Editorial O Globo
O Congresso está sem rumo. Fala em responsabilidade fiscal e austeridade, mas, no mesmo dia em que derruba o decreto presidencial aumentando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), aprova a ampliação da Câmara de 513 para 531 deputados – com impacto anual perto de R$ 750 milhões (incluindo emendas parlamentares) e efeito cascata nas assembleias legislativas.
No setor de energia, o Parlamento beneficia com bilhões grupos de pressão e repassa a conta ao consumidor. Para não falar no descalabro das emendas, que segue sem solução. O Congresso sempre foi sócio do Executivo no descontrole das contas públicas – e será cada vez mais, se não adotar postura fiscalista.
Leia maisO decreto determinando aumento do IOF era um equívoco. Incapaz de realizar cortes de gastos, o governo apelou, mais uma vez, à alta da já escorchante carga tributária. Tal medida inibe o crédito, desestimula investimentos e pressiona a inflação. Mesmo com os recuos, o decreto era inaceitável, e derrubá-lo era a medida correta. A Câmara fez bem em não aceitar mais aumento de impostos. Mas, para manter tal postura, deveria ter proposto cortes estruturais em busca do equilíbrio fiscal. Não adianta acertar numa decisão e errar noutras tantas.
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), precisam pôr em prática o que se comprometeram a fazer no discurso. Em repetidas declarações, Motta demonstrou preocupação com a “situação insuportável” do país. Falando sobre ajuste fiscal num simpósio em Brasília, disse não ser mais possível “empurrar sujeira para debaixo do tapete”. Em entrevista ao GLOBO, prometeu se empenhar por “medidas estruturantes”. Alcolumbre descreveu o decreto do IOF como usurpação das atribuições do Congresso e reuniu-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em busca de soluções. Apesar de todo esse blá-blá-blá, nada de “estruturante” ou minimamente capaz de resolver a crise fiscal andou no Congresso. Pelo contrário.
Um Projeto de Lei assinado por Motta prevê acúmulo de aposentadoria e salário de parlamentares, ultrapassando o teto constitucional, de R$ 46.366. O aumento de 18 cadeiras na Câmara dos Deputados aprovado nesta semana seria injustificável mesmo que as contas públicas estivessem ajustadas. Com a bomba fiscal próxima de estourar e estrangular o Orçamento, parece um deboche. O Parlamento também ofende os eleitores quando derruba vetos presidenciais aos famigerados “jabutis” da lei das usinas eólicas (nesse ponto, ainda há tempo de manter vetos ligados a termelétricas a carvão e gás, mesmo assim o custo do que já impuseram na conta de luz dos brasileiros é estimado em R$ 35 bilhões anuais).
Com declarações a favor e ações contra o ajuste fiscal, o Congresso se revela distante da realidade, contraditório e inepto. A estratégia de atribuir responsabilidades ao Executivo tem limites. O Parlamento não depende de nenhum outro Poder para evitar a explosão da dívida pública. Poderia começar desvinculando o salário mínimo dos benefícios previdenciários. Outras medidas estruturais de impacto são a desvinculação das despesas de saúde e educação da arrecadação e cortes nas emendas parlamentares, que consomem 21% das despesas livres do governo. Que tal Motta, Alcolumbre e companhia deixarem de lado o falatório e começarem a trabalhar a favor dos brasileiros?
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