Do jornal O Globo
Formada em grande parte por parlamentares alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a bancada ruralista manifestou preocupação e embaraço com o tarifaço de 50% anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Reservadamente, deputados e senadores ligados ao agro admitem que é constrangedor os empresários, em sua maioria de direita, estarem em situação de risco comercial provocada, em parte, pela maior liderança do campo político deles. O americano justificou a medida pelo processo de “caça às bruxas” a que Bolsonaro estaria submetido pelo Poder Judiciário.
A partir de 1º de agosto, se a ameaça de Trump for cumprida, produtores brasileiros serão prejudicados, principalmente na exportação de laranja, café e carne. Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) defendeu uma “resposta firme e estratégica” e uma “diplomacia afiada”.
Leia maisPublicamente, deputados e senadores que representam a Frente Parlamentar do Agronegócio evitam críticas à família Bolsonaro e avaliam que o governo Lula colocou os empresários em risco quando provocou o presidente americano.
Uma das falas mais problemáticas, de acordo com eles, foi a defesa de uma moeda alternativa ao dólar, durante a cúpula dos Brics, bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e mais seis países.
“Eu acho que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar. Quando for com os EUA, ela passa pelo dólar. Quando for com a Argentina ou China, não precisa. Ninguém determinou que o dólar é a moeda padrão. Em que fórum foi determinado?”, afirmou Lula na semana passada.
Integrantes da bancada ruralista também citam o apoio de Lula e integrantes do governo à luta palestina contra Israel e a postura do presidente de evitar críticas a regimes autoritários como Venezuela, Cuba e Irã.
“A postura (da oposição) de culpar o governo federal é correta. Houve um derretimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos. O desafio deve permanecer na linha diplomática para que se resolva tecnicamente o assunto. É necessário equilíbrio e não confundir economia com política ou ideologia”, disse o presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR).
Boa parte da bancada ruralista foi eleita graças à influência de Jair Bolsonaro, que investiu tempo de sua campanha em 2022 nos palanques pelo interior dos estados de maior produção agropecuária, como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná. Uma ruptura com o ex-presidente, antes de saber o alcance que ele terá em 2026, poderia ser um tiro no pé.
Apesar da relação conflituosa com Lula, parlamentares da bancada ruralista têm diálogo com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Senador licenciado e eleito pelo PSD em Mato Grosso, ele é considerado um político de centro e que atende grande parte das demandas do setor.
Na última quinta-feira, Fávaro chamou de “indecente” a imposição de uma sobretaxa de 50% a todos os produtos brasileiros, pelos Estados Unidos. Fávaro relatou ter telefonado para as principais entidades representativas dos setores mais afetados e disse que buscará novos mercados para as exportações brasileiras.
Defesa de negociação
Tanto os parlamentares, quanto as associações de empresários do setor, pedem que o governo evite a escalada das tensões e tomem atitudes mais drásticas, como o uso da Lei da Reciprocidade Econômica.
A lei foi aprovada pelo Congresso em abril deste ano e permite ao Brasil responder com sanções comerciais a países que não mantenham uma relação de isonomia econômica. A aprovação ocorreu em resposta ao primeiro tarifaço de Trump, quando o presidente americano anunciou “tarifas recíprocas” de ao menos 10% para produtos estrangeiros importados pelos americanos. Relatado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), o texto chegou a ser criticado por bolsonaristas, mas aprovado por unanimidade no Senado (70 a 0), por aclamação na Câmara e sancionado.
Originalmente, o texto tratava de equiparar exigências de controle ambiental, mas também criou barreiras econômicas para outros países ou blocos que afetem a competitividade brasileira no exterior. Com a lei, a Câmara de Comércio Exterior, do Ministério de Indústria e Comércio tem poderes para suspender concessões comerciais e de investimentos em resposta a países ou blocos econômicos que impactem negativamente a competitividade dos produtos nacionais.
Especialistas ponderam que, embora o diálogo entre os dois países seja essencial, a maneira como a taxação foi anunciada, com justificativa política, leva a crer que o Brasil será forçado a aprofundar relações com novos parceiros comerciais.
Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. No ano passado, as vendas de produtos brasileiros ao país ultrapassaram os US$ 40 bilhões. No agronegócio, Brasil e EUA são concorrentes no mercado mundial de alguns produtos, como soja e algodão. Os principais produtos exportados para os EUA foram siderúrgicos, aeronaves, óleos combustíveis, petróleo, café e carne bovina fresca. Já os itens mais comprados pelo Brasil foram motores e máquinas, óleos combustíveis, aeronaves, petróleo e carvão.
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