Editorial do Estadão
O presidente Lula da Silva finalmente demitiu o ministro da Previdência, Carlos Lupi, cuja permanência no cargo se tornou insustentável após a descoberta da extensão das fraudes em descontos nas aposentadorias e pensões pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Como costuma fazer em toda crise, Lula procrastinou na expectativa de que o escândalo esfriasse por conta própria, mas a negligência de Lupi, que já havia sido alertado do problema, deixou o governo exposto e sem respostas a dar a um público especialmente vulnerável, como é o caso de aposentados e pensionistas.
Para piorar, a oposição não teve dificuldade para conseguir as 171 assinaturas necessárias para protocolar um requerimento com vistas a criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o esquema. A decisão sobre a instalação da comissão caberá ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que poderá optar por priorizá-la ou deixá-la no fim de uma lista de 12 pedidos apresentados anteriormente
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A demissão de Lupi parece uma tentativa de esvaziar o apelo da CPI do INSS. Para este jornal, no entanto, o tamanho da rapina mais que justifica a instalação da CPI.
De acordo com a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU), as entidades associativas receberam quase R$ 8 bilhões entre 2016 e 2024, dos quais R$ 2,848 bilhões apenas no ano passado. A maioria dos beneficiários não havia autorizado a cobrança das mensalidades ou acreditava que seu pagamento era obrigatório.
Tudo começou no governo Michel Temer, mas foi em 2022, durante a administração de Jair Bolsonaro, que o número de reclamações de beneficiários na Ouvidoria do INSS sobre esses descontos disparou. Pesa contra o governo Lula da Silva a demora em agir, a despeito de alertas feitos ainda em 2023 no âmbito do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) e também pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A apuração, portanto, deve ser rigorosa e ir além deste governo, haja vista que 6 milhões de beneficiários foram prejudicados ao longo dos anos.
CPIs muitas vezes não dão em nada, mas podem abalar qualquer governo. A CPI da Covid, por exemplo, recomendou o indiciamento de 78 pessoas e duas empresas. Embora a Procuradoria-Geral da República não tenha aberto inquérito sobre os casos, a comissão foi exitosa ao expor a má gestão de Bolsonaro ao longo da pandemia e certamente lhe custou votos na eleição de 2022.
Tudo o que o enfraquecido Executivo não precisava neste momento era de um escândalo. O governo aparentemente havia conseguido interromper a queda da popularidade de Lula, mas, se ainda não está claro qual impacto o escândalo do INSS terá sobre a imagem do governo, é certeza que haverá algum.
A prioridade, agora, será lidar com o escândalo, cujos desdobramentos eventualmente podem ameaçar a reeleição de Lula. E os próximos passos vão depender menos da capacidade de articulação da oposição na Câmara do que da capacidade do Executivo de dar satisfações à sociedade.
E nisso, até agora, o governo foi muito mal. Em vez de demonstrar ser implacável com os desvios, entregou apenas as cabeças do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e de parte da diretoria do órgão e tentou poupar Lupi. Não funcionou. Alegou que foi sob a Presidência de Lula da Silva que a investigação começou, mas não convenceu ninguém. A atitude soou, no mínimo, como omissão.
Para piorar, uma das entidades envolvidas na investigação, o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), mantém Frei Chico, irmão do presidente da República, em um cargo de direção. O Sindnapi multiplicou suas receitas de R$ 23,3 milhões em 2020 para R$ 154,7 milhões no ano passado.
Gerir o sistema previdenciário, mais que operacionalizar o pagamento dos benefícios, inclui a defesa dos direitos dos beneficiários, sobretudo daqueles em condições de vulnerabilidade, como idosos com doenças graves, indígenas de comunidades isoladas e pessoas com deficiência, que tampouco foram poupados. Tantas perguntas sem resposta apenas fortalecem a urgência da instalação da CPI.
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