Por Antonio Magalhães*
Nunca o passado esteve tão presente no Brasil como nos dias de hoje. A vida política nacional se repete em ondas que vão e voltam. Esta semana, o presidente americano Donald Trump postou na Internet um texto em defesa de Jair Bolsonaro. Disse que o ex-presidente vem sendo perseguido pelo Supremo Tribunal Federal, numa verdadeira “caça às bruxas”, que os brasileiros não devem tolerar. E que o único julgamento a que ele pode ser submetido é o das urnas. Trump pede para que Bolsonaro seja deixado em paz.
Algo difícil de acontecer, no momento em que ele e seus apoiadores estão sendo julgados por uma suposta tentativa de golpe de estado em janeiro de 2023. E estão possivelmente já condenados por antecipação com base em delação premiada sem consistência e provas questionáveis.
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Mas por conta da nota de Trump, a esquerda e o governo petista caíram de pau em cima do presidente americano, acusando-o de querer interferir no judiciário e na política nacional. Estes mesmos queixosos se esquecem que o Governo dos Estados Unidos enviou, durante o regime militar, em 1977, a primeira-dama Rosalynn Carter para ouvir no Recife dois religiosos americanos, ligados a movimentos de periferia, que foram presos pela Polícia Civil de Pernambuco acusados de subversão. No encontro com a enviada do governo americano, eles disseram ter sido torturados.
Nas 23 horas que passou na capital pernambucana entre 8 e 9 de junho de 1977, ela ouviu, além dos religiosos Lawrence Rosenbaugh e Thomas Capuano, Dom Hélder Câmara e o então governador do Estado Moura Cavalcanti. Ficou clara a violação dos direitos humanos no Brasil, destacada pela visita ou pela “interferência” da esposa do presidente Jimmy Carter. Mesmo sem dar entrevistas, a imprensa internacional repercutiu a iniciativa, denunciando a triste situação brasileira durante o regime militar.
Foi uma “interferência” direta dos americanos no combate à violação dos direitos humanos – enfatizado por Carter em sua gestão – sem que houvesse qualquer queixa oficial do presidente da Ernesto Geisel (1974-1979). E só se ouviu elogios dos perseguidos da época que hoje se posicionam contra a defesa de Trump do ex-presidente Bolsonaro.
Plano Cohen revivido com o “gópi”
Não é novidade o uso de documentos e depoimentos fantasiosos para justificar o crescimento do autoritarismo na política brasileira, como no julgamento dos acusados de um suposto golpe de estado. Do mesmo modo como agem hoje a esquerda e os parceiros do judiciário na perseguição à direita, os esquerdistas foram vítimas em setembro de 1937 da falsa comunicação de um plano cujo objetivo era a derrubada do ditador Getúlio Vargas, arquitetado pelo Partido Comunista Brasileiro e organizações comunistas internacionais.
O Plano Cohen, assim chamado, foi elaborado dentro do governo Vargas por militares da confiança do ditador, simulando uma revolução comunista e um ataque ao estado democrático de direito. O falso documento apresentado como prova previa a eliminação física de chefes militares, ministros de Estado e de representantes do STF da época. A artimanha getulista permitiu a neutralização do Congresso, a outorga de uma nova Constituição e a prisão de adversários, inclusive sob a ameaça de pena de morte. O Estado Novo varguista foi implantado, a ditadura sem disfarces.
Apesar de você, Chico Buarque
Em outra esfera onde o velho é o novo, o compositor e cantor Chico Buarque deve estar se remoendo de raiva. As músicas que fez contra o regime militar em defesa da liberdade e dos direitos individuais, compostas como protesto, estão sendo usadas hoje para a defesa dos princípios democráticos que vêm sendo violados no Brasil com apoio silencioso de Chico. Ele cantava para os brasileiros oprimidos de então: “Amanhã vai ser outro dia/ Hoje você é quem manda/ Falou, tá falado/ Não tem discussão, não/ A minha gente hoje anda falando de lado/ E olhando pro chão, viu/ Você que inventou o esse estado/ E inventou de inventar/ Toda escuridão/ Você que inventou o pecado/ Esqueceu-se de inventar/ O perdão/ Apesar de você amanhã há de ser outro dia”.
Fiel aliado da ditadura cubana e fechado com o mais radical e autoritário petismo, Chico Buarque perdeu a credibilidade para qualquer outra ação libertária. Prefere curtir seu apartamento de Paris. E certamente renegaria a autoria da letra da música “Cálice” que diz num trecho: “Como beber dessa bebida amarga/ Tragar a dor, engolir a labuta/ Mesmo calada a hora, resta o peito/ Silêncio na cidade não se escuta/ De que vale ser filho da santa/ Melhor seria ser filho da outra/ Outra realidade menos morta/ Tanta mentira, tanta força bruta”. E Chico repete: “Pai/ Afasta de mim esse cálice/ Afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue”.
Como se vê não há novidades no front político nacional. O que já foi, volta a ser. O maremoto antidemocrático já faz parte da tradição brasileira, intercalado por breves momentos de maré mansa com perspectiva de um bom futuro. Agora, o melhor é aceitar a sugestão de Paulinho da Viola na música “Argumento”: “Faça como um velho marinheiro/ Que durante o nevoeiro/ Leva o barco devagar”. É isso.
*Jornalista
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