Por Marcelo Tognozzi
Colunista do Poder360
No fim de 2024, o juiz Fernando Bueno da Graça, de Cianorte (PR), decidiu que a multa determinada no contrato entre um posto de gasolina e uma distribuidora de combustíveis era abusiva. A distribuidora queria cobrar R$ 9,8 milhões do posto alegando descumprimento de cláusulas contratuais.
O processo, sob segredo de Justiça, mostra a relação abusiva entre as grandes distribuidoras e os postos. Não é por acaso que os postos independentes, também conhecidos como bandeira branca, cresceram 16% nos últimos anos.
Leia maisA relação entre donos de postos e grandes distribuidoras faz parte de um submundo pouco conhecido por nós, consumidores, mas que começou a emergir na medida em que a Justiça passou a entender o quanto as grandes marcas que dominam o mercado de distribuição de combustíveis prejudicam tanto empresários quanto consumidores.
De acordo com dados deste ano da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), as três maiores distribuidoras são: Vibra Energia (BR Distribuidora) com 20,7%, Ipiranga com 14,7% e Raízen (Shell) com 14,4%. Juntas, controlam 49,8% do setor. As demais distribuidoras ficam com 50,2%.
Os postos de bandeira branca, sem vínculo com as grandes marcas, estão crescendo e tomando mercado dos postos com bandeira. A grande vantagem é que podem comprar combustível mais barato, ganhando na margem de lucro e ao mesmo tempo favorecendo o consumidor. O combustível deles é o mesmo dos postos bandeirados, comprado de distribuidoras cujo fornecedor principal é a Petrobras.
Na medida em que estes postos começaram a aumentar sua participação no mercado, veio uma onda de desinformação. Foram jogados na vala comum dos fraudadores de combustível e vinculados de forma generalista ao crime organizado, o que levou a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes) a publicar uma nota oficial em defesa do postos sem bandeira. Qualquer um pode vender combustível adulterado, e as organizações criminosas controlam muitos postos que levam a marca das bandeiras conhecidas.
Nos últimos anos, os postos independentes tomaram 4% a 5% do mercado das maiores distribuidoras. Os donos de postos estão se livrando dos contratos com os quais ficam amarrados às grandes distribuidoras, nos quais há metas de compra de produtos e outras cláusulas leoninas, conforme entendeu o juiz de Cianorte.
O advogado paranaense Antonio Fidelis, autor do livro “Os conflitos entre postos de gasolina com as distribuidoras”, mostra em detalhes como é feito o controle das grandes distribuidoras sobre os postos. Cita vários casos de donos de postos que buscaram na Justiça a revisão de contratos abusivos.
Em Pernambuco, um posto foi condenado a pagar uma multa de R$ 800 mil a uma distribuidora por romper o contrato, mas conseguiu reverter a decisão na 2ª Instância. O Tribunal de Justiça enxergou um desequilíbrio na relação contratual. Fidelis explica que, recentemente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) abriu precedente para a revisão dos contratos ao reforçar que a boa-fé objetiva e o equilíbrio econômico do contrato devem ser considerados nos casos de rescisão motivada por práticas abusivas da distribuidora.
O advogado analisa o mercado brasileiro, mostrando a concentração de mercado, com as grandes distribuidoras dominando e criando uma falsa sensação de concorrência, quando, na realidade, vendem o mesmo combustível comprado da Petrobras. É importante que os consumidores tenham consciência disso. Os combustíveis vêm da mesma fonte e são vendidos com marcas diferentes.
Com o deficit de refinarias no Brasil, vendemos petróleo e importamos diesel e gasolina, porque, sozinhas, nossas refinarias não conseguem abastecer o mercado.
O livro também trata de outro aspecto importante: a Justiça tem considerado enriquecimento ilícito a aplicação de multas abusivas. É o que entendeu, por exemplo, o desembargador Albino Jacomel Guérios, do TJPR (Tribunal de Justiça do Estado do Paraná), em 28 de julho de 2022:
“Seguindo os critérios enumerados pela doutrina: manter a multa implicaria em enriquecimento injusto da parte mais forte. Por essas razões, para evitá-lo, as multas devem ser reduzidas em 95% (noventa e cinco por cento), ou seja: os réus devem efetuar o pagamento de apenas 5% (cinco por cento) do valor pretendido pela autora.”
Não foi por acaso que as grandes distribuidoras foram condenadas pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) por práticas anticoncorrenciais, conforme documento da Advocacia Geral da União. Pior: a penalidade de revogação da autorização para funcionamento não foi cumprida pelos órgãos competentes.
Num país como o Brasil, movido a gasolina e óleo diesel, quando os grandes se juntam para dominar os pequenos, prejudicando a livre concorrência, os maiores prejudicados são os consumidores. A Justiça tem tido um papel importante no aumento do número de postos independentes e da concorrência. Num mercado vital para o funcionamento do país, os abusos precisam ser banidos.
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