Não houve violência no episódio, pois “Jeba” teria sido distraído em uma “balada” com vizinhos enquanto os rivais entraram em sua casa e levaram os objetos. No universo dos torcedores organizados, quem se apodera de peças como instrumentos musicais, faixas, bonés e bandeiras dos adversários costuma exibi-los como troféus. É uma humilhação para quem os perde.
Sexta-feira de expectativa
A informação do furto da bateria espalhou-se pelas mídias sociais imediatamente. Na sexta-feira, véspera do clássico entre Santa Cruz e Sport, a expectativa na cidade era de que os rubro-negros da Jovem fossem à forra contra os tricolores da Explosão Inferno era grande entre o público que acompanha futebol.
Às 11:37min daquele mesmo dia, a organizada do Santa Cruz protocolou ofício no Batalhão de Choque da Polícia Militar informando que seus integrantes iriam se reunir em dois pontos da Região Metropolitana do Recife: na avenida Caxangá, perto do terminal integrado, e no centro de Jaboatão, de onde um ônibus saiu em direção ao estádio do Arruda pela BR-101. As organizadas chamam de “bondes” essas concentrações de componentes.
Correria em Prazeres
A manhã de sábado começou com a circulação nas redes e no whatsapp de vídeos de correrias provocadas entre grupos de torcedores nos bairros da Muribeca e Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes. Um áudio de um dirigente da Jovem da zona sul que viralizou na segunda-feira, 3 de fevereiro, explica o que aconteceu: “a gente varreu os caras em Prazeres”. Traduzindo: os integrantes da Jovem perseguiram e colocaram para correr os torcedores corais naquele bairro.
A suposta invasão da Ilha do Retiro
Por volta das 10h, centenas de integrantes da Inferno que estavam concentrados na confluência da avenida Caxangá com a BR-101 iniciam o deslocamento a pé até o bairro da Madalena, onde dobrariam à esquerda para o Arruda. De acordo com Adriano Costa, ex-coordenador da Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg) apenas uma viatura da PM, com quatro homens acompanhavam o “bonde”.
A “marcha” da Inferno pela Caxangá incomodou a Jovem. É o que deixa claro um texto atribuído a Arthur Renato, o “Major Renatinho”, ex-presidente da organizada, afastado por suspeita de envolvimento no ataque ao ônibus dos jogadores do Fortaleza em 2024: “Por erro de planejamento, emoção e empolgação pra ‘cobrar’ a fita da bateria ou até mesmo pra não deixar os caras marcharem na Caxangá, avenida que somente a jovem marcha, os cabeças decidiram ir de encontro com a caminhada deles”.
Correndo para o confronto
Àquela altura, havia o temor de que aquele grupo que caminhava pela Caxangá sem escolta policial estivesse, na verdade, se dirigindo à Ilha do Retiro onde atacariam a sede do clube rival.
Esse mal entendido precipitou a decisão de conduzir o grupo que tinha se aglutinado na Ilha a seguir em direção à Madalena para enfrentar os tricolores. A decisão teria sido tomada unilateralmente por João Victor Soares da Silva. No áudio, o dirigente da zona sul acusa João de ter sido “irresponsável por colocar sua vida e a dos componentes em risco” e que “ele não acata a opinião dos outros”, “tem de ser sempre do jeito dele”.
Então, 150 homens vestidos de amarelo e carregando barras de ferro, alguns usando capacetes, percorreram quase dois quilômetros a passos rápidos em uma região das mais movimentadas sem serem incomodados pela polícia.
Esse relato e as imagens em vídeo desmentem o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho. Segundo ele, “o grupo não foi visto, ele estava escondido e começou a atacar”.
O início do confronto
O texto atribuído a Arthur Renato, “Bonde do Major”, descreve com clareza o início do confronto, por volta das 11h: “Nos encontramos com eles na Real da Torre (…) Fica a mais ou menos 30 minutos andando da Ilha do Retiro. Rapaziada foi andando em passos rápidos pra conseguir chegar antes e estar preparado pro primeiro embate”.
“Chegamos bem dizer na mesma hora, a polícia tava em número ínfimo e tentou segurar o bonde dos caras, mas não conseguiu e eles furaram o bloqueio. Esse foi o primeiro momento da briga, estávamos com duas girândolas e poucas caseiras. Ganhamos esse primeiro momento”.
Destacamos a frase “a polícia tava em número ínfimo”. Naquele momento, o “bonde” da Inferno tinha quase 1.000 pessoas, nos cálculos de Adriano Costa – ou 700, pela estimativa da polícia de Pernambuco.
