudou a sua maneira de ser, nunca se serviu da política, fez da política um sacerdócio, fez com que sua família se agregasse a ele no sacerdócio”, atesta o ex-ministro José Múcio Monteiro, do Tribunal de Contas da União. 

Para Múcio, Marco será lembrado como exemplo de retidão, de honestidade, de elegância. “Era um homem exemplar”, diz, emocionado. “De modos simples, cordatos e discretos, Marco Maciel tinha um jeito prático de resolver embates políticos. Nas reuniões, elaboração de projetos e/ou entrevistas, sempre que um problema surgia, ele soltava logo a frase: “Não vamos fulanizar”, escreveu a jornalista Denise Rothenburg, colunista do Correio Braziliense, que conviveu com Maciel em vários períodos da sua vida pública.

Não é fácil passar tanto tempo na vida pública e não enriquecer ou se envolver em escândalos, algo tão comum hoje entre os políticos brasileiros. Durante sua carreira política, Maciel foi deputado estadual, federal, senador, governador de Pernambuco, ministro e vice-presidente da República. No governo de José Sarney, ocupou os cargos de ministro da Casa Civil e da Educação. 

Político influente no cenário político brasileiro, ele teve uma trajetória importante também pela Arena, tendo sido presidente da Câmara dos Deputados entre 1977 e 1979, durante o governo Ernesto Geisel, na Ditadura Militar. Natural do Recife, Marco Maciel iniciou carreira política quando ainda era estudante de direito. 

Em 1966, foi eleito deputado estadual. Em 1977, já deputado federal, tornou-se presidente da Câmara. Na década de 80, foi governador de Pernambuco, ministro da Casa Civil e, posteriormente, ministro da Educação. Aos 76 anos, ele se afastou da política por motivos de saúde. Filho de José do Rego Maciel e Carmen Sílvia Cavalcanti de Oliveira, formou-se em direito pela Universidade Federal de Pernambuco atuando depois como advogado. 

Nos bancos universitários, iniciou sua vida pública ao ser eleito presidente da União Metropolitana dos Estudantes de Pernambuco, em 1963, realizando uma gestão que o levaria a romper com a cúpula da União Nacional dos Estudantes. A eleição para a UNE contou com o apoio financeiro do IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, organização de direita criada no fim de 1961. 

Nos anos vindouros, Marco Maciel se filiaria a ARENA, partido que apoiava o regime de ditadura militar então instaurado, e passaria a atuar na política partidária na qual estreou em 1966 ao se eleger deputado estadual e a seguir deputado federal nos anos de 1970 e 1974. Maciel chegou a ser escolhido vice de FHC justamente por sua conduta moral. Antes dele, Fernando Henrique havia escolhido o alagoano Guilherme Palmeira, mas este caiu após a descoberta de um escândalo envolvendo o seu nome. 

Em agosto de 1994, com a campanha já em curso, o PFL fez uma reunião em São Paulo e anunciou Marco Maciel, escolhido por ser um nome sobre o qual não haveria qualquer risco de disse-me-disse sobre desvio de dinheiro público. “Maciel deixou um patrimônio tão modesto e discreto quanto seu modo de vida”, observa o professor Roberto Pereira, ex-secretário de Educação no Governo Marco Maciel. 

Provavelmente em razão da retidão, que o diferenciava dos políticos em geral, Maciel perdeu apenas duas eleições em sua vida. A primeira, em julho de 1963, para presidente da UNE, quando José Serra foi eleito. A segunda, em 2010, para senador, 47 depois da derrota na UNE. “Maciel fugia de confusões ou enfrentamentos desrespeitosos”, destaca Denise Rothenburg.

Em voos comerciais, segundo ela ouviu de assessores, Marco sempre viajava na poltrona 10 (a numeração era diferente das de hoje). “Certa vez, num voo que faria escala em Minas, a comissária de bordo lhe indicou a poltrona, onde já estava sentada uma senhora. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, a tal senhora se levantou e começou a fazer discurso contra os políticos. Ele, de maneira muito educada e formal, disse que não tiraria o lugar de uma dama e foi se sentar mais atrás”, recorda a jornalista.

Para acrescentar: “Um assessor de Maciel viajou incógnito ao lado da tal senhora e descobriu que se tratava de uma militante do PT de São Paulo. Para quem não estava acostumado a enfrentar esse tipo de situação, foi um alívio saber que era uma militante paulista e não alguém de fora da seara política”. 

Em vida, Marco Maciel fez a alegria dos chargistas, que o desenhavam como o “mapa do Chile” ou poste aceso, que dava luz aos embates dos políticos.

Extremamente religioso, fez questão de levar o candidato Fernando Henrique para uma missa no Mosteiro de Olinda durante a campanha, para desespero de parte da equipe de marqueteiros que considerou a parada desnecessária, mas o senador insistiu. 

Antes das complicações do Mal de Alzheimer, diagnosticado em 2014, Maciel era sempre consultado pelo partido e era visto na missa da Igreja Santo Antônio, na 910 Sul, ao lado da esposa, Anna Maria, que cuidou do marido durante todo o período da doença. “Na longa convivência, nunca vi ninguém tão bem-intencionado, vida limpa e honradez, desde a relação familiar, até as condutas públicas”, relata o ex-deputado Ney Lopes, do Rio Grande do Norte.

No seu livro de memórias, FHC confessou que Marco Maciel foi o vice dos sonhos, não criava problema e resolvia tudo o que era para ser resolvido. “Adversários o acusavam de ter servido a ditadura. Porém, não há evidências de que tenha assumido comportamentos arbitrários, ou que tenha se locupletado. Mesmo na ditadura, nunca deixou de ser democrata. Jamais se envolveu em escândalo”, acrescenta Ney Lopes.

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