Os apartamentos luxuosos dos fazendeiros de Petrolina, na orla do rio, têm vista para Juazeiro, onde o padrão de vida é outro. Hoje, há 90 mil pessoas empregadas em Petrolina, e 48,6 mil em Juazeiro.
No Censo de 2010, a disparidade já era desproporcional à população. Em Petrolina, havia 3.284 pessoas com renda acima de dez salários mínimos. Em Juazeiro, 1.614.
A população do lado pernambucano é maior – com 386 mil pessoas em Petrolina e 237 mil em Juazeiro. Mas nem sempre foi assim. A cidade baiana era maior até os anos 1980. O crescimento populacional aconteceu quando surgiram oportunidades de trabalho do lado pernambucano do rio.
Nos últimos dez anos, especialmente por influência do ex-senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), Petrolina recebeu R$ 464 milhões em transferências do governo federal, segundo levantamento do UOL. Juazeiro, por sua vez, teve só R$ 86 milhões.
Modelo de irrigação
O modelo adotado pela estatal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) nos projetos de agricultura irrigada nos dois municípios explica, em parte, essa diferença.
Em Petrolina, mais lotes foram distribuídos para pequenos produtores, que se beneficiaram do “boom” econômico na exportação de uva e manga. O PIB dos dois municípios foi de R$ 1,4 bilhão, em 2000, para R$ 14 bilhões em 2022.
A região é responsável por quase toda a exportação das duas frutas no Brasil. O clima é ideal para produtividade, com sol o ano todo e irrigação generosa.
Nos projetos da Codevasf em Petrolina, 14,8 mil hectares são lotes familiares. Em Juazeiro, são 5.900. A mão de obra é intensiva dos dois lados, com milhares de trabalhadores, mas mais agricultores enriqueceram em Pernambuco.
Esses projetos são instalados com dinheiro público, mas depois se tornam independentes financeiramente, concedidos a associações privadas. Os custos do bombeamento de água são rateados entre os produtores.
A região atraiu também investidores em outras áreas, tornando-se um dos principais polos de produção de vinhos do país após a tecnologia permitir a adaptação da uva ao semiárido.
Os padrinhos de Petrolina
A infraestrutura dos dois municípios foi influenciada pelo fato de Petrolina ter padrinhos políticos fortes em nível nacional, ao contrário de Juazeiro.
Petrolina era apenas a cidade de “passagem de Juazeiro” e, mesmo depois de emancipada, foi um município pequeno até os anos 1960, quando Nilo Coelho, filho de um influente fazendeiro local, tornou-se governador de Pernambuco.
Coelho prometeu “governar de costas para o mar”, e assim o fez. Em 1967, primeiro ano de sua gestão, ele conseguiu que o governo federal criasse a Suvale (Superintendência do Vale do São Francisco) para atender a região sertaneja. Sete anos depois, a superintendência virou a Codevasf.
Foi a influência da família que garantiu que, em 1979, o projeto mais bem-sucedido da companhia se instalasse em Petrolina — hoje, seu nome é Distrito de Irrigação Nilo Coelho. Em 2024, seus lotes produziram R$ 4,5 bilhões.
Moradores de Juazeiro lembram que a “queridinha” Petrolina ganhou, em 1968, a instalação de um porto, sendo que o rio é mais raso do lado de Pernambuco, ou seja, menos propício para atracar. O porto funcionou por pouco tempo, já que, em 1974, a barragem de Sobradinho, a 40 km da cidade, interrompeu a navegação no rio.
Nilo Coelho foi também senador e presidente do Senado. A rodovia BR-428, cujo traçado passa perto de Petrolina graças a ele, ganhou seu nome em sua homenagem. Em 1985, a cidade inaugurou um aeroporto, que também se chama Senador Nilo Coelho.
Outros da família Coelho, como os ex-prefeitos Guilherme Cruz de Souza Coelho, Augusto de Souza Coelho e José de Souza Coelho, integram a dinastia política.
O ex-senador Fernando Bezerra Coelho, sobrinho de Nilo, hoje é o líder político da família. No governo Dilma Rousseff (PT), foi ministro da Integração Nacional, responsável pelo projeto de transposição do rio São Francisco.
Seu filho, Miguel Coelho, foi prefeito de Petrolina entre 2017 e 2022.
Rivais, mas nem tanto
Apenas no Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, foram 15 vezes mais recursos enviados para o município pernambucano do que para o baiano entre 2014 e 2024.
A rivalidade, porém, não é maior que a colaboração entre as cidades. Muitos serviços de saúde e educação acabam sendo usados pela população dos dois lados, e as atividades produtivas caminham juntas.
Por isso, muitos indicadores econômicos e sociais são parecidos. O salário médio dos trabalhadores formais é o mesmo, de dois salários mínimos, e a população ocupada é de cerca de 20% nas duas cidades.
As nove instituições de ensino superior de Petrolina atendem também moradores de Juazeiro, onde há apenas cinco faculdades. E o mesmo vale para o sistema de saúde, já que a cidade baiana tem 337 estabelecimentos médicos, e Petrolina, 820.
Juazeiro não tem ruas largas e grandes obras como sua vizinha pernambucana. Na periferia, as ruas não têm asfalto. Mas a cidade também é um polo de desenvolvimento, com 28,3 mil hectares de área irrigada em projetos da Codevasf, além de outros empreendimentos.
Para os moradores da região ouvidos pelo UOL, prevalece o companheirismo eternizado no forró de Jorge de Altinho: “Petrolina, Juazeiro / Juazeiro, Petrolina / Todas as duas eu acho uma coisa linda / Eu gosto de Juazeiro / E adoro Petrolina”.
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