Por Antonio Magalhães*
O tédio é o pai do risco sem consequência, uma tendência global que leva as pessoas a procurarem atividades arriscadas que lhes permitam vivenciar o “perigo fictício” com uma suposta baixa possibilidade de acidente ou morte. Para os aventureiros sem causa, diante da irrelevância do resultado de suas estrepolias, a produção do hormônio da adrenalina é apenas para diversão, para se mostrarem valentes, diferenciados ou darem vazão à insanidade.
Hoje a “adrenalina sem risco” é um hobby para acalmar e maximizar o ego. Embora muitas vezes o desfecho seja trágico, como no caso da morte da jovem brasileira Juliana Marins na trilha do Monte Rinjani, na Indonésia. Em sua corrente sanguínea corria intensamente o hormônio que aumenta a pressão, acelera as batidas do coração e prepara o organismo para lutar ou fugir. Isto em situações reais. Contudo, para os viciados em adrenalina — aventureiros em geral, como esta moça — desafios que comportem riscos controlados são sempre bem-vindos.
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Juliana Marins participava de um grupo que excursionou em solo vulcânico, um terreno pouco compactado que não dá firmeza ao caminhar. Num ponto mais aberto, Juliana escorregou e deslizou para uma fenda profunda. Primeiro caiu cerca de cem metros desde a borda; depois, ferida, foi arrastada ao longo de quatro dias por mais de 600 metros em local de difícil resgate. Uma vida jovem perdida.
Mas “correr o mundo, correr perigo”, muito mais do que sugere a música de Caetano Veloso, foi a opção de Juliana Marins e vem sendo de muitos jovens e idosos no planeta. Para esses, a vida tem de ser vivida intensamente, mesmo diante de uma ilusão que pode custar suas vidas.
E isso já é coisa antiga, quando a curiosidade supera o temor pelo perigo. Em 1891, Antônio da Silva Jardim — advogado, jornalista e ativista político em defesa dos movimentos abolicionista e republicano — visitava Nápoles, na Itália, quando resolveu, com amigos, visitar as bordas do vulcão Vesúvio, responsável pela destruição de Pompéia. Pois bem: a curiosidade matou esse jovem intelectual de 30 anos ao cair numa das fendas do vulcão. Hoje, Silva Jardim é um município de São Paulo e também dá nome a uma escola pública no Recife.
E por aí vai. A suposta “adrenalina sem risco” continua fazendo vítimas, lá fora e aqui. Nada mais belo do que a paisagem da Capadócia, na Turquia, tomada por balões coloridos transportando turistas alheios ao risco de queda e morte. Vez por outra, um cai fazendo vítimas. Em Santa Catarina, dias atrás, despencou — e incendiou-se — um balão com 21 pessoas na cesta. Na queda, morreram oito delas pelo prazer de correr um risco desnecessário.
Outra modalidade para quem quer se aventurar no espaço vazio “aparentemente sem risco” de queda fatal é o bungee jump — um salto de grande altura, preso aos tornozelos ou à cintura por uma corda elástica. O mesmo se dá com riscos supostamente medidos em atividades como voo de asa-delta, paraquedismo e rapel, além de escaladas em pequena altura. Vez por outra, mais uma vida jovem perdida.
Ou o que dizer de um safári na África em meio a animais selvagens de grande porte? Qual a garantia de que eles não vão atacar os visitantes? Um casal amigo se viu desprotegido quando uma dessas feras avançou contra a caravana. Não dava para fugir nem lutar. A adrenalina explodiu no ar. O mesmo ocorre com quem se tranca em uma gaiola de aço, submersa no mar da África do Sul, para ver de perto tubarões brancos — bem maiores do que os de Boa Viagem. No Recife, muita gente sequer toma banho de mar, pois o risco com tubarões pode ter consequências fatais.
Se os momentos de falso perigo ou risco controlado citados acima parecem caros financeiramente, há, para quem quer se expor ao risco sem gastar muito, os parques de diversões: montanhas-russas com curvas e subidas vertiginosas, elevadores de alto impacto e até balanços giratórios em velocidade, como o Wave Swinger — que, em setembro do ano passado, provocou a morte de uma moça em Pernambuco.
Como se vê, a “adrenalina sem risco” é mais um mito da sociedade moderna que, muitas vezes, preenche apenas almas vazias. Como alertava o poeta pernambucano Ascenso Ferreira (1895-1965), no poema “Gaúcho”:
“Riscando os cavalos! Tinindo as esporas! Través das coxilhas! Sai de meus pagos em louca arrancada! Para quê? Pra nada!”
É isso.
*Jornalista
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