Por Marcus Prado*
Há livros inspiradores que nascem para se multiplicar. Quando li a primeira vez “As Grandes Amizades”, de Raïssa Maritain (1883-1960), esposa do filósofo francês Jacques Maritain (1882-1973), casal de muita influência na geração pernambucana de Luiz Delgado e Nilo Pereira (Centro Dom Vital/década de 1950), achei que na sua linhagem daria uma página de memória sobre um convívio intelectual e fraterno entre pernambucanos de um passado não distante.
Foi o caso de César Leal, do casal Tânia e André Carneiro Leão, Marcelo Carneiro Leão, Tomás Seixas, com Francisco e Deborah.
A amizade, essência de sentimentos e ideias, de Zé Lins do Rego, Cícero Dias, Edson Nery da Fonseca, Renato Carneiro Campos e Roberto Mota por Gilberto Freyre. É o que explica as grandes amizades decantadas na literatura, entre John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973) e Clive Staples Lewis (1898-1963), entre Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), Hilaire Belloc (1870-1953) e George Bernard Shaw (1856-1950), entre Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), Henri Guillaumet (1902-1940) e Jean Mermoz (1901-1936).
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Na galeria das grandes amizades do Senhor da Várzea e dos secretos mistérios, havia, também, o solitário homem da Rua da Aurora: Paulo Fernando Craveiro. Hoje, nos seus 90 anos, na sua melhor fase criativa, escrevendo o seu próximo livro, “Memórias do Espelho”, é visto como o melhor cronista do cotidiano da sua geração pernambucana. O cotidiano e seus mistérios escondidos na luz do dia ou nas trevas da noite, a realidade do dia a dia para entender, numa linguagem poética singular, e amar, as ambiguidades e paradoxidades da existência.
Paulo tem procurado explorar nos seus livros as profundezas da psique humana, o tempo, a memória e a realidade, enquanto Brennand, através de suas cerâmicas e esculturas, criava mundos de formas orgânicas e figuras oníricas, quase míticas. Ambos compartilham uma visão estética que vai além do convencional e desafia o leitor a interpretar o que é visto ou lido. Apesar de trabalharem com mídias diferentes, Craveiro e Brennand compartilhavam raízes culturais em Pernambuco, e ambos exploraram temas de ancestralidade, mitologia e surrealismo.
É possível que o Recife e a rica tradição cultural pernambucana tenham influenciado fortemente o desenvolvimento de suas artes, levando-os a questionar as normas estabelecidas e a buscar na história e nos mitos uma fonte de inspiração contínua. Francisco Brennand, com sua linguagem visual densa e simbólica, poderia também encontrar na obra de Craveiro uma ressonância poética que ecoa o lado introspectivo e espiritual de sua própria arte.
Ambos ampliam o entendimento do imaginário brasileiro ao recriar cenários que, ao mesmo tempo são íntimos e locais, alcançam o universal. O Recife, para eles, poderia ser tanto um ponto de partida como uma alegoria – o que, para Craveiro, talvez represente uma cidade habitada pela memória e, para Brennand, um mundo repleto de figuras que evocam rituais e mistérios antigos.
*Jornalista
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