Do jornal O Globo
O chapéu branco modelo Panamá que passou a usar para esconder os curativos vai ficar de lado a partir de agora, disse Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com os ministros, na segunda-feira, ao se declarar “totalmente recuperado”. No mesmo encontro, no entanto, o presidente afirmou que não definiu ainda se vai concorrer à reeleição em 2026, que chegar bem até lá dependia de Deus e que gostaria de ter saúde para fazer o sucessor.
A ponderação acentuou a impressão que auxiliares já vinham colhendo em conversas reservadas com Lula: a disposição para o cotidiano árduo da política está distante da exibida nos mandatos anteriores. Nas últimas semanas, O GLOBO ouviu ministros e demais assessores presidenciais sobre como o petista tem se comportado a portas fechadas, especialmente depois do acidente doméstico que o levou a fazer uma cirurgia às pressas em dezembro para conter uma hemorragia na cabeça.
Todos são unânimes em dizer que a saúde do presidente, que tem 79 anos, está em dia e que ele tem adotado uma rotina rigorosa de cuidados pessoais, auxiliado pela primeira-dama Janja. Mas quem convive com Lula no dia a dia do governo reconhece que ele tem se tornado um político menos disponível e, por vezes, mais impaciente em reuniões. O mandatário não faz, por exemplo, encontros aos finais de semana como costumava realizar nas gestões passadas, não dedica tanto tempo para conversas com parlamentares nem gosta de ser incomodado tarde da noite. Segundo um ministro, o petista já deixou claro que quer o sábado e o domingo “para ele” sempre que possível — o que não o impede de telefonar a ministros quando julga necessário.
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No início do governo, Lula passou a fazer reuniões no começo da noite no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. Após o acidente, esses encontros ficaram mais escassos. De um lado, o presidente demonstra vontade de ter mais tempo livre. Do outro, tem a necessidade de descansar mais para aguentar compromissos muitas vezes exaustivos durante a semana ou em viagens, que, por ora, estão suspensas.
Essa dinâmica acaba se refletindo na agenda do presidente que, não raramente, sofre alterações em cima da hora para não tornar a rotina extenuante. Assuntos mais áridos são tratados no início do expediente, quando Lula se sente mais disposto. Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) não comentou.
Susto com a queda
Em conversas com ministros, o presidente ainda rememora como ficou impressionado com o fato de ter sido operado às pressas em São Paulo, em 10 de dezembro. Naquele dia, Lula passou mal enquanto despachava no Palácio do Planalto e, após fazer um exame de imagem na cabeça, constatou uma hemorragia intracraniana. Diante da gravidade da situação, foi transferido na madrugada para a unidade de São Paulo do Hospital Sírio-Libanês, onde realizou uma cirurgia sem intercorrência. Em entrevista, o médico Roberto Kalil, um dos responsáveis pelo tratamento do petista, disse que “corria o risco de acontecer o pior”.
Após receber alta, Lula foi liberado pelos médicos para exercer todas as atividades que cabem à Presidência. Mas o petista tem dado sinais de que, para tentar a reeleição, terá que avaliar o seu estado de saúde em 2026.
— Tenho certeza que o presidente Lula chegará com saúde e apetite em 2026 para defender o nosso governo. A melhor forma de fazê-lo é ser candidato à reeleição — minimiza o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Outro episódio que marcou Lula e tem sido repetido por ele em diferentes momentos foi a pane na aeronave que o trazia do México para o Brasil, em outubro do ano passado. Devido ao problema técnico, o avião oficial precisou ficar por horas dando voltas no ar e gastando combustível para poder aterrissar. O incidente deixou Lula incomodado. O ocorrido foi relembrado na reunião ministerial na semana passada como um momento de adversidade vivido pelo petista.
Incômodo com Biden
O caso da candidatura de Joe Biden nos Estados Unidos também deixou o presidente incomodado. Lula chegou a comentar na reunião ministerial como o ex-presidente norte-americano havia errado ao demorar a se afastar e indicar Kamala Harris como sucessora. A ideia de alguém que gozava de prestígio internacional e acabou prejudicando sua biografia ao insistir numa campanha causou impacto no petista, afirmam pessoas próximas.
— Não vejo saída fora da candidatura do presidente Lula. Tenho absoluta convicção de que, com a vitalidade e disposição que ele exibe hoje, será nosso candidato — reforça o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
No governo, pondera-se que não interessaria a Lula confirmar a reeleição neste momento para não dar munição aos rivais e antecipar a disputa. Ainda assim, interlocutores do petista reconhecem o peso que Lula carrega ao ser o único político que está em campanha permanente ao longo das últimas três décadas e de ser recordista de mandatos presidenciais desde a redemocratização — ao todo, com três.
Mas pessoas próximas ao petista têm buscado convencer o presidente de que não há alternativa além dele no PT para encarar um opositor da direita em 2026.
Entre os integrantes do partido, a confiança de que Lula não desistirá da candidatura deriva de duas constatações. A primeira é a que o “lulismo” segue como um campo muito maior do que o petismo. A preço de hoje, qualquer outro nome implicaria num risco muito maior de derrota ao partido. A ausência de sucessores e nomes populares no campo de esquerda também fazem com que opções da legenda enxerguem na campanha de Lula condição fundamental para impulsionar a candidatura de quadros do PT.
A segunda constatação é que Lula segue mostrando enorme interesse pela política e teria muita dificuldade em simplesmente se afastar do jogo do poder. Um integrante da direção petista diz que tem certeza de que Lula “está louco para ser candidato” e que sonha ampliar a margem de presidente com mais mandatos na História no regime democrático — já são dez anos na Presidência e podem virar 16 caso seja reeleito e fique até 2030.
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