Vista aérea:
Cenas de guerra e crueldade
Atacados na Real da Torre, os tricolores da Inferno não revidaram instantaneamente. Se dividiram entrando nas ruas transversais: ruas Galvão Raposo, Manoel Bernardes e Antônio Vieira, a oeste; ruas Costa Gomes e José Bonifácio, a leste. Quando as bombas da Jovem acabaram, os tricolores se reagruparam e partiram para o contra-ataque.
As palavras de Arthur Renato, ou “Bonde do Major”, são mais eloquentes:
“…aí que perdemos a briga. Uma caseira deles atingiu o rosto do Th…, que conseguiu sair correndo e posteriormente foi resgatado, o mano tá com risco de perda de visão parcial de um olho. Além disso, não tava podendo se aproximar de torcida por ordem judicial, e por ter descumprido, vai pra cadeia novamente. Deve pegar uma cana pesada”.
(…)
“Daí pra frente foi só atraso. Imagina ter que correr 2, 3 km já cansado e tendo atrás de você um bonde revigorado e com motos na caça? Foi aí que pegaram todos, um por um. Moleque magro, com fôlego pra dar e vender teve que tentar pular grade e não conseguiu por conta de cansaço. Pra tanto que só teve 1 gordo que ficou fudido, de resto só rapaziada com condicionamento físico, e ainda assim não aguentou. Em resumo, quem não se escondeu ficou de exemplo”.
“Teve um parceiro que entrou numa loja de tintas e entrou um da Inferno atrás dele, dentro da loja trocaram porrada e o nosso mano derrubou o da Inferno, mas não conseguiu desmaiar. O cara saiu correndo e voltou com um bloco, não tinha mais pra onde o mano correr e virou lanche”.
“Teve mano se escondendo em loja, banca de jogo, restaurante, barbearia e afins. Pegaram menino de 16 anos, nosso bonde tava totalmente despreparado e com falha de logística”.
João Victor
Autor da ordem de ataque aos rivais, o presidente da Jovem, João Victor, estava predestinado a ser o principal personagem do confronto. Mesmo caído e desmaiado, continuou sendo espancado, teve sua roupa retirada e teve uma vara de bambu aparentemente introduzida no ânus. A cena chocou o país. A primeira impressão é que ele tinha sido assassinado à luz do dia em uma live transmitida pelos seus algozes.
Ele continua internado no Hospital da Restauração, de onde deve sair direto para a cadeia. A partir de terça-feira, começaram a circular informações não confirmadas de que, na verdade, para desmoralizá-lo a vara de bambu foi colocada presa entre suas pernas para dar a impressão de um empalamento – método de tortura medieval em que uma estaca é enfiada no ânus da vítima.
Escolta
O confronto terminou após a chegada de, pelo menos, 14 guarnições da Polícia Militar. Com uso de bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, os policiais reagruparam os integrantes da Inferno Coral e, de maneira surpreendente, continuaram a escoltá-los até o estádio. A maior parte dos componentes da Jovem conseguiu fugir, com as prisões acontecendo após o jogo.
Governo do Estado acuado
Duas horas depois da partida e de uma reunião com as autoridades de segurança do estado, Raquel Lyra convocou uma entrevista coletiva para anunciar a decisão que iria deslocar o foco das atenções por dois dias: “saímos com deliberações concretas, que se expressam através de recomendação do Ministério Público para a Federação Pernambucana de Futebol e os dois clubes, proibindo, pelos próximos cinco jogos, envolvendo o Sport e o Santa Cruz, a presença de torcida dentro do estádio”.
No domingo, dia 2 de fevereiro, viraliza a postagem da Explosão Inferno Coral com o ofício enviado dias antes ao comando da PM. Matéria do G1 expõe relatório da Polícia Civil comprovando que a segurança pública do estado sabia do alto de risco de confronto por causa do furto da bateria.
Na defensiva, o governo estadual convocou uma nova entrevista coletiva na manhã de segunda-feira para que o secretário de Defesa Social e o comando da PM apresentassem a versão oficial sobre o papel da polícia no episódio.
Vingança e provocações
A partir da segunda-feira, viralizam áudios de dirigentes da Jovem do Sport, mais uma vez atribuídos a Arthur Renato, prometendo vingança pelo suposto “estupro” sofrido por João Victor, uma violência que seria contra a “ideologia das organizadas”. Também viralizam imagens de um torcedor da Explosão Inferno Coral sendo encurralado em uma feira livre na Região Metropolitana e tendo suas roupas arrancadas.
Horas antes do jogo entre Sport x Fortaleza, uma torcida organizada do clube cearense posta em suas redes sociais a foto dos 10 instrumentos da bateria da Jovem com a frase “Tua bateria tá com nós”. Detalhe: a torcida do Fortaleza é aliada da Inferno Coral.
Bateria:
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