No governo passado, a Compesa fez uma PPP com a empresa BRK para ampliar a cobertura de saneamento e tentar cumprir a Agenda 2030, que é da ODS/ONU, que traz objetivos de desenvolvimento sustentável. Mesmo tendo 4 bilhões em caixa, o Governo do Estado decidiu fazer um processo de concessão parcial dos serviços da Compesa, que é uma sociedade anônima de economia mista, conforme a Lei nº 18.139/2023.
- Inconstitucionalidades da Lei 14.026/2020?
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou em 2021, a validade do Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020), que foi questionado em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6492, 6356, 6583 e 6882). Em decisão majoritária, com voto condutor do Ministro Fux, o colegiado concluiu que a nova regulamentação para o setor foi uma opção legítima do Congresso Nacional para aumentar a eficácia da prestação desses serviços e buscar sua universalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais.
Ficaram parcialmente vencidos os ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski e a ministra Rosa Weber. Para essa corrente, parte dos dispositivos questionados violam a autonomia municipal para escolher a melhor forma de contratação e de prestação do serviço de saneamento básico.
As ações foram ajuizadas pelo Partido Democrático Trabalhista (ADI 6492), pelo Partido Comunista do Brasil, Partido Socialismo e Liberdade e Partido dos Trabalhadores (ADI 6536), pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ADI 6583) e pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (ADI 6882).
Contudo, tal lei, que sofreu forte influência das empresas do mercado, privilegia uma forma de concessão em que o Estado fica com o osso e a nova concessionária fica com o filé, ferindo o princípio da autonomia municipal, da moralidade pública, entre outros.
Na realidade, é uma privatização com prazo certo, do filé, ficando o Estado com o osso, beneficiando a gestão em vigor e a empresa que pega a concessão, jogando o problema para o futuro. A questão é de gestão e existe outras formas de capitalizar a empresa, como emissão de debentures ou abertura de capital.
Alguns aspectos dessa lei certamente serão objeto de novas ações no Supremo Tribunal Federal, que defenderão a tese da mutação constitucional, segundo ouviu de especialistas em Direito, ante a prática de demonstrar que o modelo tem se mostrado perverso, o Estado fica com o osso e a concessionária com o filé.
- Trâmite
Para que essa concessão parcial seja efetivada é necessário que a proposta seja submetida e aprovada pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, embora haja quem defenda que não precisa.
A previsão é que o processo de concessão ocorra entre junho e julho de 2025, após a adesão dos municípios ao novo modelo de contrato. O projeto estava disponível para consulta pública até 7 de fevereiro de 2025 no site da Secretaria de Recursos Hídricos.
- Outros aspectos
A estatal continua responsável pelo processo de captação e tratamento de água e transporte até o reservatório. Já os serviços de distribuição de água e de coleta de esgoto serão concedidos.
Há quem critique o modelo de concessão parcial, uma vez que os custos de captação de água devem se elevar ainda mais e que haveria outras formas de capitalização da Compesa, como emissão de debentures.
A concessão de serviços da empresa de água de Sergipe gerou muitos debates, naquele Estado, no ano passado. A proposta prevê investimentos de R$ 18,9 bilhões por 35 anos. Desse valor, R$ 8,1 bilhões se referem à distribuição de água e R$ 10,8 bilhões, ao esgotamento sanitário.
É provável que entre no caixa do Estado cerca de 9 bilhões de reais, segundo estudiosos, ainda esse ano, o que faria a atual gestão do Governo do Estado avançar na distribuição de água e capitalizar o cofre do Estado, cacifando ainda mais o poder do Estado.
Quanto a Sabesp, em São Paulo, o que houve foi uma abertura de capital, com venda de parte das ações, que é uma empresa diferente da situação da Compesa, tendo captado cerca de 7,9 bilhões. Tal modelo, embora previsto na Lei do Saneamento, na prática, concessão parcial, deverá aumentar o valor da tarifa para uma maioria, mesmo que se alegue impossibilidade momentânea prevista na modelagem, ante a possibilidade de reequilíbrio econômico financeiro.
A alegação de subsidiar a tarifa social beneficia apenas uma parte dos usuários, enquanto a maioria vai ter uma conta mais cara. É um dos principais calcanhares de Aquiles do projeto.
Além de modelar, o BNDES deverá financiar parte da concessão a uma empresa privada. Com o retardamento da Transnordestina trecho Salgueiro/Suape, a concessão parcial dos serviços da Compesa é o assunto estrutural mais importante, no momento, do Governo do Estado e passa pelo Governo Federal, através do BNDES, o que amarra, por enquanto, Raquel Lyra ao Governo Federal.
- A AEGEA está na área, se derrubar é pênalti
Embora a BRK tenha uma PPP no momento com a Compesa, o comentário, no mercado, é que a AEGEA, segunda maior empresa do Brasil em Saneamento, está fortemente interessada na Compesa, acompanhando passo a passo.
Estaria assessorando juridicamente o assunto conhecido advogado especialista em licitações, ex-diretor jurídico da antiga Queiroz Galvão, que seria figura presente em muitos assuntos relevantes do Governo do Estado.
A EQUIPAV, sócia da AEGEA, no passado, esteve envolvida no escândalo de Gedel Vieira, na Bahia. Ante o mercado bilionário de saneamento, no Brasil, atraiu o Fundo de Cingapura e fez a AEGEA.
- O maior negócio do século de Pernambuco
A concessão parcial dos serviços da Celpe tem um valor econômico maior que a venda da Celpe, hoje Neoenergia, em termos comparativos. O valor em 2000 foi de cerca de 1,7 bilhão.
É sabido que Arraes tentou uma operação financeira com o BNDES de parte das ações da Celpe, em garantia, o que a Justiça Federal não deixou.
A venda da Celpe viabilizou um primeiro Governo de Jarbas, em céu de brigadeiro, ante os recursos obtidos com a Celpe.
À época, houve contestação do preço da venda ante o momento econômico e a avaliação. Se comparar o valor da venda da Celpe (1,7 bilhão) com a perspectiva da concessão parcial da Compesa (cerca de 9 bilhões entrar no caixa de imediato, afora outros aportes), esse último será o maior negócio do século em Pernambuco, ante o tamanho dos valores envolvidos.
- Raquel está amarrada ao Governo Federal até finalizar o processo no BNDES liderado por Mercadante
Certamente, fortalecerá o Governo de Raquel Lyra. Dizem que ela vai manter a fidelidade a Lula, que anda mal das pernas, até a consolidação do processo no BNDES.
- Quando o jogo principal começa?
Dizem que o jogo principal entre situação e oposição começará com a entrega da modelagem da concessão no Tribunal de Contas do Estado. Haverá contestações, segundo comenta-se no meio político.
Há informações que a Procuradoria do Estado já tem um núcleo especial só para tratar e acompanhar esse assunto ante a relevância.
- Era dos extremos climáticos e políticos
No Nordeste e em Pernambuco, a questão da água sempre esteve no centro das atenções e do calendário eleitoral, seja por excesso ou por escassez.
Agora, ainda mais relevante ante a concessão parcial da Compesa e os recursos gerados, no maior negócio do século em Pernambuco, em época de extremos políticos.
*Advogado e escritor
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