Do jornal O Globo
Enquanto a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Imunidade Tributária, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), aguarda votação no plenário da Câmara Federal, ao menos 30 benefícios fiscais já foram aprovados por estados e municípios desde o início da atual legislatura, em 2023. As medidas mapeadas pelo GLOBO refletem uma ampliação, por ora em nível local, das benesses propostas por Crivella no Congresso.
No âmbito federal, a proposta busca expandir a atual imunidade tributária das igrejas, hoje restrita a impostos diretos, como IPTU e IPVA, para incluir contribuições como INSS e FGTS, além de beneficiar organizações vinculadas às entidades, como comunidades terapêuticas. Embora oficialmente destinada a todos os credos, a PEC é fruto direto da pressão de grupos evangélicos organizados, especialmente de grandes denominações como a Igreja Universal do Reino de Deus, da qual o próprio autor da proposta é bispo licenciado.
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Nos estados e municípios, a maior parte das medidas aprovadas por assembleias legislativas e câmaras municipais envolve isenção a tributos como ICMS (10 casos) e taxas de lixo (6 casos). A imunidade para os templos está prevista na Constituição, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a isenção se refere aos tributos diretos, como o IPTU de imóveis e o IPVA de veículos registrados em nome das entidades religiosas.
No Rio, a ofensiva em favor das igrejas avançou em várias frentes. Em dezembro de 2024, a Câmara Municipal aprovou lei que isenta templos religiosos de quaisquer taxas para uso de áreas públicas em eventos, em votação conduzida por Inaldo Silva (Republicanos), bispo da Igreja Universal e integrante da bancada evangélica. Já em junho do mesmo ano, os vereadores aprovaram isenção de taxas para regularização de construções irregulares — os chamados “puxadinhos”.
Água, lixo e esgoto
A pauta de isenções avançou também em outras capitais e municípios do interior. No Distrito Federal, foi aprovada a isenção da taxa de esgoto. Em Fortaleza, em dezembro de 2024, a Câmara Municipal aprovou uma emenda que isenta igrejas da taxa de lixo, benefício que também foi concedido em cidades como Crissiumal (RS) e Campinas (SP).
Em Ponta Grossa (PR), a Câmara de Vereadores aprovou, em outubro de 2024, projeto que concede anistia fiscal e isenção de tarifas de água a igrejas e templos com mais de cinco anos de funcionamento, perdoando inclusive dívidas já existentes.
Embora a isenção de IPTU já tenha sido reforçada com reconhecimento pelo Supremo, há lugares em que o benefício, sobretudo para imóveis alugados — que não estão em nome das igrejas, portanto —, precisou de mobilização política de líderes religiosos para ser aprovado; caso de Maceió (AL) e de Campo Grande (MS). Em Nova Friburgo (RJ), a isenção de tributo foi incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, com renúncia fiscal estimada em R$ 6 milhões.
Esse movimento contínuo de aprovação de benefícios evidencia o peso crescente de bancadas evangélicas, que, segundo analistas, têm usado sua força política para garantir vantagens fiscais às suas bases religiosas.
— As igrejas querem maximizar suas operações e buscam isenções e descontos em cada atividade que realizam — afirma o pesquisador Vinicius do Valle, do Observatório Evangélico.
A utilização da fé como capital político se intensifica especialmente em anos eleitorais, segundo a pesquisadora Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião (Iser).
— Há um jogo de troca com o governo federal. Benefícios como a ampliação da imunidade tributária interessam aos parlamentares e às igrejas, mas representam perdas fiscais significativas para a União e os entes federativos — aponta.
Apesar dos acenos, lideranças evangélicas negam que as benesses sejam fruto de pressão do segmento e mantêm o discurso de direito preestabelecido.
— As entidades religiosas têm imunidade tributária prevista na Constituição. Não fazem mais que a obrigação — afirmou Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
Governadores
Em 2024, governadores também aderiram à concessão de benefícios: o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), se somou aos do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL); do Pará, Helder Barbalho (MDB); e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
Tarcísio concedeu isenção de ICMS para importados destinados a igrejas. No Rio e no Pará, Cláudio Castro e Helder Barbalho promoveram isenções no mesmo tributo, mas incidente sobre contas de gás e luz de templos. Ibaneis Rocha, por sua vez, assinou decreto que regularizou terrenos de 400 igrejas e entidades sociais no DF, dentro do programa Igreja Legal, que prevê regularização gratuita e perdão de tributos retroativos.
Desde a promulgação da Constituição de 1988, leis específicas vêm detalhando o alcance das imunidades tributárias concedidas a templos. Em 1997, veículos registrados em nome de igrejas passaram a ser isentos do IPVA. Posteriormente, novas tributações foram criadas e incluídas no rol de isenções. Em 2000, por exemplo, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que incide sobre heranças e doações, foi sancionado com exclusão da arrecadação proveniente de dízimos e contribuições de fiéis.
Salto com Bolsonaro
Entre 2001 e 2019, não houve mudanças significativas na tributação das igrejas até a chegada de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência, com amplo apoio do segmento evangélico. Em 2019, ele liberou as igrejas de pagarem ICMS sobre serviços e produtos — incluindo contas de energia elétrica — por até 15 anos.
Dois anos depois, o ex-presidente perdoou uma dívida de R$ 1,4 bilhão referente ao pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), imposto federal que incide sobre o lucro líquido de templos. Às vésperas da eleição de 2022, Bolsonaro sancionou outra lei que beneficia pastores em relação à contribuição previdenciária.
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